JOSÉ SARAMAGO
(Prêmio Nobel da Literatura 1998)
Nasceu na aldeia ribatejana de Azinhaga, concelho de Golegã, no dia 16 de Novembro de 1922, embora o registo oficial mencione o dia 18. Seus pais emigraram para Lisboa quando ele ainda não perfizera três anos de idade. Toda a sua vida tem decorrido na capital, embora até ao princípio da idade madura tivessem sido numerosas e às vezes prolongadas as suas estadas na aldeia natal. Fez estudos secundários (liceal e técnico) que não pôde continuar por dificuldades económicas.
No seu primeiro emprego foi serralheiro mecânico, tendo depois exercido diversas outras profissões, a saber: desenhador, funcionário da saúde e da previdência social, editor, tradutor, jornalista. Publicou o seu primeiro livro, um romance ("Terra do Pecado"), em 1947, tendo estado depois sem publicar até 1966. Trabalhou durante doze anos numa editora, onde exerceu funções de direcção literária e de produção. Colaborou como crítico literário na Revista "Seara Nova".
Em 1972 e 1973 fez parte da redacção do Jornal "Diário de Lisboa" onde foi comentador político, tendo também coordenado, durante alguns meses, o suplemento cultural daquele vespertino. Pertenceu à primeira Direcção da Associação Portuguesa de Escritores. Entre Abril e Novembro de 1975 foi director-adjunto do "Diário de Notícias". Desde 1976 vive exclusivamente do seu trabalho literário. Fonte: www.caleida.pt/saramago
Página realizada em colaboração com o Instituto Cervantes
da Embaixada de Portugal que trouxe Saramago a Brasília.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
MEIAS SOLAS
Bem sei que as meias-solas que deitei
Nas botas aprazadas não resistem
À calçada do tempo que discorro.
Talvez parado as botas me durassem,
Mas quieto quem pode, mesmo vendo
Que é desta caminhada que me morro.
“ÁGUA QUE Á ÁGUA TORNA”
Água que à água torna, de luz franjada,
Abre-se a vaga em espuma.
Movimento perpétuo, arco perfeito,
Que se ergue, retomba e reflui.
Onda do mar que o mesmo mar sustenta,
Amor que de si próprio se alimenta.
QUÍMICA
Sublimemos, amor. Assim as flores
No jardim não morreram se o perfume
No cristal da essência se defende.
Passemos nós as provas, os ardores:
Não caldeiam instintos sem o lume
Nem o secreto aroma que rescende.
FORJA
Quero branco o poema, e ruivo ardente
O metal duro da rima fragorosa,
Quero o corpo suado, incandescente,
Na bigorna sonora e corajosa,
E que a obra saída desta forja
Seja simples e fresca como a rosa.
ELOQUÊNCIA
Um verso que não diga por palavras,
Ou se palavras tem, que nada exprimam:
Uma linha no ar, um gesto breve
Que, num silêncio fundo, me resuma
A vontade que quer, a mão que escreve.
ESTUDO DE NU
Essa linha que nasce nos teus ombros,
Que se prolonga em braço, depois mão,
Esses círculos tangentes, geminados,
Cujo centro em cones se resolve,
Agudamente erguidos para os lábios
Que dos teus se desprenderam, ansiosos.
Essas duas parábolas que te apertam
No quebrar onduloso da cintura,
As calipígias ciclóides sobrepostas
Ao risco das colunas invertidas:
Tépidas coxas de linhas envolventes,
Contornada espiral que não se extingue.
Essa curva quase nada que desenha
No teu ventre um arco repousado,
Esse triângulo de treva cintilante,
Caminho e selo da porta do teu corpo,
Onde o estudo de nu que vou fazendo
Se transforma no quadro terminado.
AOS DEUSES SEM FIÉIS
Talvez a hora escura, a chuva lenta,
Ou esta solidão inconformada.
Talvez porque a vontade se recolha
Neste findar de tarde sem remédio.
Finjo no chão as marcas dos joelhos
E desenho o meu vulto em penitente.
Aos deuses sem fiéis invoco e rezo,
E pergunto a que venho e o que sou.
Ouvem-me calados os deuses e prudentes,
Sem um gesto de paz ou de recusa.
Entre as mãos vagarosas vão passando
A joeira do tempo irrecusável.
Um sorriso, por fim, passa furtivo
Nos seus rostos de fumo e de poeira.
Entre os lábios ressecos brilham dentes
De rilhar carne humana desgastados.
Nada mais que o sorriso retribui
O corpo ajoelhado em que não estou.
Anoitece de todo, os deuses mordem,
Com seus dentes de névoa e de bolor,
A resposta que aos lábios não chegou.
POEMA A BOCA FECHADA
Não direi:
Que o silêncio me sufoca- e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é doutra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vasa de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais boiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quanto me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
PEQUENO COSMOS
Ah, rosas, não, nem frutos, nem rebentos.
Horta e jardim sobejam nestes versos
De consonâncias velhas e bordões.
Navegante dum espaço que rodeio
(Noutra hora diria que infinito),
É por fome de frutos e de rosas
Que a frouxidão da pele ao osso chega.
Assim árido, e leve, me transformo:
Matéria combustível na caldeira
Que as estrelas ateiam onde passo.
Talvez, enfim, o aço apure e faça
Do espelho em que me veja e redefina.
INVENTÁRIO
De que sedas se fizeram os teus dedos,
De que marfim as tuas coxas lisas,
De que alturas chegou ao teu andar
A graça de camurça com que pisas.
De que amoras maduras se espremeu
O gosto acidulado do teu seio,
De que índias o bambu da tua cinta,
O oiro dos teus olhos, donde veio.
A que balanço de onda vais buscar
A linha serpentina dos quadris,
Onde nasce a frescura dessa fonte
Que sai da tua boca quando ris.
De que bosques marinhos se soltou
A folha de coral das tuas portas,
Que perfume te anuncia quando vens
Cercar-me de desejo a horas mortas.
Foto extraída de:
MORDZINSKI, Daniel. A literatura na lente de Daniel Mordzinski. Textos de Adriana Lisboa e Victor Andresco. São Paulo: SESI-SP editora, 2015. 412 p. ilus. col. ISBN 978-82075-604-2 Textos em português e castelhano. Ex. bibl. Antonio Miranda
TEXTOS EN ESPAÑOL
Traducción de Fidel Villar Ribot
Revisión de Ángeles Mora
ELOCUENCIA
Un verso que se diga sin palabras,
o si palabras tiene, nada expresen:
una línea en el aire, un gesto breve
que, en un hondo silencio, me resuma
la voluntad que quiere, la mano que escribe.
ESTUDIO DE DESNUDO
Esa línea que nace de tus hombros,
que se prolonga en brazo, después mano,
esos círculos tangentes, geminados,
cuyo centro en conos se resuelve,
agudamente erguidos tras los labias
que ansiosos de los tuyos se desatan.
Esas dos parábolas que te encierran
en el quiebro ondulado de cintura,
calipigias ciclóides sobrepuestas
a un trazo de columnas invertidas:
tibios muslos de líneas envolventes,
torneada espiral que no se extingue.
Esa curva suave que dibuja
sobre tu vientre un arco reposado,
ese triángulo ardiente de tinieblas,
camino y sello, puerta de tu cuerpo,
donde el estudio que hago de desnudo
se transforma en el cuadro terminado.
A LOS DIOSES SIN FIELES
Tal vez la lluvia lenta, la hora os cura,
o esta soledad no resignada.
Tal vez la voluntad que se recoge
en la tarde que cae sin remedio.
Finjo en el suelo marca das las rodillas,
y mi imagen -dibujo en penitencia.
A los dioses sin fieles rezo, invoco,
y pregunto a qué vengo y lo que soy.
Prudentes y en silencio oyen los dioses,
sin un gesto de paz o de rechazo.
Entre las manos desvaídas pasa
esa criba del tiempo irrevocable.
Una sonrisa, al fin, corre furtiva
por sus rostros de polvo y de humareda.
En los labios resecos brillan dientes
de roer carne humana desgastados.
Tan sólo la sonrisa recompensa
el cuerpo arrodillado en que no estoy.
Anochece por fin, los dioses muerden,
con sus dientes de niebla enmohecidos,
la respuesta que al labio no llegó.
POEMA EN BOCA CERRADA
No diré:
que el silencio me sofoca y amordaza.
Callado estoy, callado quedaré,
porque la lengua que hablo es de otra raza.
Palabras consumidas se acumulan,
se remansan, cisterna de aguas muertas,
agrias penas en limos transformadas,
raíces retorcidas en el fango.
No diré:
que no merecen ni el esfuerzo de decirlas,
palabras que no digan cuanto sé
en un retiro donde nadie me conoce.
No sólo barro arrastran, no sólo lamas,
animales que flotan, muerte, miedos,
túrgidos frutos en ramos se entrelazan
en el oscuro pozo de donde suben dedos.
Sólo diré,
crispadamente recogido y mudo,
que quien se calla cuánto me callé
no se podrá morir sin decir todo.
Extraídos de SARAMAGO, José. Piedra de luna. Granada, de Guante Blanco / Comares, 1999. 185 p ISBN 84-8151-872-7
SARAMAGO, José. Poesia completa. Tradución de Ángel Campos Pámpano. Madrid: Alfaguara, 2005. 637 p. ISBN 84-204-6772-3
PEQUEÑO COSMOS
Ah rosas, no, ni frutos, ni tallos nuevos.
Huerta y jardín sobran en estos versos
De consonancias viejas y bordones.
Navegante de un espacio que rodeo
(En otra hora diría que infinito),
Es por hambre de frutos y de rosas
Que la flojedad de la piel al hueso llega.
Así árido, y leve, me transformo:
Materia combustible en la caldera
Que las estrellas avivan donde paso.
Tal vez, en fin, el acero limpie y haga
Del espejo en que me vea y redefina.
INVENTARIO
De qué sedas están hechos tus dedos,
De qué marfil tus muslos lisos,
De qué alturas llegó a tu andar
La gracia de gamuza con que pisas.
De qué moras maduras se extrajo
El sabor acidulado de tu seno,
De qué Indias el bambú de tu cintura.
El oro de tus ojos, de dónde vino.
A qué mecer de ola vas a buscar
La línea serpentina de tus caderas,
De dónde nace la frescura de esa fuente
Que sale de tu boca cuando ríes.
De qué bosques marinos se soltó
La hoja de coral de tus puertas,
Qué perfume te anuncia cuando vienes
A rodearme de deseo las horas muertas.
MEDIAS SUELAS
Bien sé que las medias suelas que le eché
A las botas ajustadas no resisten
Calzada del tiempo que recorro.
Quizá parado las botas me durasen,
Pero quieto quién puede, aun viendo
Que es por esta caminada por lo que muero.
“AGUA QUE AL AGUA VUELVE”
Agua que al agua vuelve, de luz orlada,
La ola se abre en espuma.
Movimiento perpetuo, arco perfecto,
Que se alza,retumba y se recoge,
Ola del mar que el mismo mar sostiene,
Amor que de sí mismo se alimenta.
QUÍMICA
Sublimemos, amor. Así las flores
En el jardín no han muerto si el perfume
Em el cristal de la esencia se protege.
Pasemos las pruebas, los ardores:
No se fraguan instintos sin la lumbre
Ni el aroma secreto que desprende.
FRAGUA
Quiero blanco el poema, y rojo ardiente
El metal duro de la rima fragorosa,
Quiero el cuerpo sudado, incandescente,
Em el yunque sonoro y valeroso,
Y que la obra salida de esta frágua
Sea sencilla y fresca como la rosa.
(Traduções de Ángel Campos Pámpano, de la edición POESÍA COMPLETA de José Saramago. Madrid: Alfaguara, 2005. ISBN 84-204-6772-3
José Saramago es conocido del público sobretodo por sus novelas. Pero es también un gran poeta, y poca gente sabe de esta vertiente del autor. Alfaguara ha publicado la POESÍA COMPLETA (hasta la fecha de la edición, em 2005) en edición bilíngüe que comprende más de 650 páginas, que merece ser conocida y reconocida por su público. Vale la pena.
SARAMAGO, José. Piedra de luna (59 poemas y un madrigal). Traducción y prólogo Fidel Villar Ribot. Versión Ángeles Mora. Granada, España: De Guante Blanco, 1999. 185 p. 13x20,5 cm Ex bibl. Antonio Miranda
AOS DEUSES SEM FIEIS
Talvez a hora escura, a chuva lenta,
Ou esta solidão inconformada.
Talvez porque a vontade se recolha
Neste findar de tarde sem remédio.
Finjo no chão as marcas dos joelhos
E desenho o meu vulto em penitente.
Aos deuses sem fiéis invoco e rezo,
E pergunto a que venho e o que sou.
Ouvem-me calados os deuses e prudentes,
Sem um gesto de paz ou de recusa.
Entre as mãos vagarosas vão passando
A joeira do tempo irrecusável.
Um sorriso, por fim, passa furtivo
Nos seus rostos de fumo e de poeira.
Entre os lábios ressecos brilham dentes
De rilhar carne humana desgastados.
Nada mais que o sorriso retribui
O corpo ajoelhado em que não estou.
Anoitece de todo, os deuses mordem,
Com seus dentes de névoa e de bolor,
A resposta que aos lábios não chegou.
A LOS DIOSES SIN FIELES
Tal vez la lluvia lenta, la hora oscura,
o esta soledad no resignada.
Tal vez la voluntad que se recoge
en la tarde que cae sin remedio.
Finjo en el suelo marcadas las rodillas,
y mi. imagen dibujo en penitencia.
A los dioses sin fieles rezo, invoco,
y pregunto a qué vengo y lo qutí soy.
Prudentes y en silencio oyen los dioses,
sin un gesto de paz o de rechazo.
Entre las manos desvaídas pasa
esa criba del tiempo irrevocable.
Una sonrisa, al fin, corre furtiva
por sus rostros de polvo y de humareda.
En los labios resecos brillan dientes
de roer carne humana desgastados.
Tan sólo la sonrisa recompensa
el cuerpo' arrodillado en que no estoy.
Anochece por fin, los dióses muerden,
con sus dientes de niebla enmohecidos,
la respuesta que al labio no llegó.
«DE MIM À ESTRELLA»
De mini à estrela um passo me separa:
Lumes da mesma luz que dispersou
Na casual explosão do nascimento,
Entre a noite que foi e há-de ser,
A glória solar do pensamento.
«DE MI A LA ESTRELLA»
De mí a la estrella un paso me separa:
lumbres de la luz misma que esparció
en la explosión casual del nacimiento,
entre la noche que fue y ha de ser,
la gloria solar del pensamiento.
MADRIGAL
Foi milagre? Ideia louca.
Mas que mais posso dizer
Desta profunda alegria
De ver a alma aparecer
No riso da tua boca?
Ainda se fosse a tua,
Entendia,
Mas a minha que faz lá?
Parece um caso da lua
(Tais coisas não são de cá)
Andar-me a alma contigo:
Foi milagre. Bem o digo.
MADRIGAL
¿Fue milagro? Idea loca.
¿Pero qué puedo decir
de esta profunda alegría
de ver el alma salir
en la risa de tu boca?
Tal vez si fuese la tuya
lo entendería,
¿mas la mía que hace allí?
Parece hechizo de luna
(cosas que no son de aquí)
que mi alma ande contigo:
fue milagro. Bien lo digo.
Página ampliada e republicada em novembro de 2017
|