JOÃO JOSÉ COCHOFEL
João José Cochofel licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Fez parte do movimento neo-realista português tendo sido um dos organizadores do Novo Cancioneiro, ajudando a fundar e colaborando activamente nas revistas, ligadas àquele movimento, Altitude (1939) e Vértice (1942), ou, mais tarde, na direcção da Gazeta Musical e de Todas as Artes. Também se encontra colaboração da sua autoria no semanário Mundo Literário [2] (1946-1948). Fonte: wikipedia.
ÁLCOOL
Partir!
sim, mas partir realmente,
definitivamente,
como uma cobra que deixa a pele já crestada dos sóis
e se empoleira nas árvores como um pássaro!
Partir
com a espontaneidade de quem sente que parte
e não com o desespero
de quem quer fazer-se partir.
Partir
— que os hotéis de luxo
têm seus quartos guardados para mim,
e os salões embandeirados de luz
esperam-me.
Partir
para Jungraus e Niagaras
e à noite embriagar-me entre cristais e mulheres
Depois...
raspar com as unhas no chão e enterrar-me
deixando os olhos de fora
para que neles poise
o último orvalho da manhã.
1938
BREVE
Breve
o botão que foste
e o pudor de sê-lo.
Breve
o laço vermelho
dado no cabelo.
Breve
a flor que abriu
e o sol que mudou.
Breve
tanto sonho findo
que a vida pisou.
PÓRTICO
Outros serão
os poetas da força e da ousadia.
Para mim
— ficará a delicadeza dos instantes que fogem
a inutilidade das lágrimas que rolam
a alegria sem motivo duma manhã de sol
o encantamento das tardes mornas
a calma dos beijos longos.
(Um ócio grande morre tudo
dum morrer suave e brando...)
Que os outros fiquem com o seu fel
as suas imprecações
o seu sarcasmo.
Para mim
será esta melancolia mansa
que me é dada pela certeza de saber
que a culpa é sempre minha
se as lágrimas correm...
CANÇÃO MONÓTONA PARA ADORMECER
O POETA
Diz-me alguém que ainda é cedo,
alguém que nunca vi
nem ouvi,
nem por mais que viva verei
ou ouvirei
mas por quem sempre esperarei
enquanto durar em mim
esta ânsia de infinito
com que vos fito
e fitarei,
até um dia me aparecer
aquela que me diz que ainda é cedo
mas que nunca verei.
*
Não me venham dizer
que os choupos despidos lembram mágoas,
se o sol os veste, solitários e altivos,
erguidos sobre as águas.
Longe vem vindo os barqueiros,
metidos no rio até as virilhas,
Nas ínsuas correm em liberdade os potros,
embora mais tarde vão pelas estradas,
seus flancos cingidos pelas cilhas.
*
Sol que acordou em mim
o grão do meu instinto!
Ergo-me
só pelo que sinto.
Basta-me o hálito a terra
da tua nudez reflorida.
Sonhos... ? — Quem se evade da vida,
se é vivida?
*
Verde e fresca
te queria.
— Mais urgente
o pão de cada dia.
Verde e fresca te queria,
sem esse açoutado do olhar.
— Mundo! aos pobres
que outra coisa hás-de dar?
Verde e fresca te queria,
como desabrochaste outrora.
— Tanta a diferença
a separar-te de agora!
Corpo murchando
no alvorecer da vida:
verde e fresca te queria...
Penosa é a lida
a quem dá a si próprio
o pão de cada dia.
"Sol de agosto" 1941
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