Imagem extraída de
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_de_Barros_(1881)
JOÃO DE BARROS
(1881-1960)
O poeta João de Barros nasceu em Figueira da Foz, que fica no estuário do Mondego, rio que passa por Coimbra, a da vetusta Universidade. Pedagogo, o Figueirense participou do movimento republicano renovatório da Educação e m Portugal: trabalhou pela cooperação cultural luso-brasílica; e dirigiu com João do Rio (Paulo Barreto) a revista Atlântida, editada em Lisboa. Como sócio correspondente ocupou, em 1917, a Cadeira n° 9, de que patrono Santa Rita Durão, da Academia Brasileira de Letras.
A História da literatura Portuguesa, de A.J. Saraiva e Óscar Lopes, registra:
“A imaginária helênica torna-se particularmente insistente em João de Barros (...) que, além das suas campanhas de pedagogia e de aproximação luso-brasileira, se distingue por uma afirmativa confiança no progresso, na razão, nas reservas de energia imanentes ao homem terreno e ao povo. A melhor expressão desse ideário algo abstrato reside no poema dramático Anteu, de 1912, e numa série de poesias de que fez a antologia em Vida Vitoriosa” (10ª Ed., 1978).
Texto e poemas extraídos da obra:
Fontes de Alencar
ANOTAÇÕES DE POESIA
no Centenário da
REVISTA AMERICANA (1909-1919)
Brasília: Thesaurus, 2010.
ISBN 978-85-7062-925-8
Excelsior
“In memoriam’ à Maria, que soube amar a Vida.”
A tua ânsia,
O teu desejo de partir é, nos teus olhos,
Como, um barco a fugir entre espumas e escolhos
Para a livre distância!
oh! a evasão
Por uma noite de invernia
Quando o vento sacode e fustiga a energia,
E as nobres aves migradoras vão
- Buscando regiões de calmaria –
Entre o Céu em tormenta e as ondas em cachão!
Depois... a Vida
- Ser muito amada, ser desiludida,
Amar, sofrer, odiar.
Na vertigem do amor aprender a chorar;
Matar com beijos a quimera apetecida...
E na hora maior, e no instante mais puro
Despedaçar, contra o Mistério do Futuro,
A ambição – insofrida!
Mas, calmo e forte,
Mais firme que a desgraça e mais certo que a Morte,
Mais alto que o Destino,
Desfraldar sobre o mundo o orgulho de criar, o impulso de vencer,
- E brandindo-os nas mãos como fachos a arder
Entre a névoa cerrada,
Deixar curvar o seu clarão divino
Para a lama da estradas!
Ah! Todos nós
— Nós que vivemos para além da própria Vida —
Temos o mesmo gesto, a mesma inquieta voz!
Alma de Luz – em febre e amor é consumida ...
E moribundo já, quanta ilusão transida
Vem aquecer-se ainda em nós!...
Assim – resplende. Assim fulgura – e parte
Segue, cantando, o teu desejo, a tua Arte,
Vai, minha Irmã!
A dor é bela, é sempre grande o sofrimento,
Só o tédio é banal, só a mentira é vã...
Veste de esforço o mais amado pensamento.
Deixa o Passado. Exalta o sonho do momento,
E, sem receio, parte!
— Hesitas ao saber que é tão sozinho
O rumo em que se perde a tua mocidade?
Olhas, chorosa e triste de saudade,
Esses que ficam, desdenhando, sem coragem
A audaciosa viagem?
Deixa-os zombar, deixa-os ficar, e desdenhar!
O seus gesto, repara, é covarde e mesquinho,
Têm almas, bem sei, mas só para esquecê-las...
E não vêem sequer que o pó do teu caminho
É poeira de estrelas!...¹
¹ o confronto entre o texto do poema publicado na revista e o que se acha no livro revela variantes versíficas.
LIVRO DOS POEMAS. LIVRO DOS SONETOS; LIVRO DO CORPO; LIVRO DOS DESAFOROS; LIVRO DAS CORTESÃS; LIVRO DOS BICHOS. Org. Sergio Faraco. Porto Alegre: L.P. & M., 2009. 624 p. ISBN 978-85-254-1839-1839-5 Ex. bibl. Antonio Miranda
De "Livro das cortesãs":
CANÇÃO DAS MULHERES PERDIDAS
Dias e noites, noites e dias,
damos os corpos a quem nos pede
beijos, carícias, febre, alegrias,
em horas doidas e fugidias,
em horas doidas da eterna sede.
Da sede eterna do eterno amor
que dá aos homens iguais desejos:
nas nossas bocas, já sem calor,
todas procuram o mesmo ardor,
as mesmas frases e os mesmos beijos...
E vêm moços, e vêm tantos
velhos que metem ou nojo ou dó;
são os domingos e dias santos
dias dos pobres, dias de quantos
pela semana trabalham só.
Mas ricos, pobres, velhos e os mais
que nos desmaiam por sobre os peitos
— olhos fechados, lábios sensuais,
são sempre os mesmos; tornam-se iguais
se os abraçarmos nos nossos leitos.
São sempre os mesmo, com a ilusão
de que os podemos amar ness´hora;
e vibra um pouco do coração
nos beijos quentes que eles não dão
com um sorriso que ordena... e implora.
E há os ingênuos, ou ignorantes,
e somos nós
que os ensinamos a ser amantes,
e viver muito nalguns instantes,
a pôr sorrisos, beijos na voz...
Ó mães honestas, vós que passais
com vossos filhos — o olhar fecundo,
os seios altos e maternais —
vós que passando nos desprezais
porque dormimos com meio mundo,
talvez que o beijo que vos fez mães
nas nossas bocas fosse ensaiado,
e sois injustas nesses desdéns,
pois que vos demos todos os bens,
no bem dum filho louro e rosado!
Mulheres perdidas: assim nos chama
que não suspeita do nosso amor;
ninguém, senhoras, como nós ama
com tanto brilho numa só chama,
com tanta raiva, com tanta dor!
A vida alberga, serena e forte,
glória e vergonha, vício e virtude;
que haja um sorriso que as chame e exorte...
Ei-las — coitadas — nesta má sorte
— as virgens cheias de juventude...
E faz-nos santas a piedade;
inda que o ódio nos prenda e leve
não recusamos a f´licidade
a qualquer homem que em nós se agrade,
do breve engano dum beijo breve.
Ó natureza, boa e clemente,
somos irmãs!
Mulher perdida que toda a gente
dás no teu leito, confiadamente,
beijos dos astros e das manhãs!
E sem descanso, noites e dias,
e sem descanso, pra que t´os pede,
tens sonhos, febre, riso, alegrias,
em horas doídas e fugidias,
em horas doidas de eterna sede!
*
Página ampliada e republicada em fevereiro de 2023.
Página publicada em maio de 2010
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