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JAIME ROCHA
Rui Ferreira de Sousa, com os pseudônimos JAIME ROCHA e Sousa Fernandes, é um poeta, escritor, jornalista e dramaturgo português.
Fez os seus estudos na Faculdade de Letras na Universidade de Lisboa. Durante alguns anos, viveu em França, tendo regressado a Portugal após a Revolução dos Cravos.
O PRISMA DE MUITAS CORES. Poesia de Amor portuguesa e brasileira. Organização Victor Oliveira Mateus. Prefácio Antônio Carlos Cortes. Capa Julio Cunha. Fafe: Amarante: Labirinto, 2010 207 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
Chamamento
O seu corpo prende-se a uma escarpa como se
a pele estivesse tapada pela resina. O vento seca
as paredes da encosta e a erva morre no instante
em que a luz pousa nos seus cabelos. Uma mulher
nasce na areia. Sozinha, com os vestidos na água.
Há um barco entre a espuma, uma imagem que
define os crustáceos colados às rochas. O mar
parou, deixando as ondas no ar como uma pintura
num museu. É a respiração dela, o seu movimento,
uma paixão oculta que se estende pelas dunas.
E há um homem que vê, escondido na folhagem,
tentando encontrar as palavras exactas. Ela sabe
que o homem a contempla para além do reflexo.
É o seu corpo a envolver-se na areia, o ritual do
chamamento.
***
VISÃO DESASSEIS
Deixando nele marcas como se estivesse dentro
de um círculo de fogo. Ou como um assassino
Empareda na cal a quem lançassem musgo
até a morte. Há ali um espaço solto, o sítio onde
os pássaros devoram os peixes. E uma zona escura
com um manto redondo tapando a luz, uma espécie
de cegueira em cujo centro existe um castanheiro
e uma caixa vazia. Um papel voa, desliza junto
a um muro e é daí que a música se espalha presa a
um fio de cobre. É nesse momento que a imagem
dela se forma e se despedaça. O seu corpo
é agora o vento.
(In: Os que vão morrer, 2000)
VISÃO DEZASSETE
A mulher sai de um chão de azulejos e anda
com o corpo em arco. Ondula, prepara os gestos
para o sacrifício, rasteja. A sua sabedoria está
gravada nos olhos. À sua frente apenas vê
o anfiteatro e a madeira manchada de sangue.
Uma fogueira ateada pelo pedreiro anuncia a sua morte,
liberta um fumo podre. Cada vez que o homem
revira as cinzas, o corpo dela estremece e os seus
pés batem lançando faíscas para o céu.
O anjo chega, com uma lágrima gigante em cada asa.
Quando poisa atira flores para o túmulo,
mas o lume não entra no corpo da mulher,
nem a morte consegue leva-la. Porque o pedreiro
se despe e os músculos dos seus braços esmagam
o anjo contra o mármore, fulminando-o de um só golpe.
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Página publicada em janeiro de 2021
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