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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



HERBERTO HELDER

 

 

Nació en 1930, en Funchal, isla de Madeira, Portugal.  Estudió Letras en la Universidad de Coimbra.  Trabajó como periodista y publicista. Es en la actualidad una de las personalidades más notables de la poesía portuguesa. Su poesía discurre desde una óptica surrealista, pasando por la experimental hasta crear una exquisita poesía, metafórica y simbolista.

 

Herberto Hélder de Oliveira (Funchal, 23 de Novembro de 1930) é um escritor português de ascendência judaica (ver http://www.citi.pt/cultura/literatura/poesia/helder/biogra.html,

Universidade Nova de Lisboa).

 

Freqüentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tendo trabalhado em Lisboa como jornalista, bibliotecário, tradutor e apresentador de programas de rádio. Viajou por diversos países da Europa realizando trabalhos corriqueiros, sem nenhuma relação com a literatura.

 

É considerado um dos mais originais poetas vivos de língua portuguesa. É uma figura misantropa, e em torno de si paira uma atmosfera algo misteriosa uma vez que recusa prémios e se nega a dar entrevistas. Em 1994 foi o vencedor do Prémio Pessoa que recusou. É pai de Daniel Oliveira.
 

A sua escrita começou por se situar no âmbito de um surrealismo tardio. Escreveu "Os Passos em Volta", um livro que através de vários contos, sugere as viagens deambulatórias de uma personagem por entre cidades e quotidianos, colocando ao mesmo tempo incertezas acerca da identidade própria de cada ser humano (ficção); "Photomaton e Vox", é uma colectânea de ensaios e textos e também de vários poemas. "Poesia Toda" é o título de uma antologia pessoal dos seus livros de poesia que tem sido depurada ao longo dos anos. Na edição de 2004 foram retiradas da recolha suas traduções.

 

A crítica literária aproxima sua linguagem poética do universo da Alquimia, da mística, da Mitologia edipiana e da Imago da Mãe.

Fonte da biografia: wikipedia. 

 

Poemas selecionados de la edición de la ANTOLOGIA LA ACTUAL POESIA PORTUGUESA, con traducciones de nuestro amigo XOSÉ LOIS GARCÍA, publicada originalmente en la revista HORA DE POESIA, n. 27/28, de 1983, de Barcelona, España. Ejemplar gentilmente donado por Aricy Curvello para la Biblioteca Nacional de Brasilia.  

 

TEXTOS EM PORTUGUÊS  TEXTOS EN ESPAÑOL

 

 

CICLO

 

I

Escuto a fonte, meu misterioso desígnio

de cantar o amor.

Da tremenda alegria da carne

deve vir o espírito do canto, da vossa

deslumbrante alegria, ó intensas

criaturas solares.

 

Tudo o que é como sinal fecundo

da terra, tudo o que se toca

entre comoção e pensamento,

deve participar de vosso cântico, ó

corpos apoteóticos, corpos

reconstruídos sobre o frio ascético dos cadáveres.

 

Vosso é o vinho libertador, a erva

virgem, ó pequenas cabras rituais, a erva

junto à água, junto ao silêncio,

junto à aragem — vosso é pólen inconscurpado,

o fruto, o dia, a delirante

lua vermelha.

 

Vindes na simples harmonia da fome

e da mesa,

com gestos sexuais de uma graça infantil,

o puro impudor,

a generosidade ingénua

do pecado.

 

Eu canto vossas coxas verdes, o antigo

Turbilhonar do instinto

que transportais castamente como um depósito

no sacrário do sexo,

canto vosso ventre diurno,

a grande inocência de uma entrega

milagrosa.

 

Humildemente teço minhas palavras gratas

sobre a bela ferocidade

da carne, ergo minha taça,

ouço o oculto rumorejar da fonte.

Humildemente dissipo a solidão, aceite apelo de esperma,

mereço a poesia.

 

—Humildemente repudio a morte.

 

 

O POEMA

 

I

Um poema cresce inseguramente

na confusão da carne.

Sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,

talvez como sangue

ou sombra de sangue pelos canais do ser.

 

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência

ou os bagos de uva onde nascem

as raízes minúsculas do sol.

Fora, os corpos genuínos e inalteráveis

do nosso amor,

os rios, a grande paz exterior das coisas,

as folhas dormindo o silêncio

—a hora teatral da posse.

 

E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.

Insustentável, único,

invade as órbitas, a face amorfa das paredes,

e a miséria dos minutos,

e a força sustida das coisas,

e a redonda e livre harmonia do mundo.

—Em baixo, o instrumento perplexo ignora

a espinha do mistério.

 

—E o poema faz-se contra o temo e a carne.

 

 

ONDE NÃO PODE A MÃO

 

Como se uma estrela hidráulica arrebatada das poças

Tu sim deslumbras. Por coroação:

por regiões activas de levantamento:

por azougue da cabeça,

Brilhas pela testa acima,

Ceptro: potência — ah sempre que o chão crepita

dos charcos de ouro,

E no corpo trancado a velas

E nervos: o sangue que se afunda e faz tremer

Tudo, Tocas

com um arrepio de unha a unha

o mundo, Pontada

que te abre e aumenta

ou

—onde se um troço dessa massa

intestina: e como respirada: às queimaduras

primitiva — Boca:

sexo: viveza

das tripas: uma glândula que te move

ao centro, Amadureces como um ovo,

Na traça carnal: todo

como um golpe muita força por dentro   


De

OU O POEMA CONTÍNUO

São Paulo: A Girafa Editora, 2006
535 p.  ISBN 85-7719-012-9


(Edição brasileira da obra do poeta português-universal Herberto Helder, que merece a atenção de nosso público)



NARRAÇÁO DE UM HOMEM EM MAIO

 

Estou deitado no nome: maio, e sou uma pessoa

que saiu

violenta e violentamente para o campo.

Um homem deitado entre os malmequeres

rotativos do mês atraves-

sado pelo movimento.

É a noite aproximada com o livro

dentro. Deitado sobre bocados

de estrelas no pensamento.

Era a casa absorvida na manhã

embatente.

Livro da poesia arrebatada. Poesia

da mulher emparedada no amor

e o homem emparedado na destruição

do amor.

É agora o leitor com a atenção corrupta

sobre o livro.

O livro que arde nos ossos

do leitor afogado no poema arrebatado.

Estou estendido como autor na ligeira

palavra que a noite molha

e os ventos sopram como se sopra

urna brasa.

 

Um homem que saiu de casa, com toda

a magnífica violência do amor.

E o tempo revelador.

Agora inteligente deste lado,

contra o lado exemplar de maio aglomerado.

Espécie de primavera comburente.

A dor total. O livro.

O pensamento do amor. A

experiência.

E a vida ardente do autor.

 

Deitei-me também no campo

de outras coisas. Com discurso. Com

rigoroso segredo.

Vi o caçador levantar o arco-íris

e atirar, fechada, a morte

ao cabrito primaveril.

E tudo calei como experiência

de um sono inspirado.

Vi a ressurreição, maio

infestado. Ouvi

passar o ciclista da primavera

sobre o ruído da ressurreição.

Conheci a existência do roubador, o ciclista

que penetra no exemplo da fábula.

Estou deitado em meio campo

de urna espécie de despedida.

Meio campo de maio, e outro meio

de pessoalíssima vida.

 

São coisas que já não estão mais

do que na maturidade da idade.

Fiz comércio. Indústria. Dor.

A garganta lavrada pelo canto.

Ia a bicicleta com o seu poeta que punha a mão

no poema da bicicleta.

E iam todos — poema, bicicleta, poeta e mão —

por sobre o coração da terra e a ressurreição

da primavera. Ganhei

a minha idade concluída.

Cacei. Ou plantei. Ou cortei.

A vida vida.

Havia o movimento com a sua bicicleta

e a canção com o seu poeta.

A vida merecida.

 

Vejo ervas movimentadas e estrelas paradas.

E a consumação das coisas universais.

Geram-se de novo as coisas

universais. A pureza.

A natureza da pureza.

A própria natureza das coisas universais.

Da dor sei o amor.

O amor do ardor. Sei mais

do que posso saber da matéria do amor.

Fico deitado no campo revolucionário:

a paciente brutalidade da primavera

é como a brutalidade

delicada da paixão.

 

O violentamente demorado amor,
e a sua ressurreição.

 

Já estivera deitado ao lado das mulheres.

Elas paravam completamente

como caçadores ou bichos fascinados.

Não tinham pensamento nem idade.

Era a força do corpo. O movimento.

Estou neste lado desse lado

do corpo. Sei o poema

do conhecimento informulado.

Respira monotonamente urna estrela

entre os ossos.

Estrela levemente destruída.

Roída pelo louco rato lírico

da idade. Estou no pensamento.

Parado no movimento de uma vida.

 

Mexo a boca, mexo os dedos, mexo

a idéia da experiência.

Não mexo no arrependimento.

Pois o corpo é interno e eterno

do seu corpo.

Não tenho inocência, mas o dom

de toda urna inocência.

E lentidão ou harmonia.

Poesia sem perdão ou esquecimento.

Idade de poesia. 

 

                              

HELDER, Herberto.  Poemas completos. Rio de Janeiro: Tinta da China Brasil, 2016.  736  p.  capa dura.  ISBN 978-85-65500-05-8   Ex. bibl. part. Antonio Miranda

 

 

AOS AMIGOS

 

Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
 Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
— Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio. De paixão.

 

 

 

TEXTO 1

 

 

Todo o discurso é apenas o símbolo de uma inflexão
da voza insinuação de um gesto uma temperatura
à sua extraordinária desordem preside um pensamento
melhor diria "um esforço" não coordenador (de modo algum)
mas de "moldagem" perguntavam "estão a criar moldes?"
não senhores para isso teria de preexistir um "modelo"
uma ideia organizada um cânone
queremos sugerir coisas como "imagem de respiração"
"imagem de digestão"
imagem de dilatação"
"imagem de movimentação"
"com as palavras?" perguntavam eles e devo dizer que era
uma pergunta perigosa um alarme colocando para sempre
algo como o confessado amor das palavras
no centro
não tentamos criar abóboras com a palavra "abóboras"
não é um sentido propiciatório da linguagem
introduzimos furtivamente planos que ocasionais”
ocupações ("des-sintonizar" aberto o caminho
para antigas explicações "discursos de discursos de discursos"
fixemos essa ideia de "planos"
podemos admiti-los como "uma espécie de casas"
ou "uma espécie de campos"
e então evidente para serem habitados percorridos gastos
será que se pretende ainda identificar "linguagem" e "vida"?

 

 

 

(walpurgisnacht)

 

Eu não durmo, respiro apenas como a raiz sombria
dos astros: raia a laceração sangrenta,
estancada entre o sexo
e a garganta. Eu nunca
durmo,
com a ferida do meu próprio sono.
Às vezes movo as mãos para suster a luz que salta
da boca. Ou a veia negra que irrompe dessa estrela
selvagem implantada
no meio da carne, como no fundo da noite
o buraco forte
do sangue. Aveia que me corta de ponta a ponta,
que arrasta todo o escuro do mundo
para a cabeça. Às vezes mexo os dedos como se as unhas
se alumiassem.
Mas nunca durmo entre os meus braços
pulsando
como grandes carótidas
que alimentem a beleza e rapidez do rosto sobre
músculos fechados.
Enquanto o sol rompe as membranas
dos espelhos: não danço, não
durmo, não respiro mais que a terra esquartejada pelas chamas lunares.
Não trabalho tanto como no verão o sangue
sob o pelo
baixo
dos animais, a elegância violenta,
o alimento.
Há dias em que as mãos se movimentam por si,
mal tocando nas fendas
o tremor hirsuto de um cometa cravado desde as costas
aos lençóis. Nunca sei
onde é a noite: uma sala como uma pálpebra negra
separa
a barragem da luz que suporta a terra.
— Agora, a fundura de uma
lavoura aérea, o fôlego, uma pedra com o meu tamanho
coberto
de poros, ou tendões a ligar
arquipélagos límpidos
na penumbra. Estes,
os obscuros fulcros da loucura.
Alguém devia tocar-me para sentir que estou vivo,
que sou
uma estaca atravessada pelo sangue, e dela rebentam
por exemplo: áscuas. Isto é uma fábrica de demência:
palavras
onde se manobra a púrpura, onde
o aroma que mata ascende de jardins construídos
levemente
na escuridão. E uma imagem fecha
tudo o que se fecha: quartos,

dias sobre si mesmos, as frutas redondas por força
da doçura interna. Quando as vozes
ferozes se desengolfam, a terra
move-as como um músculo encharcado entre a boca
e o coração que não dorme
nunca. — E todas as minhas vísceras são
inocentes.

                       

 

 

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TEXTOS EN ESPAÑOL

 

Traducción de Xosé Lois García

 

CICLO

 

I

Escucho la fuente, mi misterioso desígnio

de cantar el amor.

De la tremenda alegria de la carne

debe venir el espíritu del canto, de vuestra

deslumbrante alegría, oh intensas

criaturas solares.

 

Todo lo que es como señal fecunda

de la tierra, todo lo que se toca

entre conmoción y pensamiento

debe participar de vuestro cántico, oh

cuerpos apotósicos, cuerpos

reconstruidos sobre el frio ascético de los cadáveres.

 

Vuestro es el vino liberador, la hierba

virgen, oh pequeñas cabras rituales, la hierba

junto al agua, junto al silencio,

junto a la brisa — vuestro es el polen incorrupto,

el fruto, el día, la delirante

luna encarnada.

 

Venís en la simple armonía del hambre

y de la mesa,

con gestos sexuales de una gracia infantil

o puro impudor,

la generosidad ingenua

del pecado.

 

Canto vuestros muslos verdes, el antiguo

torbellinar del instinto

que transportais castamente como un depósito

en el sagrario del sexo,

canto vuestro vientre diurno,

la gran inocencia de una entrega

 

milagrosa.

 

Humildemente tejo mis palabras gratas

sobre la bella ferocidad

de la carne, levanto mi taza,

oigo el oculto rumorear de la fuente.

Humildemente disipo la soledad, acepto vuestra llamada de esperma,

merezco la poesía.

 

— Humildemente repudio la muerte.

 

 

EL POEMA

 

I

Un poema crece inseguro

en la confusión de la carne.

Sube aún sin palabras, sólo ferocidad y placer,

tal vez como sangre

o sombra de sangre por los canales de ser.

 

Fuera existe el mundo. Fuera, la espléndida violencia

o los granos de uva de donde nacen

las raíces minúsculas del sol.

Fuera, los cuerpos genuínos e inalterables

de nuestro amor,

los rios, la gran paz exterior de las cosas,

las hojas durmiendo el silencio

— la hora teatral de la posesión.

 

Y el poema crece tomando todo en su regazo.

Y ya ningún poder destruye el poema.

Insustentable, único,

Invade las órbitas, la superficie  amorfa de las paredes,

y la miséria de los minutos,

y la fuerza equilibrada de las cosas,

y la redonda  libre armonía del mundo.

—Abajo, el instrumento perplejo ignora

la dificultad del mistério.

 

—Y el poema se hace contra el tiempo y la carne.

 

 

DONDE NO PUEDE LA MANO

 

Como una estrella hidráulica arrebatada de los charcos,

Tu si deslumbras, Por coronación:

por regiones activas de levantamiento:

por azougue de la cabeza,

Brillas sobre la frente,

Cetro: potencia — ah siempre que el suelo crepita

de los charcos de oro,

Y en el cuerpo atrancado de venas

Y nervios: la sangre que se ahonda y hace temblar

Todo, Tocas

como un escalofrío de uña a uña

el mundo, Punzada

que te abre y aumenta

o

— donde si un trozo de esa masa

Intestina: y cómo respirada: a las quemaduras

primitvas — Boca:

sexo: viveza

de las tripas: una glândula que te mueve

al centro, Maduras como un huevo,

En la trama carnal: todo

Con un golpe con mucha fuerza hacia adentro

 


EROTISMO & SENSUALIDADE EM VERSOS – antologia de poesias eróticas da antiguidade até aos nossos dias.  Seleção: Renata Cordeiro.  Ilustrações: Auguste Rodin. 
São Paulo: Landy Editora, 2005.  126 p.  15x24 cm.   ISBN 85-7629-041-3               Ex. biblioteca de Antonio Miranda

 

 

        A mentruação quando na cidade passava
           o ar. As raparigas respirando,
             comendo figo — e a menstruação na cidade
               corria o tempo pelo ar.
                 Eram cravos na neve. As raparigas
                   riam, gritavam— e as figueiras soprando
                     de dentro
                       os figos, com seus pulmões de esponja
                       branca.  E as raparigas
                       comiam cravos pelo ar.
                       E elas riam na neve e gritavam: era
                       o tempo da menstruação.
                       [...]
                      Alguém falava: sangue, tempo.
                     As figueiras sopravam no ar que
                    corria, as máquinas amavam. E um peixe
                   percorrendo, como uma antiga palavra
                  sensível, a página desse amor.
                 E alguém falava: é a neve.
                As raparigas riam dentro da menstruação,
               comendo neve.

 

 

HELDER, Herberto.  O corpo o luxo a obra.  Seleção e apresentação de Jorge Henrique Bastos.  Posfácio Maria Lúcia Dal Farra.  São Paulo: Iluminuras, 2009.  159 p. N. 10 883    Exemplar na biblioteca de Antonio Miranda

 

 

       A MENSTRUAÇÃO QUANDO NA CIDADE PASSAVA

      
A menstruação quando na cidade passava
       o ar As raparigas respirando,
       comendo figos — e a menstruação quando na cidade
       corria o tempo pelo ar.
       Eram cravos no neve. As raparigas
       riam, gritavam — e as figueiras soprando de dentro
       os figos, com seus pulmões de esponja
       branca. E as raparigas
       comiam cravos pelo ar.
       E elas riam na neve e gritavam: era
       o tempo da menstruação.

       As maçãs resvalavam na casa.
       Alguém falava: neve.  A noite vinha
       partir a cabeça das estátuas, e as maçãs
       resvalavam no telhado — alguém
       falava: sangue.
       Na casa, elas riam — e a menstruação
       corria pelas cavernas brancas das esponjas,
       e partiam-se as cabeças das estátuas.
       Cravos — era alguém que falava assim.
       E as raparigas respirando, comendo
       figos na neve.
       Alguém falava: maçãs. E era o tempo.

      O sangue escorria dos pescoços de granito,
       a criança abatia a boca negra
       sobre a neve nos figos — e elas gritavam
       na sombra da casa.
       Alguém falava: sangue, tempo.

       As figueiras sopravam no ar que
       corria, as máquinas amavam. E um peixe
       percorrendo, com um antiga palavras
       sensível, a página desse amor.
       E alguém falava: é a neve.
       As raparigas riam dentro da menstruação,
       comendo neve. As cabeças das
       estátuas estavam cheias de cravos,
       e as crianças abatiam a boca negra sobre
       os gritos. A noite vinha pelo ar,
       na sombra resvalavam as maçãs.
       E era o tempo.

       E elas riam no ar, comendo
       a noite,
       alimentando-se de figos e de neve.
       E alguém falava: crianças.
       E a menstruação escorria em silêncio...
       na noite, na neve —
       espremida das esponjas brancas, lá na noite
       das raparigas
       que riam na sombra da casa, resvalando,
       comendo cravos. E alguém falava:
       é um peixe percorrendo a página de um amor
       antigo. E as raparigas
       gritavam.

       As vacas estão espreitando,
       e nos focinhos consumia-se o lume em silêncio.
       Pelas janelas os violinos
       passavam pelo ar. E a menstruação nas raparigas
       escorria pela sombra, e elas

       Gritavam e comiam areia. Alguém falava:
       fogo. E as vacas passavam pelos violinos.
       E as janelas em silêncio escorriam
       o seu fogo. E as admiráveis
       raparigas cantavam a sua canção, como
       uma palavra antiga escorrendo
       numa página pela neve,
       coroada de figos. E no fogo as crianças
       eram tocadas pelo tempo da menstruação.

       Alimentavam-se apenas de figos e de areia.
       E pelo tempo fora,
       riam — e a neve cobria a sua página de tempo,
       e as vacas resvalavam na sombra.
       Em silêncio o seu lume escorria das esponjas.
       Partiam-se as cabeças dos violinos.
       As raparigas, cantando as suas crianças,
       comiam figos.
       A noite comia areia.
       E eram cravos nas cavernas brancas.
       Menstruação — falava alguém. O ar passava —
       e pela noite, em silêncio,

       a menstruação escorria pela neve.

 

 
      

*
Página ampliada e republicada em fevereiro de 2024.

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Página publicada em janeiro de 2008



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