FRANCISCO RODRIGUES LOBO
(Leiria, 1580 — Lisboa, 1622) foi um poeta português. Autor regionalista como poucos, apresenta o cognome de "cantor do Lis".
Nascido numa família de cristãos-novos, estudou na Universidade de Coimbra onde se formou em Direito. Foi na cidade do Mondego que iniciou a sua atividade literária, compondo o "romanceiro" quando tinha pouco mais de 16 anos.
Desconhece-se se terá exercido cargos públicos. Na sua escrita percebe-se uma certa influência da lírica de Luís de Camões, nomeadamente nos temas do bucolismo e do desencanto.
Afirma-se que se dava com a nobreza, entre os quais Teodósio II, Duque de Bragança e Duarte de Bragança, senhor de Vila do Conde, e que este último lhe dava alojamento.
Morreu afogado no rio Tejo durante uma viagem entre Lisboa e Santarém.
Fonte: wikipedia
CANTIGA DA PASTORA
Todos conhecem meu mal
E ninguem a causa dele;
Eu sei que morro por ele,
Contra ele nada me val.
Um cuidado bem nascido,
Que amor n'alma me tem posto,
No peito o trago escondido,
Mas ele, de mal sofrido,
Logo se mostra no rosto:
Que farei para esconde-lo
Se encobri-lo não me val?
Que por mais que me desvelo,
Sem vendá-lo e sem dizê-lo.
Todos conhecem meu mal.
O mal nunca faz engano
Por ser mais claro que o bem,
Não se encobre em peito humano,
Logo se conhece o dano,
Sem se saber donde vem:
Ande o meu n'alma encerrado,
Por mais que o rosto o revele,
Conheçam, pois que é forçado,
Nascer de amor meu cuidado,
Mas ninguem a causa dele.
Numa pena tão comprida,
De uma só magoa me temo:
Que é, perdendo nela a vida,
Não ser na morte entendida
A causa de um tal extremo.
Se inda este mal me convem,
Quero ter segredo nele
E ser sôfrega no bem;
Não o saiba mais ninguem,
Eu sei que morro por ele.
E se em segredo me enleio
É porque quer minha sorte
Induzir-me este receio,
Pois que vindo donde veio,
Me achava a vida na morte,
Mas, no tormento a que vim,
Tudo faz só por meu mal,
E ele, por me não dar fim,
Tudo lhe val contra mim,
Contra ele nada me val.
S O N E T O
Que amor sigo? Que busco? Que desejo?
Que enleio É este vão da fantasia?
Que tive? Que perdi? Quem me queria?
Quem me faz guerra? Contra quem pelejo?
Foi por encantamento o meu desejo
E por sombra passou minha alegria;
Mostrou-me Amor, dormindo, o que não via.
E eu ceguei do que vi, pois já não vejo.
Fez à sua medida o pensamento
Aquela estranha e nova fermosura
E aquele parecer quase divino;
Ou imaginação, sombra, ou figura.
É certo e verdadeiro meu tormento:
Eu morro do que vi, do que imagino.
FERMOSOS OLHOS, QUEM VER-VOS PRETENDE
Fermosos olhos, quem ver-vos pretende
A vista dera em preço, se vos vira,
Que inda que por perder-vos a sentira,
A perda de não ver-vos não se entende;
A graça dessa luz não na compreende
Quem, qual ao Sol, a vós seus olhos vira,
Que o cego Amor, que cego deles tira,
Com vossos próprios raios a defende.
Não pode a vista humana conhecer
Qual seja a vossa côr, que a luz forçosa
Não consente mostrar tanta beleza;
Se eu, que em vendo-a ceguei, pude ainda ver,
Uma côr vi, porém tão fermosa
Que me não pareceu da natureza.
ENDECHAS
Vão-se meus amores,
Vão-se pelo mar,
Pois mo levais, águas,
Fazei-mos tornar. L
Vão-se desta terra,
Deixam a montanha,
E na terra estranha
Buscam nova guerra;
A sorte os desterra
Por me dar tormento,
Ela move o vento
E os faz embarcar;
Pois mos levais, águas,
Fazei-mos tornar .
Vós, ó meus cuidados
Falsos e fingidos,
Como repartidos
Partis confiados,
Nâo ouvis meus brados
Nem minhas querelas;
Com o vento nas velas
E os olhos no mar,
Achais essas águas
Fáceis de passar.
Quando me deixastes,
As águas que vistes
Xos meus olhos tristes,
Essas não levastes;
Que riscos achastes
Em sua brandura?
Trocando a ventura
Pela deste mar
Que são outras águas
Para recear.
Aguas de cristal,
Vento leve e brando
Que a meu bem levando
Correis por meu mal,
Se Amor não me val
A vós ofereço
Tudo o que padeço
Em me ver deixar:
Pois mos levais, águas,
Fazei-mos tornar!
VIDA
Formoso Tejo meu, quão diferente
te vejo e vi, me vás agora e viste:
turvo te vejo a ti, tu a mim triste,
claro te vi eu já, tua mim contente.
A ti foi-te trocando a grossa enchente
a quem teu largo campo não resiste;
a mim trocou-me a vista em que consiste
o meu viver contente ou descontente.
Já que somos no mal participantes,
sejamo-lo no bem. Oh! quem me dera
que fôramos em tudo semelhantes!
Mas lá virá a fresca primavera,
tu tornarás a ser quem era antes,
eu não sei se serei quem de antes era.
Página publicada em outubro de 2015; AMPLIADA em junho de 2020
|