FERNANDO GUERREIRO
(1938-2013)
WHITE PHOTO, WTH CROWS
(mixed media, Ruy Belo com Jim Dine)
Os sentimentos, refugiando-
-se nas palavras, mostram-
-se incapazes de ligar as pontes
por que comunicam
entre si os resíduos dos sentidos.
Se escreve, tudo se precipita,
adquirindo contornos a que
as sombras se agarram,
sustidas por asas que
se formam nas paredes
do lugar em que se tinha
recolhido. Permanecera ali
demasiado tempo e agora
o ar atropela-se, avançando
por camadas que o atingem
com garras de que pendem
bocados de carne oferecidos
pelos poetas às visitas
do abrigo. Mal articula
uma palavra, uma golfada
de sangue agride-o na boca,
infectando-lhe um veneno
que altera por completo
o funcionamento do organismo.
De tanto o fitar, os olhos
descarnam-se no espaço
servindo o crâneo de pano
de fundo onde corre o vídeo
a cores e distorcido (alguém o viu?)
da sua passagem pela literatura.
As imagens (corvos de água
e de vento / olhos côncavos
e fitos / nas coisas que importam
verdadeiramente) tirara-as
do osso servindo-se do metal
do discurso: se descolassem,
mantinha-as em banho frigorífico
até que à sua frente a paisagem
se reconstituísse a 3D,
com um novo volume.
Seria branca, apenas habitada
por aves cujas memórias
vêm directamente
da travessia do precipício.
Mas seriam suficientes
para o guiar por caminhos
que às próprias aves,
tolhidas pelo voo no poema,
parecem não estar garantidos?
Página publicada em junho de 2015
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