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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FERNANDO GRADE

 

Nasceu no Estoril, a 1 de Abril de 1943. Como poeta, é autor de 30 títulos individuais, entre os quais se destacam "O Vinho dos Mortos" (em 5.ª ed.), "Saudades de ser Índio" e "25 Anos de Poesia Antologia 1962-1987".

 

É artista plástico - pintor, desenhador, colagista e escultor -, expõe desde 1965 e realizou 16 mostras individuais em galerias de reconhecido prestígio. Como Pintor, é o criador das séries "Teoria das Multidões", "Colagens Perversas/Esculturas de Papel" e "Silhuetas Latinas". Integrou cerca de 382 exposições colectivas, tendo sido seleccionado para importantes certames de arte moderna.

 

Foi crítico de arte e cronista em periódicos de grande nomeada. É ficcionista, jornalista, recitador, actor de acção e dinamizador cultural.

 

Foi director da Sociedade Nacional de Belas Artes, membro do seu Conselho Técnico e Director-fundador da Associação Portuguesa de Críticos.

É Presidente do Conselho Directivo do MIC (Movimento de Intervenção Cultural) desde o início - 1976-77.  

Foi director da Associação Portuguesa de Escritores.

 

Fonte: ww.joaquimevonio.com

 

 

CAPRICORNIUS

 

Vieste das praias do Norte

para deitar fogo à minha cama.

Chegaste sem gestos,

sem a lenda de todas a mais bizantina,

sem arcos de triunfo,

mas também sem tristezas.

Vi nos teus olhos o amor dos anormais

pelo incêndio,

pelas ambulâncias que retalham o nevoeiro

e talvez a carne do medo.

Depois fugiste do meu quarto em vulcão

gritando que Creta nem valia um homem

e que deixarias colados nas paredes com bolor

os treze pássaros mortos

de que falam as escrituras.

 

Por essa tatuagem cheiras a sangue cru,

nem mesmo no centro da cidade

a raiva vai ter bolos e cigarros.

 

(In antologia “800 ANOS DE POESIA PORTUGUESA” Círculo de Leitores, Lisboa, 1973)

 

 

MUITO LONGA MEMÓRIA

PARA O POETA RUY BELO

 

 "Nenhum cristão deve ser mercador" 

(S. Jerónimo e Santo Agostinho)

 

 

Posso estar deitado ao comprido nesta cama

as unhas grossas, enormes, os dedos em concha

apontando os móveis da casa, e ter a janela aberta

de par em par escancarada para o bulício dos carros

para os beijos trocados na rua rente ao candeeiro

para as mulheres vestidas de preto negríssimo

que passam com carregos à cabeça;

poderei ter as horas todas para pensar, fumá-las, e

saúde muita, o cheiro quase infantil das godécias

os retratos de oblíquas viagens pela praia fora,

mas nenhum silêncio flor ou ave doida fará esquecer         a tua morte longínqua

nos antípodas (não foi em Queluz?),

e regressas assim a estas paredes de musgo bom

donde os teus versos nunca saíram, o riso que

deixavas na água, os teus versos, o alto poema:

gaivota viajada por dentro de casa

e tão dada ao sossego, tão de cereja a boca que soltaste

sobre os rios, o mar saloio. E pó de pedra e ranço

nunca serás.

Chegas morto, porém, fuzilado na alma às páginas das gazetas

que pouco sabiam da tua pessoa ou sentiam. Tampouco foste do negócio

dos vates, brocados, chiadices, morreste quase anónimo

mas defendido é certo pelos quarenta primos que são     
  os poetas daqui.

Quem apenas viveu a tua morte letra impressa

em jornais repletos de políticos e pandeiretas

deve ter encolhido os ombros e pensado

que - se tanto sobre ti diziam hoje - é porque dos mortos ninguém diz mal

e a morte é uma mercadoria romântica.

Mas contigo foram outros e floridos os lenços de acenar.

Estamos todos mais pobres e

varados por balas de terra nua junto ao coração.

Quem pegará na flauta ao chão descida?,

quem tocará agora nas margens do grande rio Eufrates?

 

 

Como cigarra devastada pelas tranças

estás ainda virado para o pinhal - e cantas.

Quotidiana e de aldeias brancas a morte em que crias

católico assim também eu fora, antes do sonho noutro barco

embarcado, diverso trapézio ecuménico.

Aqui tenho as tuas falas feitas de brisa e cal

no meio de outros mortos-vivos como tu

as praias explodem a Oeste.

E de novo regressas aos jornais a barba eternamente por fazer

e o espanto viajará em muitos olhos

por antes disso não te saberem o nome: de corridas a pé ou

a cavalo, bicicletas ou bólides, não te reconhecem o rosto

como trepador dos Pirenéus, fadista de beco ou toureiro janota.

E por bastos anos serás sinaleiro da água

da ternura

homem ao centro descendo ao centro da terra

por muitos sítios. Talvez tenhas agora a alma desportiva

que sempre quiseste ter, oh adepto do grande campeão

José Maria Nicolau.

 

Renovados estão os poderes que possuías sobre o fogo     e à sombra da tua memória vão ser encenados outros crimes e desastres outras pombas desastradas outros dias de silêncio mas jamais esqueceremos o vaso de gerânios que deixaste.

 

 Morreste? Ainda e sempre, hoje, pelo sítio do púbis.    Eternamente estarás quedo e mudo a ver passar o rio      
  o grande rio Eufrates que corre igualmente à minha  porta.

 

 E é por isso que a morte não são botas inchadas de sebo  e moscas ruins ou somente fardos de feno.

 

 

Se o Cesário Verde ainda fosse vivo, isto é

se fosse nosso agora - iria também ao teu enterro.

                          

 

                                -//-

 

 

Estoril - 10 de Agosto de 1978

 

Página publicada em abril de 2014


 

 

 
 
 
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