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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FELIPE MARINHEIRO


 

Luis Filipe Marinheiro nasceu em Coimbra, 30 de Julho de 1982.

É natural e reside em Aveiro.

 

 

POEMA SEM TÍTULO 1

 

Devorei pulsos em chamas.

Amplamente o rosto envolto por coágulos de sangue luzidio

a trespassarem as veias estanques como a enrolar

as cores existentes

por dentro.

Certo é percorrerem

todo esse ar

que engole o corpo celeste mergulhado

na textura do nosso corpo temporal.

Fico com as mãos

cheias de ossos trancados.

Levanto

a cauda de um espelho

e alongo as vísceras astronómicas,

com bastante força química,

a dilatar numa circulação sanguínea

até a leveza

da garganta se alagar

na sombra líquida

das artérias

contra o alto esquecimento das coisas profundas,

contra os tendões severos a racharem a boca desvairada.

Relembro quando adormecia

sobre todas as

coisas vivas ou mortas

por fora.

Submetia os lábios

a girarem a voz louca

ao lume pedestre

e ardia pelo estremecimento terrível

dos nervos cabeça adentro,

donde múltiplas

estrelas demoníacas

a baterem-se em mim longamente

param, a pouco e pouco, a potência que nunca me sorriu

e vago ou inocente deixo de caber

nos sítios superficiais

à minha volta.

Releio todas as cumplicidades translúcidas

a moverem toda a pele num feixe de pérolas

das salgadas mãos,

aos braços a escorrerem aquele alimento

metidos nas águas sentadas

no túmulo dessas estrelas tubulares.

A destreza deste poema extingue-se quando as unhas

tocarem na carne abaixo, rompendo,

com sinceridade,

a desvastação simbólica

da escrita furibunda

ou silêncio furibundo

a pesar com delicada melancolia.

Ouço o rasgão

do corpo a sangrar

com os tecidos dos versos

a palpitarem porque se nomeiam

e se escrevem dentro

da pulsação ininteligível.

Por cima,

devoro os pulsos em chamas.

 

 

 

POEMA SEM TÍTULO 2

 

Cantam as túlipas.

E busco um cristalino mar

dum azul intensamente sensível.

 

Agora há-de sobressaltar-se gemendo

na sua farpada dobra

que me torce as unhas até esmagar

a água em volta do corpo,

por fora e dentro arbitrário,

ao entrar e sair salva,

como a luz florescente

duma janela longínqua debaixo

deste lento mar penetrante.

E faz idênticas espumas polirem meu suspiro

enquanto suavemente me afundo,

sem ser-me ninguém,

num mar de túlipas lavrado que se volta

para as palmas de minhas mãos esplêndidas

e me esvai toda a ferida

e peso rubros.

 

Bato embaciando-me

contra o sangue espesso das pedras

a baterem no espaço vazio

das pedras batidas

pela eternidade viva.

Batem-se as túlipas

no estremecimento das pétalas

contra o calor

sob o vento elástico.

 

Concentrassem

as gotas das coisas,

das terras despidas, de órbitas em órbitas,

mover-se-nos-iam

para a desastrosa profundidade volumosa

a inundar o que verdadeiramente

nenhuma pessoa possui.

 

Amamos o corte da neblina

encostando o vidro à cara

num clarão louco.

Sentimo-lo silencioso

para ilustrar a destruição

enquanto deixamos passar o horizonte

lá longe a planar.

 

As entranhas mirradas

a migrarem na concavidade nua

são hoje as sorridentes túlipas

a embalarem-me o fresquíssimo alvoroço,

donde rítmico,

regressei de dedos dados

ao frescor como desponto.

 

Quem visse

aquele pendurado cometa mole

a incendiar-se em jacto escorregadio

na copa das túlipas,

seria uma qualquer rota

pousada

no seu caule rodopiante

a colar-se à pele.

 

Tocas-lhe

e queimas-te intensamente

como queimaram um dia as tulipas

no momento em que se desprenderam.

 

Enumero o lume por baixo

e fecho-o pequeno.

 

Adormeço pela geada acima

escrevendo

o mar às tulipas surpresas.

 

Canta todo o alegre mar cristalino.

Cantam as cores que vêm do fundo limpo

de todas essas tulipas.

Cantam túlipas em mim.

 

 

POEMA SEM TÍTULO 3

 

Danças.

E as palavras do corpo

movimentam-se

na extensão doutro corpo

suspenso pela música

junto aos corações a crescerem-se

indefinidos e lentos.

A luz a retocar

a força por fora

dos olhos cúmplices.

Os corpos

a estremecerem-se

um no outro adentro

porque têm muito

que falar subtilmente

entre apaixonado toque

e tremores puro

dos dedos sem ver

todos os passos às voltas

das palavras à superfície funda

terão sempre o que dizer.

O compasso das mãos

a fluírem dentro

das pernas musicais.

Tanto para dar

tanto para receber

infinitamente

num acaso ordenado.

Danças

com a profundeza

dos braços

em espaço desenhado

ante a desordem aérea

e nos mútuos braços

se imobiliza

a perfeição

do tempo a ecoar

nos peitos entre

a cantiga dos pés

e os outros pés

a florirem

das danças exprimíveis

como para respirar

a alegria química

da energia num vácuo oculto.

Esvoaça toda a arquitectura

pelo silêncio na cintura

mesmo flexível

e as energias soltam-se

entrelaçadas

com os rostos

desprendidos contra

si próprios.

Então ninguém se fala

mas os corpos poderosos

sobre cada

palavra actuam

e as bocas inundam

todos esses corações.

Danças.

 

 

POEMA SEM TÍTULO 4

 

Livram-se de súbito

árvores dormidas

no barlavento

de mágoas íngremes

frente aos cotovelos

que te desprendem

ao sorriso

desses rios passageiros.

 

Mais à noitinha

a sua curva de ervas doiradas

desvairam-se longamente

cheias de cheiros graves e furtivos.

 

Ganham voo esquecido

mesmo que emparelhados

atrás do cesto de frutas a escorregar

contra a espiga do peito férreo

apodrecidas.

 

Ervas roucas urgentes

de um verde prata inimaginável.

 

Cheias de ervas

a sede.

 

Sede gémea

às luzes arrastadas

pela pele curável da tua sombra,

só tua até doer.

 

Húmida essa ferida noite

sem permanecer sobre nada

e soltas uma sílaba de paixão

falando-te puro

aos ricos pastos dentro

do raso silêncio.

 

Vai doer-me ver-te

porque sou assim

virado para ti

ó natureza comovente...

 

E quando pouso toda a alma

no que é teu e meu

ouvimos essa brisa melancólica

só nossa só nossa.

 

Escuto a aflição da dor anoitecida.

Alegre dor da noite navegada

em redor do lume da foice

perdemo-nos

nas ondas feitas de vento

a entrar e sair soletrado.

 

Ingenuamente as colinas limpas

sem orientação

e preconceito invisíveis

no amor de ti encostado contra

as faces

virado de costas.

 

Deves tudo isso

aos nossos lábios úteis.

Corremos novos na roupa

das estepes paradas

por cima do estremecimento da palavra

doutras searas então vigilantes.

Fossem ignorantes

nossas também.

 

Nunca poderão partir

os lamentos dessa pouca

exaltação.

 

Mas relembro-te

para fechares

extenso alguns cristais abandonados

das tuas veias galácticas

e a tremer como uma sonâmbula

alvorada nua.

 

Sais pela raiz da lua fora

porque a sua amável cara de criança

vem-te beber da terra flutuante

num encontro interdito

a essas belíssimas

mãos tão fielmente

compostas.

 

 

POEMA SEM TÍTULO 5

 

Na palma de minha mão

cabem os esguichos daquele emaranhado mar

ofegante

 

esfiam-se cachos de búzios nas bordas

tacteando uma pandemia de linhos a puxarem-se

temperamentalmente

do bico pontiagudo das aves a moer

o céu pálido da boca

amedrontava num arrepio arenoso

 

embora fosse embarcar nas ocas águas

sem os antepassados existirem

decidi riscar

o fundo que não estava destinado

à visita de grandes visões

 

e apaguei os declinados olhos migrantes

até esgaçar o ódio que restava

no punho carregado de sal aberto

 

é notável defesa redescobrir o exílio lânguido

quando se move

uma traça míope antes da sua nascença fétida

donde vejo

redentor sorriso a caber-me

 

 

POEMA SEM TÍTULO 6

 

A minha cabeça pensa em todas as cabeças é sombriamente

todas as outras cabeças, entranham-se, entram umas nas

outras, na minha! – inquieto-me, estremeço, esmago-me,

imortalizo-me tornando vidente tudo o que mexe...

 

 

Página publicada em janeiro de 2014

 

 


 

 

 
 
 
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