FAUSTO JOSÉ DOS SANTOS JUNIOR
Fausto José dos Santos Júnior nasceu em Aldeia de Cima, à época pertencente à freguesia e concelho de Armamar (desde 1947 pertence à freguesia de Aldeias, criada nesse ano), em 18 de Março de 1903 (data oficial; a real é 13 de Março).
Estudante em Coimbra, cedo integrou um círculo de jovens interessados pelas letras, que incluía José Régio, Miguel Torga, Alberto de Serpa, Branquinho da Fonseca e outros – justamente a geração que acabaria por fundar a revista Presença, o órgão da chamada segunda geração modernista.
Da sua bibliografia constam dez títulos de poesia: Fonte branca (1928); Planalto (1930); Remoinho (1933); Síntese (1934); Solstício (1940); Embalo (1942); Dona Donzela Senhorinha (1946); É el-rei que vai à caça (1951); Voz nua (1957); e O livro dos mendigos (1966). Hoje muito difíceis de encontrar, estes dez livros foram reunidos pela Câmara Municipal de Armamar em dois volumes, publicados em 1999, sob o título genérico de Obra do poeta Fausto José, e prefaciados por Agustina Bessa-Luís.
Fonte: http://www.regio.pt/2014/12/poetas-da-presenca-i-fausto-jose.html
MONTEIRO, Adolfo Casais. A Poesia da “Presença” Estudo e antologia. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, Serviço de Documentação, 1959. 364 p. (Coleção “Letras e Artes”) 18x25 cm Impresso pelo Departamento de Imprensa Nacional. Ex. bibl. Antonio Miranda
SONETO
Nas mornas solidões, lá nas florestas virgens,
Onde sonham ao luar extáticos pauis,
As nuvens sensuais têm súbitas vertigens:
Chuvas torrenciais, relâmpagos azuis!
Langorosas d'amor vêm as noites macias,
Com seu vago torpor de aroma e claridade,
E as estrêlas, no céu, mais brilhantes e frias
Ostentam a nudez da sua virgindade!
Assim no coração imenso dos poetas,
Após as vivas dores, as torturas secretas,
Que no silêncio audaz criou seu pensamento,
Como que a vida ganha um sentido maior,
A mais longe se espraia a onda do amor,
Mais penetrante e doce é a luz do sentimento!
SUGESTÃO DUMA MANHÃ DE MAIO
. . . E tôda a noite sonhaste. . .
E vagamente acordaste:
Os lábios finos se abriram
Num tremor;
Os olhos tristes sorriram;
... A alma tôda envolvida
Na carícia dolorida
Duma saudade de amor.
Como uma canção perdida,
A manhã vinha da serra
Numa esperança de vida!
À tua volta, pairavam
Asas frementes de luz;
Tua fronte irradiava
Uma tão doce candura,
Que na mente me passava
A figura de Jesus!
Eras branca, fria, nua
Como a lua
Num manto de seda azul!
Passavam brisas do sul.
E depois, veio o delírio.
Fêz-se rôxa
Como um lírio,
Tua bôca:
Tôda a seiva do teu sangue
Ardente, vermelho e forte,
Subia do corpo exangue,
Na hora da tua morte,
À tua fronte serena,
Tua fronte de açucena!
Começaste a agonizar.
Aves cantavam suaves
Poisadas nos teus cabelos.
E de tristeza, morriam,
Pelo céu, os astros belos.
E pura como nasceste,
Deixaram-te abandonada,
Perto do céu, lá na serra,
Onde nasce a madrugada! . . .
Tôda coberta de rosas,
Envolta num manto de oiro.
E do teu corpo, tesoiro
De sonho, beleza e dor,
Nascia,
Cheio de luz e harmonia,
O sol vibrante e doirado
— Como se fôsse uma flor!
Coimbra, maio de 1926
CEGOS
Três cegos, três foragidos
Da vida, que os ameaça,
Vêm na tarde mansa e lenta,
Que a nós saudosa se enlaça,
Em doce voz que atormenta
Pedindo esmola a quem passa.
Cantando, ali se detêm,
Nesse decoro banal
Da estreita rua amarela:
Jaz um velho num portal,
Olha um bébé da janela. . .
Ri a seus pés a ironia,
Da luz branca, da luz fria
Da tarde, sem piedade. . .
E aquela voz triste e nua.
Vaga, fluída, mole escorre. . .
Vai em penas pela rua,
Na minha alma se insinua
Quase desfeita, e ali morre
Em penumbras de humildade
Paira a solidão imensa,
Emana das suas vidas:
Das atitudes suspensas,
Daquelas frontes vencidas!. . .
Mais fere o meu coração
O generoso perdão
Das bôcas amarguradas,
Que em voz doce e magoada
Inda insistem em nos dar
A esmola duma canção!. . .
Calou-se a voz triste e nua;
Na rua,
Levam três cegos seu rumo,
Como as nuvens, como tudo
Que a um poder oculto obedece. . .
Triste minha alma desperta,
Aparece no silêncio
Da voz mortal e profana,
Na tarde que se dissolve
Em noite,
A noite que nos irmana.
Lá longe vejo-os partindo:
Três cegos? — O que serão?!. . .
Já tudo em volta se apaga. . .
Outro mundo se ilumina
De luz mais pura e divina,
Não da luz dos olhos meus,
Onde minh'alma me leva,
Onde a minha alma divaga
Só com a morte e com Deus!
Página publicada em agosto de 2017
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