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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

EDMUNDO DE BETTENCOURT

 

Edmundo Bettencourt (Funchal, 1889 — Lisboa, 1973) foi um cantor e poeta Português notavelmente conhecido por interpretar a Canção de Coimbra e pelo seu papel determinante na introdução de temas populares neste género musical. Notabilizou-se pela composição musical "Saudades de Coimbra" a qual é ainda hoje uma referência da música portuguesa universitária.

(...) Integrou o grupo fundador de Presença, cujo título sugerira, e em cujas edições publica O Momento e a Legenda. Dissocia-se do grupo presencista em 1930, subscrevendo com Miguel Torga e Branquinho da Fonseca uma carta de dissensão, onde é acusado o risco em que a revista incorria de enquadrar o "artista em fórmulas rígidas", esquecendo o princípio de "ampla liberdade de criação" defendido nos primeiros tempos" (cf. "O Modernismo em Portugal", entrevista de João de Brito Câmara a Edmundo de Bettencourt, reproduzida in A Phala, n.° 70, maio de 1999, p. 114). A redação de Poemas Surdos, entre 1934 e 40, alguns dos quais publicados na revista lisboeta Momento, permite antedatar o surto do surrealismo em Portugal, enquanto adesão a um "sistema de pensamento, no que ele tem de fuga à chamada realidade, repúdio dos valores duma civilização e esperança de ação num domínio onde por tradição ela é quase sempre negada" (id. ib., p. 115), embora não seja possível esclarecer com especificidade qual foi o conhecimento que Bettencourt teve da lição surrealista francesa. Fonte: wikipedia.  

 

MONTEIRO, Adolfo CasaisA Poesia da “Presença” Estudo e antologia. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, Serviço de Documentação, 1959.  364 p. (Coleção
“Letras e Artes”)  18x25 cm Impresso pelo  Departamento de Imprensa Nacional.  Ex. bibl. Antonio Miranda

A seguir, alguns poemas de Edmundo de Bettencourt constantes desta edição: 

 

COMIGO

O cómico avançou num rodopio
galvanizando o ar. . . Depois cantou,
com graça, entre piruetas, recitou,
e nem um riso único surgiu!

De mágoa eu tinha lágrimas em fio,
quando esta ausência estranha despertou
o espetador que eu era, e me apontou
o coliseu sem público. . . vazio. . .

— Oh solidão macabra da platéia!
bem cedo abriu a tua sombra fria
no meu olhar altas paisagens de ouro:

— Fumos de luz onde voei perdido
o ano dum minuto agradecido,
para ver-te no fim rir do meu chôro. . .

 

Coimbra, Janeiro dêste ano 1927

 

VERDE

 

                   A Abel Almada

 

 

O verde tenro e vivo de folhagem,
presépio dos meus sonhos em menino,
pôs-se de luto a par com o meu destino,
Cego-me a vê-lo imagem de miragem. . .

 

Quando iludido o busco na ramagem,
já com seus tons mais brandos não atino,
e nesta escuridão só me ilumino
vendo-o compor-me interior paisagem:

 

— Paisagem doutro verde que de mim
sai alongada em foco para a terra
a procurar vencer-lhe a cerração,

 

E aonde num crepúsculo sem fim,
tonta, a Esperança esvoaçando, erra
sobre torres de encanto e de traição!

 

 

CÍRCULO

 

Viver devagar, correr
atrás de impreciso norte,
será melhor?. . . vive mais
quem mais tem mêdo da morte.

 

Em certo velho combate
entrei sem brilhos de espada:
com mêdo heróico da vida
não fui herói não fui nada. . .

 

Propus a um herói ferido,
junto de mim na agonia,
que me dando a sua morte
minha vida lhe daria.

 

Porém a sua resposta
— oh heróico instinto da ação!
foi, temendo ainda a morte,
tentar ferir-me à traição!

 

Antes da morte cumprir
o seu gesto foi cortado:
não sei o que havia em mim
ao seu olhar admirado.

 

Vi-o morto olhando sempre. . .

Sob o luar que nasceu

seus olhos eram espelho

de uma luz estranha ao Céu!

 

Ah era luz minha, aquela,
há tanto tempo escondida
no encanto da rapidez
— vagar da morte na vida:

 

Um vôo esfumando asas,
um grito medindo altura,
e uma côr animada
por lampejos de escultura;

 

Lábios dum beijo ficando
para a primeira oração;
luz de canção no mar alto
correndo na cerração.

 

Rendas de torres esguias
de onde o olhar é uma estrêla
que nunca descobre Deus,
mesmo longe, e fora de ela;

E ainda o mais que é na vida
o que é na noite uma festa
e é dormir em pleno dia
com vida que a morte empresta.

 

Luz feita, pirotecnia,
e balões venezianos,
fazem que o Sol não demore
o tempo de anos e anos. . .

 

Herói que sempre dormiste
à noite, fazendo dia!
nunca te vi nem me viste
senão na tua agonia.

 

Tu morrendo e eu vivendo,
quase atingimos limites.
A luz que em ti vi foi antes
tua em mim — ficamos quites.

 

Luz que se abriu em paisagens
contrárias, mas dum recorte:
que a ti fêz mêdo da vida
e a mim fêz mêdo da morte.

 

 

NEBULOSA

 

Certo passado audaz, revivo
apenas, sob um céu menos escuro:
se eu vivo para o futuro
quer dizer que já o vivo.

 

Futuro!

Quando te posso ver, por ti plena aurora,

condena-te a presença,

és este agora

que eu possuo

como a abelha suga a rosa;

e sem que o resto me importe. . .

 

Mas antes ou depois ver-te ou pensar-te

é ver uma nebulosa. . .

— é como pensar na morte. . .

 

 

Página publicada em agosto de 2017


 

 

 
 
 
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