AUGUSTO DOS SANTOS ABRANCHES
( 1914?-1963)
foi poeta, ficcionista, dramaturgo, ensaísta, crítico, jornalista, artista plástico, livreiro, editor, e sempre, animador ou agitador cultural - não só em Portugal, mas também em Moçambique e no Brasil.
Mãe! Atiraram-me para aqui, sem eu o querer
ou sequer o saber...
Meteram-me uma espingarda na mão,
à frente fizeram soar tambores,
e um homem com fitas de oiro nos braços gritou: —
Marche!
Mãe: depois
andei por tantos lados que Já os não sei,
até ter caído aqui.
E quando cheguei,
não havia estrelas nem velhas luas no céu...
Mas em paga troavam canhões de todos os lados,
e logo que me indicaram para casa este buraco
em que estou
(Mãe:
em frente há um estendal de arame farpado,
daquele com que o brasileiro pôs cerco ao quintal...)
tive que o defender da vida e da morte.
E por isso tenho o corpo coberto de sangue,
e minhas mãos gritam,
E meus olhos gritam;
- MATEI!
*
Onde porei meus olhos pata que não veja as desgraças
do mundo,
se em qualquer recanto tremulam bandeiras de guerra
de todos os lados batidas
pelo vento?
Onde porei as mãos para que não sinta as dores do mundo,
se em todas as pedras rebentam bombas de guerra
como chuva caída de inferno,
e em parte alguma há ninho que nos esconda?
Onde porei meus ouvidos para que não ouça os choros
do mundo,
se em todas as alturas rumorejam asas de guerra
e a terra por completo se reveste
de grito e maldição?
Onde porei meus pés para que não vibre nos temores
do mundo,
se o sangue tingiu todos os mares com sua guerra,
e o meu rosto de paz se revolta e nega
a erguer-se para o céu?
"Poemas de hoje"
Página publicada em setembro de 2015
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