ARMANDO VENTURA FERREIRA
nasceu em Olhão em 1920 e apenas com um ano de idade foi para Santiago de Cacém. É autodidacta. Vive em Lisboa desde 1913. Publicou poemas em jornais e revistas como «Sol Nascente», «Pensamento», «Mundo Literário», «Diário Ilustrado», «Antologia de Contos e Poemas», «Cadernos de Poesia», etc. Fez crítica literária em «Seara Nova», durante vários anos, assim como em «Mundo Literário», «Árvore», etc. Publicou o seu primeiro artigo de ensaio literário no jornal «O Diabo». Publicou o livro de contos «Nocturno», editado pela Sociedade de Expansão Cultural em 1956. Pronto para publicação, tem o livro de novelas «História sem Retrato». Prepara o romance «A Primeira Pessoa» e o livro de poemas «A Astronave». Prepara ainda uma antologia, precedida de ensaio crítico, do conto neorealismo português.
Poemas extraídos de:
MÁKUA ANTOLOGIA POÉTICA 2. Sá da Bandeira, Angola: Publicações Imbodeiro, 1963. 61 p. Direção de Garibaldino de Andrade e Leonel Cosme. Ex. bibl. Antonio Miranda
QUATRO POEMAS
DE
«A ASTRONAVE»
II
Não mais palavras,
di-las no espaço
para as estrelas.
Tua loucura é doce
mas não quero ouvi-las.
Quando estiveres
no planeta que te convém,
não fales,
escuta a minha voz
filtrada
pela rádio da astronave.
Então,
estarei muito longe,
não haverá tempo material
para me encontrares.
Direi o meu adeus
só para ti.
Não mais palavras,
di-las na noite
para os espaços.
Estaremos longe,
separados
por milhões de quilómetros-luz.
Adeus.
Vogo entre planetas desconhecidos
não tenho tempo para te encontrar.
Ouçamo-nos só pela rádio
desesperados,
tristes.
III
Tenho saudades da Terra
mas não voltarei mais.
Tinha vontade de te apertar nos braços
mas não voltarei mais.
Agora, sigo
pelos espaços,
lembro-me dos banhos de mar e do sol na praia, mas se voltasse,
chegaria velho de mais para isso, e para ti,
a quem a morte talvez já te toque nesta hora.
Tenho saudades de tudo,
da natureza e da saúde
mas também dos vícios,
das coisas incríveis que se fazem na Terra,
sinto a maré do Atlântico encher-me,
enquanto espreito Urano
já distante no pó das horas.
As horas que passam breves,
aqui.
Recordo
uma flor que me ofereceste
e quase choro.
Mas para quê a angústia
ante o anseio maravilhoso de atingir
o planeta n.° 2, da Galáxia 4?
Que importa isso?
Monólogo,
enquanto Urano já está distante,
monologo e vejo-te
num dia de raiva
herméticos os olhos
e transparentes as mãos.
Monologo.
Estou sempre a recordar-me de ti
mas do que me lembra mais
é das flores
e da água da fonte
onde se bebia com as mãos em concha.
IV
Vim à descoberta
mas não encontro Deus.
O espaço é infinito
pois que finito
onde não se sabe.
Só encontro astros
e entre eles, ninguém.
Tu na minha memória
e um raio de sol.
Sempre que se parte à descoberta
é para ter espaço,
mas que mais espaço?
Espaço geométrico
ou espaço da alma?
E tu, sempre,
na minha memória.
V
Ficaram na terra a chamar-me herói
mas eu sigo pelo espaço, angustiado,
procuro um refúgio onde não o há,
pois onde for dar, serei sempre eu.
Coroas de louros me cantam nos jornais,
rei do espaço me chamam,
ah, mas quem me dera o tanque onde me banhava,
quem me dera agarrar os seios da moça,
quem me dera a praia onde, nu,
me torrava ao sol o dia inteiro!
Sim, quem me dera o sol e o corpo negro
no fim do verão!
Mas cá vou indo,
desmentindo os mitos do céu finito,
para quê, sei lá bem,
mas vou e os planetas passam
por mim, enquanto os sóis da memória me abrazam.
Estou agora muito quieto
à espera do choque,
sei que vencerei e que direi à Terra
onde está o ponto transitório
com que sonha.
Mas entretanto,
ah, entretanto,
sinto falta dum corpo
ao lado do meu,
sinto falta de laranjas e de sol,
sinto falta de flores
de cravos e de rosas,
sinto falta do meu espasmo violento
derramando o meu ser dentro do teu.
Mas não me lamento, cá vou, é preciso ir,
é preciso conquistar mais céu e mais espaço e entrar, tremendo de medo, em planetas ávidos.
Ah, mas a saudade de um pouco de água,
uma água de fonte fresca,
a saudade dum amor ardente
que me detenha, um pouco, longinquamente,
na subida gloriosa e amarga
do infinito.
Página publicada em setembro de 2017 |