ARMANDO SILVA CARVALHO
Poeta, ficcionista e tradutor. Licenciado em Direito, pela Universidade de Lisboa, depois de uma passagem fortuita por Filosofia, Armando Silva Carvalho exerceu advocacia durante um curto período. Depois foi jornalista, professor do ensino secundário e técnico de publicidade. Hoje dedica-se quase em exclusivo à tradução e à consultadoria de publicidade. Oriundo do grupo que fez a Antologia de Poesia Universitária (1959?), ao lado de Ruy Belo, Fiama, Luiza Neto Jorge, Gastão Cruz e outros, estreou-se com Lírica Consumível (1965), que em 1962 havia recebido o Prémio Revelação da Sociedade Portuguesa de Escritores. Pode-se dizer que esse livro foi o começo de uma obra poética "construída com grande rigor de expressão e uma secura de ritmos e prosódia que manifesta na técnica de composição o essencial do seu significado" (Maria Alzira Seixo).
A mordacidade, o sarcasmo e a figuração das pulsões sexuais, são timbre de uma escrita - poética e ficcional - frequentemente apostada na denúncia dos vários interditos e das hipocrisias sociais e políticas. Na ficção, por exemplo em Portuguex (1977), a subversão verifica-se "a todos os níveis da mitologia cultural lusíada e na tentativa de reformulação em termos simbólicos, os únicos próprios da escrita romanesca, de uma imagem interna da aventura nacional" (Eduardo Lourenço). Personalidade discreta da vida literária portuguesa, é autor de uma obra de grande coerência formal, centrada no radicalismo de algumas opções bem caracterizadas. A partir do início dos anos sessenta colaborou nas mais variadas publicações: Diário de Lisboa, JL, O Diário, Poemas Livres, Colóquio-Letras, Hífen, As Escadas Não Têm Degraus, Sílex, Nova, Limiar, Via Latina, Loreto 13, entre outras.
Desde que António Ramos Rosa o incluiu na 4ª série das Líricas Portuguesas (1969), chamando a atenção para o facto de a sua poesia ser "essencialmente antilírica e refractária a todas as formas de expressão subjectiva", Armando Silva Carvalho tem estado representado na generalidade das antologias de poesia portuguesa. Entre as suas traduções mais relevantes, devem citar-se obras de Beckett, Duras, Cesaire, Voznesensky, Genet, E. E. Cummings, Aleixandre e Mallarmé. Até Alexandre Bissexto (1983) assinou Armando da Silva Carvalho.
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. VI, Lisboa, 1999
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EM ESPAÑOL
A chave inglesa
Era um corpo inteiramente
português.
Transido de ternura
o óleo das suas mãos
protegia-me
o coração.
Não sei que mecanismo
despertava em si
quando chorava,
fazia crescer a relva,
meus dentes indecisos
como crias
corriam e devoravam.
Escreveu-me duas cartas
em cima de um tractor
e nelas descrevia
em frases simples
o modo tortuoso
que me fez traidor.
Alguém lendo versos de Jorge de Sena
Era um poema feito.
Mas tu tecias
novas linhas
com a palavra
aranha sedutora
visando paciente
a mosca
do ouvido.
Era um poema célere.
Molhado pela água
turva
das lembranças.
Mas com ele regavas
as raízes vivas
que te cresciam
na boca.
Figura frágil
onde o poema subia
para os ombros
a medo
como uma criança.
A tua língua
clara
de pedreiro cansado
unia
lentamente
os versos que todos habitamos.
Cinzas de Sísifo
Eu vi o sobressalto.
Nesse bosque de lâminas e luvas
tocaste cada coisa como
um grito.
E amaste a minha boca
como quem corta
os pulsos ao silêncio.
Se o vento te derrama
entre folhas e cinza
é sempre a mesma voz que não perdoa
a mesma lei
o mesmo labirinto.
Entre dentes
Deitado sobre ti
ensinas-me a sair
da treva.
Com a boca dorida
por tanta palavra
ensangüentada
devoro o teu cabelo
ouro que se desfaz
por entre os dentes.
E o teu sorriso
quando te penetro
ilumina súbito
a noite do meu corpo
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De
Armando Silva da Carvalho
Armas brancas e outros poemas
Org. e prólogo de Floriano Martins.
São Paulo: Escrituras, 2006. 158 p. (Coleção Ponte Velha)
ISBN 798-85-7531-229-4
escrituraa@escrituras.com.br www.escrituras.com.br
O soneto
Fogem como crianças nessa idade
em que as pesadas cãs não atraiçoam
a ver os rios que nascem na cidade
e as pombas e metal que a sobrevoam.
Nas curvas do caminho onde uma nora
fornece o combustível dos patrões
e a sua paciência se demora
a cultivar galinhas e melões
deixam cair os sacos de riscado
onde o pão seca e a fruta apodreceu
e deitam fora o pau que toca o gado.
Colam a cara aos vidros de um museu
que corre para trás desamparado
e catam uma saudade que nasceu.
Outro
Vão desatando as cordas que os enleiam
apelam para a escrita dos padrinhos
que por acaso encontram se passeiam
aos domingos à noite pêlos caminhos.
A pouco e pouco vão ficando ausentes
gravidam as mulheres desaparecem
no emprego dão parte de doentes
não vêm à janela e adormecem.
Se choram é já no sono e acreditam
na certidão das cartas dos amigos
e quando estão na cama já emigram.
Masturbam-se com a mulher ao lado
entre lençóis e fêmeas esquisitas
e acordam num comboio superlotado.
TEXTOS EM ESPAÑOL
Traducción de XOSÉ LOIS GARCÍA
Alguien leyendo versos de Jorge de Sena
Era un poema hecho.
Pero tu tejías
nuevas líneas
como la palabra
araña seductora
apuntando paciente
a la mosca
del oído.
Era um poema célebre.
Mojado por el agua
turbia
de los recuerdos.
Pero con él regabas
las raíces vivas
que te crecían
en la boca.
Figura frágil
donde el poema subia
hacia los hombros
con miedo
como un niño.
Tu lengua
clara
de albañil cansado
unia
lentamente
los versos
que todos habitamos.
Cenizas de Sísifo
Yo vi el sobresalto.
En ese bosque de láminas y guantes
palpaste cada cosa como
un grito.
Y amaste mi boca
como quien corta
los pulso al silencio.
Si el viento te esparce
entre hojas y ceniza
es siempre la misma voz que no perdona
la misma ley
el mismo laberinto.
Entre dientes
Acostado sobre ti
me enseñas a salir
de la tiniebla.
Con la boca dolorida
por tanta palabra
ensangrentada
devoro tu cabello
oro que se deshace
entre los dientes.
Y tu sonrisa
cuando te penetro
ilumina de pronto
la noche de mi cuerpo.
Extraídos de HORA DE POESÍA 27/28 Año 1983 – Antología de la actual poesia portuguesa. Livro doado para a Biblioteca Nacional de Brasília por Aricy Curvello.
Página publicada em abril de 2008; ampliada e republicada em novembro de 2010
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