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ANTONIO RIBEIRO DOS SANTOS
António Ribeiro dos Santos (Massarelos, Porto, 1745 - Lisboa, 1818) [1] foi um cronista português, e censor régio. Ficou ainda ligado à criação da instituição que antecedeu a Biblioteca Nacional de Portugal em 1796, pelo decreto de D. Maria I que extinguiu a Real Mesa Censória.
Estudou humanidades no Brasil e direito na Universidade de Coimbra, onde se doutorou, tendo exercido o magistério entre 1779 e 1795. Membro efetivo da Academia das Ciências de Lisboa, foi também cronista da Casa de Bragança e censor régio. Homem de vasta cultura, aberto à modernidade no contexto de enciclopedismo que caracterizou a Europa das Luzes, dedicou-se aos estudos linguísticos, mas foi na historiografia que mais se salientou deixando, entre outros, inúmeros estudos sobre o povo e a literatura sacra hebraica, as origens e progressos da poesia portuguesa, a história das matemáticas, as origens e a evolução da tipografia em Portugal.
Com o alvará de 29 de fevereiro de 1796, D. Maria I extinguiu o que restava da Real Mesa Censória, e com base na sua Biblioteca, fundou a Real Biblioteca Pública da Corte, a mais antiga antecessora formal da Biblioteca Nacional de Portugal, de que ficou encarregue António Ribeiro dos Santos. Assim, a primitiva instituição recebeu, como núcleo original, o acervo da Biblioteca da Real Mesa Censória. O referido diploma conferiu-lhe a natureza de Biblioteca Pública, tendo a mesma sido instalada no Torreão Ocidental da Praça do Comércio (Terreiro do Paço).
SONETO
Á formosura de Lília
Vénus buscando a Amor andava um dia,
E a todos seus por ele procurava;
A mim me perguntou onde ele estava,
E eu lhe disse que em Lilia o acharia.
À Lilia corre, e vê que Amor dormia
Em seu mole regaço; vozes dava
Por que Amor acordasse; ele acordava,
Mas ria-se da mãe, e adormecia.
Por fim lhe torna: Mãe, não mais te canses,
Qu'eu já daqui não saio, ainda quando
Rogues, ou mandes, ou grilhões me lances.
Fica-te em paz, diz Vénus já voltando,
Nem tu tens melhor colo em que descanses,
Nem Lília maior bem que ter-te brando.
ODE ANACREÔNTICA
Amor se queixa
Que está roubado;
Que os farpões, Nize,
Lhe tem furtado.
Em ira aceso,
Qual fero Marte
Te busca, ó Nize,
Por toda a parte.
Ah! tem jurado,
Que se te alcança,
Há-de tomar
Crua vingança.
Mas tu não fujas,
De Amor não temas
Nem seta, ou dardo,
Ou vis algemas.
Se ele vier
Com fero ardor,
Põe-te risonha,
Ri-te de Amor.
Desses teus olhos
Com um só mover
O bravo Amor
Podes vencer.
Se contra ti
Os céus armar,
Dos deuses todos
Podes zombar.
Cum só volver
Dos olhos teus
Podes vencer
Amor e os céus.
EPÍSTOLA
Assim é, assim é, ó Serra amigo,
Homens desnaturais, filhos ingratos
Ao leite que mamaram, desmandados
Despeitam nossa língua veneranda:
Querem deixá-la a rústica gentalha,
Ou qual velha entrevada aposentá-la
No hospital dos inválidos. Não falam
Já nossos moços português, só parlam
Ou línguas estrangeiras, que mal sabem,
Ou um dialecto informe, nunca ouvido,
De português e de francês meado.
Assim se educam no colégio os moços,
Assim se fala em público teatro,
Assim nos vêm de fora parolando
Mancebos viajantes, que aprenderam
Quatro termos da moda, vinte frases
De estrangeiro romance mal trazidas.
Se assim se desaforam, certo em breve
Acaba o luso idioma, nem mais podem
Entender-nos a nós, nem nós a eles.
Neste transtorno, em que isto vai, depressa
Ficará a mesquinha língua, outrora
Tão tratada em civil cortejo, e rica,
Ora pobre, e deserta e montesinha,
D'urzes e tojo e cardos abafada;
E cedo em seu lugar já só veremos
O fanado nasal francês reinando:
Que estranha servidão! se ainda agora
O cabeludo godo dominasse
Sobre o trono de Espanha, se inda agora
O feroz agareno nos pisasse
As frescas ribas do sagrado Tejo,
Fora menos desar tomar a língua
Dos fortes vencedores; porém sendo
Nós outros livres de nações estranhas,
Sendo senhores do solar nativo,
É mui grande sandice e desgoverno
Pagar a estranhas línguas alcavala.
Mas tu, com alguns poucos amadores
Das coisas pátrias, que já poucos vejo,
Que conheces melhor do que eu os dotes
Da lusitana língua veneranda,
Sua riqueza e majestade e brios,
E o jus que tem a se manter no trono,
Farás, com teu exemplo ilustre e claro,
Que ela seja mantida e respeitada
Nas doutas obras, que lá estás compondo.
EPÍSTOLA
Quanto, Fileno amigo, com a idade
Nossos costumes e paixões se mudam!
Tu amavas Marfisa, hoje a desprezas;
Gostavas de cerveja, hoje a abominas;
Eras alegre então, és ora triste;
Querias companhia, hoje a aborreces;
Que maga te tolheu com vesgos olhos?
Ou qual infame feiticeiro pôde
Coas tessálicas ervas trasmudar-te?
De mim que te direi, que também me acho
Outro diverso, do que eu dantes era:
Quantas coisas amei, que hoje não amo!
Quantos bens desejei, que agora enjeito!
Ah! donde nasce, amigo, esta mudança,
Que outros nos torna agora tão diversos?
A máquina do corpo já gastada
Do veloz trilho dos vorazes anos
Já vai das frescas molas desmentindo:
Tardios movimentos leva: perde
Cada vez mais enérgicas virtudes,
Que lhe davam frescor e actividade:
Já lá se foi a mancebia ardente,
E os benesses da fresca juventude:
Vem árida velhice, que afugenta
Altivos ardimentos, que descarta
Vãos cuidados e amores e prazeres,
E os fáceis sonos, que o vigor reparam:
Bota-se o esp'rito; a mente se fatiga;
O sangue coalha; o coração esfria;
E assim a partes vai morrendo o homem.
Antes que nós de todo nos mirremos,
Façamos sacrifícios à virtude,
Sacrifícios às musas: vem comigo
Hoje jantar, e desfranzir a mente
Dos rugosos cuidados, que a apoquentam:
Vem tu co teu Bernardes doce e brando,
Que eu cá tenho Ferreira grave e nobre:
Estendidos na relva junto à fonte
Sob a copada faia, donde canta
Sonoro rouxinol doces cantigas,
Leremos pela sesta seus bons versos;
E dirás tu depois, banhado em gosto,
Se inveja tens a algum mortal no mundo.
Página publicada em novembro de 2019
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