ANTÓNIO OSÓRIO
Natural de Setúbal, donde nació el 1 de agosto de 1933. De origen gallego e italiano. Pese a ser un poeta tardio, se impone en pocos años.
Tendo-se estreado como poeta apenas na década de 70, embora já em 1954 colaborasse na revista Anteu, António Osório sai de algum modo da geração poética de que provém, sem contudo se integrar nas correntes literárias que por então se impunham: mais próximo da claridade antiga das vozes suas contemporâneas (Sophia, David, Ramos Rosa...) do que de certo formalismo de estruturas que caracterizaria a poesia portuguesa dos anos sessenta e setenta, a sua poesia representa nesse sentido uma inflexão nos caminhos do que então se tinha por modernidade. A Raiz Afectuosa, título do seu primeiro livro, determina em boa parte a tonalidade de uma voz que se assume como vocação primordial, íntima e natural para uma espécie de canto da criação e do mistério da vida e da morte, do animal e do humano. Profunda, instintivamente afectuoso, este é um canto de grata, "inabalável ternura pelas criaturas" (Carlos Nejar, Prefácio a Emigrante do Paraíso, São Paulo, 1981), onde a morte figura sempre como escândalo, ainda assim parte integrante de um universo essencialmente uno e por essa unidade apaziguado. Por outro lado, "Osório actualiza, anula el tiempo en cuanto espejo deformador y convierte en familiar y fecundo lo que la lejanía histórica amenazaba com estrañar del mundo de nuestras vivencias [...] Lo sintético de la expresión, lo depurado del lenguage y la sobriedade del ornato envuelven a esta poesia ejemplar en un ambiente de luminoso - y muy actual - clasicismo" (Angel Crespo, "Introducción" à Antologia de la Poesia Portuguesa Contemporánea, Madrid, 1982).
"Dizer com claridade o que existe em segredo" (Cecília Meireles, epígrafe a Planetário e Zoo dos Homens) é o expediente da força reveladora desta poesia que tem tanto de religiosa na capacidade de diálogo com os deuses e o universo como de pagã na sua proximidade dos animais. Esse o sentido muito particular das últimas obras do A., mas em especial de Ofício dos Touros, talvez a mais elegíaca, mas também - surpreendentemente na tranquila harmonia cósmica do conjunto da sua poesia - das mais violentas nessa intimidade e nesse respeito pela dignidade de um muito humano medo animal. Neste contexto deve ainda mencionar-se o título mais recente - Bestiário -, a respeito do qual, e depois de lhe salientar "esta reverência para com o real", Eugénio Lisboa refere: "O poeta fala deles [dos animais] com a mesma emoção discreta, com a mesma ligação 'de ordem afectiva indissolúvel' que o liga aos humanos de todos os ofícios" (cfr. JL de 1 de Julho de 1998).
Comentário extraído de: http://www.iplb.pt
TEXTO EM PORTUGUÊS / TEXTO EM ESPAÑOL
MATERNIDADE
Dores como navio singrando
e ei-lo que chega,
suspenso na corrente do tempo.
Desfeita a ponte, náufrago rubro,
abrem-se primeiras folhas, os olhos
e surge o clamor do seu grito.
CASTELA
Penedais de Castela como punhos cerrados;
pedras fusiladas, a fúria, o peso da injustiça;
casas denegridas, hirtos pastores,
a luz bravia; fileiras de olivais e olivais a marchar
como exércitos; rebanhos bebendo em rios de sangue;
corpos garrotados e almas indomáveis.
EL PASADO
Mira hacia atrás el monstruo corrompido
por treinta años de destierro,
por tanta letanía, tanta gente,
tamaños y tamaños infortunios,
lentamente destruído por tanto
ocultismo, desprecio, tanto miedo y rabia,
que no encuentra el verdadero rostro de niño.
LETANÍA AL SOL
Os homens viven a su morte
e vivem a sua vida
HERÁCLITO
El día de su nacimiento para la eternidad
es un bello día para la mmia
que transporta en el vientre un escarabajo.
Ese día es um bello día,
porque tendrá vida, salud y fuerza
y ningún grano de arena permanece en su lugar.
Ese día es um bello día,
porque retiene la cabeza de pasta de vidrio
azul, y un anillo con engaste de concha o rosa.
Ese día es un bello día,
porque se volvió una célula muerta en el cuerpo del espacio
y retornará, multiplicándose, en granos de trigo.
Ese día es un bello día,
porque conoce el encanto de expelir el semen
más allá del desierto sírio, hasta la Via Láctea.
Ese día es un bello día,
porque la abertura de su boca y de los ojos
se hizo com testículos de un toro sacrificado.
Ese día es un bello día,
porque está dentro de su propia luz
y resplandece en la vibración cósmica.
Ese día es un bello día,
porque el dios com cabeza de buitre
decreto que su vida duraria millones de siglos.
Ese día es un bello día,
porque verá a Osiris y a su miembro
com cabeza de león, penetrante de sol.
OSÓRIO, Antônio. Emigrante do Paraíso. 2ª edição. Prefácio de Carlos Nejar. São Paulo: Massao Ohno – Roswitha Kempf Editores, 1981. s.p. 14x21 cm.
CAMÕES
Lia-me Camões meu Pai.
A tristeza de ambos
se juntava, em mim crescia.
E a voz, a inalterável
mergulhia das palavras
procriavam sarmentosos liames.
(Basílico a Mãe depunha no lume,
a carne com alecrim perfumava).
O livro de carneira negra,
as letras juntas em oiro:
morros, alusões, muros
verdentos, o último da vida ouvia.
Amor doía, emaranhava.
Mordaça invisível. Em lágrimas,
minhas, de meu Pai e de Camões, voava.
COMUM PASSATEMPO
Tristeza, comum passatempo.
Vinho em vinagre trocado.
Imerecida, do adolescente, '
È touro na arena.
Dureza de diamante, leve.
Envergonhada, do estrábico.
Tristeza, espacidão do deserto.
Árvore subitamente tombada.
Corroente, do leproso.
E baraço na garganta.
Nimbo irradiante dos santos.
Pendurada, do enforcado.
Tristeza, luz de ambulância.
Frio iniludível na carne.
Estendida, do moribundo.
A LENTURA DA TERRA
Tudo é forma?
Ruptura?
Acuidade felina?
Clareira, padreação?
Dom da nascença?
Larva fosforescente,
iluminar Deus?
E a dor empedrada?
E a montanha
que se quis esculpir?
E a rocha subjacente?
E a lentura da terra
encarnando
caridosas sementes?
TEXTO EM ESPAÑOL
Tradução de XOSÉ LOIS GARCÍA
MATERNIDAD
Dolores como navío navegando
y helo-ahí que llega,
suspendido en la corriente del tiempo.
Deshecho el puente, náufrago rojo,
se abren, primeras hojas, los ojos
y surge el clamor de su grito.
CASTILLA
Peñascos de Castilla como puños cerrados;
piedras fusiladas, la furia, el peso de la injusticia;
casas denigrantes, rígidos pastores,
la luz bravía;
hileras de olivares y olivares marchando
como ejércitos;
rebaños bebiendo em ríos de sangre;
cuerpos oprimidos y almas indomables.
O PASSADO
Olha para trás o monstro corrompido
por trinta anos de degredo,
por tanta ladainha, tanta gente,
tamanhos e tamanhos infortúnios,
lentamente destruído por tanta
ocultação, desprezo, tanto medo e raiva,
que não encontra o próprio rosto de criança.
LITANIA AO SOL
Os homens vivem a sua morte
e morrem a sua vida.
HERÁCLITO
O dia do seu nascimento para a eternidade
é um belo dia para a múmia
que transporta no ventre um escaravelho.
Esse dia é um belo dia,
porque terá vida, saúde e força
e nenhum grão de areia resta no seu lugar.
Esse dia é um belo dia,
porque detém uma cabaça de pasta de vidro
azul, e um anel com engaste de concha ou rosa.
Esse dia é um belo dia,
porque se tornou uma célula morta no corpo do espaço
e retornará, multiplicando-se, em grãos de trigo.
Esse dia é um belo dia,
porque conhece a encantação de expelir o sêmen
além do deserto sírio, até à Via Láctea.
Esse dia é um belo dia,
porque a abertura da sua boca e dos olhos
fez-se com testículos de um touro sacrificado.
Esse dia é um belo dia,
porque está dentro de sua própria luz
e esplende na vibração cósmica.
Esse dia é um belo dia,
porque o deus com cabeça de abutre
decretou que sua vida duraria milhões de séculos.
Esse dia é um belo dia,
porque ele verá Osíris e o seu membro
em cabeça de leão, penetrante de sol.
Poemas extraídos de la revista HORA DE POESÍA, n. 27-28. Barcelona:España, 1983. Número exclusivo com uma ANTOLOGÍA DE LA ACTUAL POESÍA PORTUGUESA, selección y prólogo de Xosé Lois García, ejemplar cedido por Aricy Curvello para la Biblioteca Nacional de Brasília. |