ANTÓNIO NORTON
António Carneiro de Castro Norton e Sousa Pires nasceu em Coimbra a 8 de Novembro de 1924. Frequentou a Faculdade de Direito e depois a de Letras (Seção de Histórico-Filosóficas).
Aquarelas de Pedro Pires (filho de António Norton):
parte de um conjunto de aquarelas e de outros trabalhos que estiveram patentes numa exposição o ano passado (de 2 a 24 de Abril de 2015), na Biblioteca Municipal Florbela Espanca, em Matosinhos, sob o (feliz) título "Poemas Pi...ntados & pinturas poéticas"
ESPELHO
Espelho do quarto, pregado à parede.
Só húmido tempo nas manchas da cal,
E as bocas da fome, do riso, e da sede.
Retrato de vidro da cor natural.
As nítidas rugas, a forma do sexo,
A idade dos mortos que vem no jornal.
Se canto é o sonho que está no reflexo
Por dentro das coisas que estão no real.
Se vejo é teu corpo, na sombra, no ar,
No fundo dos olhos que estão distraídos
Com o cheiro da vida que está a passar.
Se entendo é a voz que está nos ouvidos
Por dentro da voz que está a falar
Tão fora das coisas que estão nos sentidos.
Se olho, é uma concha. Se canto, é o mar.
MARINHEIRO
Corpo de ferro.
Olhos de carvão.
Voz de angústia e berro
E uma estrela no lugar do coração.
Braços erguidos.
Pé de sonho e lama.
Âncoras verdes no fundo dos sentidos
E um lindo nome e quem não se chama.
Manhãs de absinto acre
No tempo feito arco.
E o sangue a arder, espesso como lacre,
Nos porões do barco.
Bate-lhe um sol de vinho
Nas tatuagens roxas.
E tem um sexo marinho
A boiar no ritmo das coxas.
O TEMPO E OS OLHOS
Há um minuto quebrado
— Um instante que estava prometido —
Num busto de gesso mutilado,
Com pó acumulado
Aonde o coração tinha batido.
Não quero ser estátua nem esboço.
Antes a aranha que lhe tece a teia
Do que o volume imóvel duma veia
Que sobressai dum músculo sem osso.
Não quero ser a forma repartida
Por quantos a copiam separam
de sua íntima luz adormecida.
Quero é um corpo que tenha cheiro, e vida.
Quero na estátua as mãos que a modelaram.
Quero os teus olhos húmidos e graves
E tristes de pensar,
Postos no tempo sem o copiar
E suspenso dele, como os das aves.
Página publicada em setembro de 2016
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