ANTÓNIO FERREIRA
(Lisboa, 1528 - 29 de novembro de 1569) foi um escritor e humanista português. É considerado um dos maiores poetas do classicismo renascentista de língua portuguesa, conhecido como "o Horácio português".
Biografia completa em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Ferreira
SE ERRA MINH´ALMA...
Se erra minh´alma, em contemplar-vos tanto,
e estes meus olhos tristes, em vos ver,
se erra meu amor grande, em não querer
crer que outra coisa há´aí de mor espanto;
Se erra meu espírito, em levantar seu canto
em vós, e em vosso nome só escrever,
se erra minha vida, em assi viver
por vós continuamente em dor, e pranto;
se erra minha esperança, em se enganar
já tantas vezes, e assi enganada
tornar-se a seus enganos conhecidos;
se erra meu bom desejo, em confiar
que algu´hora serão meus males cridos,
vós em meus erros só sereis culpada.
QUANDO ENTOAR COMEÇO ...
Quando entoar começo com voz branda
Vosso nome d'amor, doce, e suave,
A terra, o mar, vento, água, flor, folha, ave
Ao brando som se alegra, move, e abranda.
Nem nuvem cobre o Céu, nem na gente anda
Trabalhoso cuidado, ou peso grave,
Nova côr toma o Sol, ou se erga, ou lave
No claro Tejo, e nova luz nos manda.
Tudo se ri, se alegra, e reverdece.
Todo mundo parece que renova.
Nem ha triste planeta, ou dura sorte.
A minh'alma só chora, e se entristece .
Maravilha d' Amor cruel, e nova!
O que a todos traz vida, a mim traz morte.
AQUELES OLHOS...
Aqueles olhos, qu'eu deixei chorando,
Cujas fermosas lágrimas bebia
Amor, com as suas tendo companhia,
Ante os meus se me vão representando.
Os saudosos suspiros, qu'arrancando
Duas almas, em qu'üa troca Amor fazia,
Qu' a que ficava, era a que partia,
E a que ia, a ficava acompanhando.
Aquelas brandas, mal pronunciadas
Palavras da saudosa despedida
Entre lágrimas rafas, e quebradas,
E aquelas alegrias esperadas
Da boa tornada, já antes da partida,
Vivas as trago, não representadas.
MUITAS VEZES QUISERA...
Muitas vezes quisera (al me vejo)
Não ser nascido, ou não ter visto aquela.
Porque assi mouro, quando espero vê-la,
Como de não a ver, quando desejo.
Mas logo torno, e m'envergonho, e pejo
Do meu mesmo erro: a culpa é tua, ou dela
Amor cruel, que em amá-la, e teme-la
Se converte em fim sempre alma, e desejo.
Mais quero assí viver, que qual vivera
Sem ter visto o que vi; ditosa sorte,
Quando olhos meus tão altamente olhaste!
Perdido fora, se me não perdera,
Que inda que mouro, bem comprada morte.
Por esta glória, que me vós mostrastes.
OS DIAS CONTO, E CADA HORA, E MOMENTO
Os ruas conto, e cada hora, e momento,
Qu'alongando-me vou dos meus amores,
Nas árvores, nas pedras, ervas, flores,
Parece que acho mágoa, e sentimento.
As aves, que no ar voam, o Sol, e o vento,
Montes, rios, e gados, e Pastores.
As estradas e os campos mostram as
Da minha saudade, e apartamento.
E quanto m'era lá doce, e suave,
Mais triste e duro Amor cá mo apresenta,
A que entreguei da minha vida a chave.
Em lágrimas força é qu'as faces lave,
Ou que não sinta a dor, que na tormenta
Memória da bonança faz mais grave.
EM QUANTO SOLTO AO SOL
Em quanto solto ao Sol brando ar movia
O ouro, que Amor de sua mão fia, e tece.
D'amorosos espíritos o ar se enchia,
De que amor doce em toda a parte cresce.
Um lhe dava o nó crespo, outro tecia
Laços, em que toda alma livre empece,
Outro o soltava ao vento, e parecia
Descer então o Sol mais do que desce.
Namorava-se o claro Sol da terra,
Ia crescendo o dia mais fermoso,
Minh'alma de si mesma estava fora.
Mas recolhendo o Amor, eis que se cerra
Triste o Céu, escuro o dia, o Sol queixoso,
E mính'alma dali sempre em vão chora.
TRAGÉDIA CASTRO
(fragmento)
ACTO IV
INÊS E O REI
CASTRO:
Meu Senhor,
Esta he a mãy de teus netos. Estes são
Filhos daquelle filho, que tanto amas.
Esta he aquella coitada molher fraca,
Contra quem vens armado de crueza.
Aqui me tens. Bastava teu mandado
Pera eu segura, e livre t'esperar,
Em ti, e em minh'innocencia confiada.
Escusarás, Senhor, todo este estrondo
D'armas, e Cavaleiros; que não foge.
Nem se teme a innocencia, da justiça.
E quando meus peccados me accusaram.
A ti fora buscar: a ti tomara
Por vida em minha morte: agora vejo
Que tu me vens buscar. Beijo estas mãos
Reaes tam piedosas: pois quiseste
Por ti vir-te informar de minhas culpas.
Conhece-mas, Senhor, como bom Rey,
Como clemente, e justo, e como pay
De teus vassallos todos, a que nunca
Negaste piedade com justiça.
Que vês em mim, Senhor? Que vês em quem
Em tuas mãos se mete tam segura?
Que furia, que ira esta he, com que me buscas?
Mais contra imigos vens, que cruelmente
T'andassem tuas terras destruindo
A ferro, e fogo. Eu tremo, senhor, tremo
De me ver ante ti, como me vejo:
Molher, moça, innocente, serva tua,
Tam só, sem por mim ter quem me defenda.
Que a lingua não s'atreve, o sprito treme
Ante tua presença, porém possam
Estes moços, teus netos, defender-me.
Elles falem por mim, elles sós ouve:
Mas não te falaram, Senhor, com lingua,
Que inda não podem: falam-te co as almas,
Com suas idades tenras, com seu sangue,
Que he teu, faláram: seu desemparo
T'está pedindo vida: não lha negues
Teus netos são, que nunca téqui viste:
E vê-los em tal tempo, que lhes tolhes
A glória, e o prazer, qu'em seus spritos
Lhe está Deos revelando de te verem.
REY:
Tristes foram teus fados, Dona Ines,
Triste ventura a tua.
CASTRO:
Antes ditosa,
Senhor, pois que me vejo ante teus olhos
Em tempo tam estreito: poem-nos hora,
Como nos outros soes, nesta coitada.
Enche-os de piedade com justiça.
Vens-me, senhor, matar? porque me matas?
REY:
Teus pecados te matam: cuida nelles.
(...)
REY:
Ó molher forte!
Venceste-me abrandaste-me. Eu te deixo,
Vive, em quanto Deos quer.
CASTRO:
Rey piadoso,
Vive tu, pois perdoas: moura aquelle,
Que sua dura tenção leva adiante.
PACHECO, REY, COELHO
Oh Senhor, que nos matas! que fraqueza
Essa he indigna de ti? de hum real peito?
Vence-te húa molher, e estranhas tanto
Vencer assi teu filho? que já agora
Terá desculpa honesta: não te esqueças
Da tenção tam fundada, que te trouxe.
REY:
Não pode o meu sprito consentir
Em crueza tamanha.
PACHECO:
Mór crueza
Fazes agora ao Reyno – agora fazes
O que faz a pouca agora em grande fogo.
Agora mais s'acende, arderá mais
O fogo do teu filho. A que vieste?
A pôr em mór perigo teu estado?
(...)
REY:
Não vejo culpa, que mereça pena.
PACHECO:
Inda hoje a viste, quem ta esconde agora?
REY:
Mais quero perdoar, que ser injusto.
COELHO:
Injusto he quem perdoa a pena justa.
REY:
Peque antes ness estremo, que em crueza.
COELHO:
Não se consente o Rey peccar em nada.
REY:
Sou homem.
COELHO:
Porém Rey.
REY:
O Rey perdoa.
PACHECO:
Nem sempre perdoar he piedade.
REY:
Eu vejo húa innocente, mãy de hús filhos
De meu filho, que mato juntamente.
COELHO:
Mas dás vida a teu filho, salvas-lh'alma,
Pacificas teu Reyno: a ti seguras.
Restitues-nos honra, paz, descanso.
Destrues a traydores; cortas quanto
Sobre ti, e teu neto se tecia.
Offensas, senhor, publicas não querem
Perdão, mas rigor grande. Daqui pende
Ou remedio d'hum reyno. ou quéda certa.
Abre os olhos às causas necessarias,
Que te monstramos sempre, e que tu vias.
Cuida no que emprendeste, e no que deixas.
O odio de teu filho contra ti,
Contra nós tal será, como qual fora,
Fazendo-se, o que deixas por fazer.
A ti ficam seus filhos, ama-os, honra-os.
Assi lh'amansarás grã parte da ira.
Senhor, por teu estado te pedimos:
Polo amor do teu povo, com que t'ama,
Polo com que sabemos que nos amas:
Mais estas razões fortes, que essa mágoa
Injusta, que depois chorarás mais,
Perdendo esta occasião, que Deos te mostra.
REY:
Eu não mando, nem vedo. Deos o julgue.
Vós outros o fazei, se vos parece
Justiça, assi matar quem não tem culpa.
COELHO:
Essa licenca basta: a tenção nossa
Nos salvará cos homens, e com Deos.
CHORO:
Em fim venceo a ira, cruel imiga
De todo bom conselho. Ah quanto podem
Palavras, e razões em peito brando!
Eu vejo teu sprito combatido
De mil ondas, ó Rey. Bom he teu zelo:
O conselho leal: cruel a obra.
Página publicada em outubro de 2015
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