ANTÓNIO FEIJÓ
(1860-1917)
António Joaquim de Castro Feijó. Feijó nasceu em Ponte do Lima, e foi chamado de o último lírico nacional. Por ocasião do Centenário de Camões estreou nas letras com o «Sacerdos Magnus», composição em verso épico-lírico, quando revelou a extraordinária vocação poética de que era dotado. A esse volume seguiram-se: em 1882, as «Transfigurações»; em 1884 «Líricas e Bucólicas»; em 1885, «A Janela do Ocidente»; em 1890, «Cancioneiro Chinês»; em 1897, a «Ilha dos Amores» e, em 1907, «Bailatas», composições, todas elas, ricas de conceitos, de inspiração e de beleza.
Lírico da mais requintada sensibilidade, «ora tocando as fibras da emoção, ora ferindo a ironia mais audaz e sutil», revelou-se sempre através da sua arte «um aristocrata de gosto, desdenhando sobranceiramente o aplauso barato da multidão a quem lhe lisonjeia os instintos». Muitas das suas poesias — entre as quais o «Leque» é, talvez, das mais conhecidas — adquiriram a celebridade dos salões de há 30 anos, onde eram recitadas e ouvidas sempre com sumo agrado.
António Feijó era formado em direito pela Universidade de Coimbra. Terminado, porém, o curso dedicou-se à carreira diplomática, onde também se distinguiu, de maneira a tornar-se uma figura respeitada tanto nos meios
políticos como nos centros de cultura intelectual que frequentava. Morreu na Suécia (Estocolmo) em cuja corte representou, durante muitos anos, o seu país.
LIRA CHINESA
A FOLHA DO SALGUEIRO
Adoro essa mulher moça e formosa,
Que à janela, a sonhar, vejo esquecida,
Não por ter uma casa suntuosa
Junto ao Rio Amarelo construída...
— Amo-a porque uma folha melindrosa
Deixou cair nas águas, distraída.
Também adoro a brisa do Levante,
Não por trazer a essência virginal
Do pessegueiro que floriu distante,
No pendor da Montanha Oriental...
— Amo-a porque impeliu a folha errante
Ao meu batel, no lago de cristal.
E adoro a folha, não por ter lembrado
A nova primavera que rompeu,
Mas por causa dum nome idolatrado,
Que essa jovem mulher nela escreveu
Com a doirada agulha do bordado...
E esse nome... era o meu!
II
O MAU CAMINHO
Vejo um belo caminho marginado
De viridentes árvores frondosas,
Todo em sombras discretas mergulhado
E coberto de moitas olorosas.
Mas de que serve este caminho estreito
Em cuja sombra o meu olhar demoro?
Sei muito bem que ele não vai direito
À habitação daquela a quem adoro.
E aquela a quem adoro e por quem erro...
Não pode nas estradas caminhar...
Logo ao nascer, em borzeguins de perro
Os tenros pés fizeram-lhe moldar!
E ninguém sabe que torturas sofre
Nem que desgosto o meu amor pressente!
— Quando nasceu, fecharam-lhe num cofre
O pequenino coração tremente...
III
O L E Q U E
Estava a Noiva tímida e formosa,
Na primeira manhã do seu noivado,
Na pequenina alcova silenciosa
Onde abraçara o seu Esposo amado.
Graciosa, o leque de charão agita,
Desoprimindo o sufocado peito;
Mas nele, por acaso, estava escrita
Uma frase que tinha este conceito:
"Nos dias de calor, em pleno estio,
O meu frescor suavíssimo apetece...
Chega o rigor do inverno, chega o frio,
E toda a gente me desdenha e esquece."
A noiva leu; e nisto, de repente,
Ergueu o olhar turbada e pensativa.
Deixou-a aquele dístico inocente
Numa vaga tristeza apreensiva.
"É moço, — diz — o meu amado Esposo;
Por isso vem neste primeiro ardor,
Refrigerar seu coração fogoso
Nas carícias sutis do meu amor.
Mas quando tiver frio o coração,
E nele a chama juvenil pereça,
Quando for sem desejo e sem paixão,
Talvez um dia me desdenhe e esqueça..."
Página publicada em outubro de 2014
|