ANTÓNIO DE CÉRTIMA
Escritor português, nascido no lugar de Gesta, freguesia de Oiã, concelho de Oliveira do Bairro, em 27 de Julho de 1894 e falecido no Caramulo, Tondela, a 21 de Janeiro de 1983. Foi batizado no entanto com o nome de António Augusto Gomes Cruzeiro.
Seguiu a carreira diplomática, tendo sido cônsul em Dacar e Sevilha. Dedicou-se depois à vida comercial.
HATHERLY, Ana. CAMINHOS DA MODERNA POESIA PORTUGUESA. 2ª. edição S.l.:Ministério da Educação Nacional, Direção Geral do Ensino Primário, 1969. 121 p. (Coleção Educativa, Serie G, n. 8) 11x16 cm.
BIOGRAFIA EMOCIONAL DO POVO
I
Boca de alma que se enfeita
Em rezas, cantos de amor...
—Não há lira mais perfeita
Que a do povo, trovador.
Prantos tristes, emoções,
Choros de fogo e paixão,
Tudo ele anima em canções,
Nas cordas do coração.
Almas de noivas errantes,
No céu da alma a vibrar,
Ele celebra, em descantes,
Quando se põe a evocar...
É olhá-lo: no modo triste
Há expressões traduzindo
Quanto bem que não existe,
Quanto mal que ainda é lindo!
O olhar tem certa beleza
Que entristece e dói... Assim
Deve ter sida a tristeza
Das faces de Bernardim!
Menina e Moça inda pura,
Perdida por seu encanto,
É a noiva que ele procura,
O Encoberto do seu pranto!
Só o povo português
Tem a intuição acertada
Que acorda no montanhês
Visões de vida passada.
Ecos de longe. Montanhas.
Contendas bravas, velhinhas.
E chamam por mães estranhas:
—Senhoras, Donas, Rainhas!
Donde virá tal nobreza?
De que grau de geração?
— É que a gente portuguesa
Tem sangue de condição.
Vem o. sol—cresta-lhe as veias:
E, em delírio, perde o tacto.
Busca a dança—ardem-lhe: as veias:
É o pulso de Viriato!
II
O povo humilde a cantar
Abre em doçura de asceta.
Sai à rua, está luar,
Solta uma queixa, — é poeta.
Nos seus poemas, corados
Nos vergéis, em tardes belas,
Espreitam lábios rosados,
Olhos garços de donzelas.
É a gente esquecer-se a ler
Tal poema sempre novo
E encontrar uma mulher
Em cada trova do povo.
Ingénuas virgens que passam,
Serenas, de passo mudo,
Levam bocas que se enlaçam
Noutras bocas de veludo.
Umas, de rostos de rosas
Frias, brancas, já mortais;
Outras em cores melindrosas
De céus espirituais.
E todas tão delicadas,
Tão cheias de puro encanto
Como a cinzel bem talhadas
De um génio que fosse um santo!
São Marias da inocência,
Da graça nata e servida;
Corpos de nívea fulgência
Sem a mancha própria da vida.
Outras, Ofélias doridas
De quanto amor desgraçado!
Tendo ainda as rosas caídas
Sobre o manto de noivado.
E todas passam e lá vão
Na luz do sol ou luar...
— Venturoso o coração
Do povo que sabe amar!
ANTÓNIO DE CÉRTIMA em «Trajectória sem Fim»
Página publicada em julho de 2015
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