ANTÓNIO BARAHONA
Nasceu em Lisboa, a 7 de janeiro de 1939. As suas obras exploram preferencialmente os domínios do sonho e do misticismo e revelam, normalmente, uma religiosidade explícita. A paixão pelo sânscrito levou-o ao Oriente para estudar esta língua.
António Barahona escreve como um profeta, e será preciso dar-lhe atenção, pois desde sempre foi em meio à loucura que irrompeu a Palavra mais constitutiva das culturas.O facto de lhe negarmos razão não significa que ele labore nas trevas, significa que ele está no outro lado da nossa rasa racionalidadezinha. Fé não lhe falta e é sincera, mas a fé é uma agitação interior, um tender para e não um stop. António Barahona ama tanto a Cristo,como Muhammad Rashid amou a Allah, dois nomes para o mesmo Desconhecido. É para O encontrar que se senta aos pés de um padre ou de um imã-tala.e continuará, porventura, a sentar-se diante de outros mestres, de outras religiões, enquanto viver. Q que para trás fica, quando se ergue, não é Deus, sim a religião. O que à frente avança, quando a religião desmorona-se, é a Poesia, lugar de assombro em que também é possível procurar Deus, e até encontrá-lo. É aqui a Pátria, é Deus aqui, aqui a Família Gramática. MARIA ESTELA GUEDES
De
António Barahona
SOBRE UM ABISMO
Organização Floriano Martins
Ilustrações Konrad Zeller
São Paulo: Escrituras, 2007.
191 p. (Col. Ponte Velha)
ISBN 978-85-7531-270-4
Gentilmente enviado pela editora
www.escrituras.com.br
NAUFRÁGIO
Aves mudas
com olhares secretos
para a sede da terra
Na praia
os grãos de areia em moedas
e as ondas
de mãos inquietas
Passos indecisos
na expiação de pedras
atiradas ao mar
De bruços
aos fundos do oceano
eu prisioneiro das redes
no pensamento dos peixes
SIMULACRO DE SUICÍDIO
POR SOBERBA
O mundo era estúpido demais
para a sua inteligência
- assim pensou e permaneceu calado
perante si próprio
pronto para o último acto
Cavou um abismo ao fundo da água,
calculou a distância entre o som e a sombra,
e atirou-se de pé
Doía-lhe o coração a cair de pedra
Lx., 8.XII.99.
NO ANIVERSARIO DA DIVA
Passam por nós os anos, ígneos pássaros
apressados, e caem muitas penas
Passam por nós os anos: são cavalos
nervosos frente aos toiros nas arenas
Mas não envelhecemos sempre esperançados
na juventude eterna que não deixa marcas
Estamos marcados desde que nascemos,
transviados por onde não há estradas:
somente caminhadas sem sair de becos,
miragens de desertos nos confins das ilhas
Passam por nós os anos e só fica
um sulco que se fecha na memória em ferida
Página publicada em janeiro de 2011 |