ALEXANDRE PINHEIRO TÔRRES
(1921-1999)
Alexandre Maria Pinheiro Torres nasceu em Amarante a 27 de Dezembro de 1923. Era filho de João Maria Pinheiro Torres e de Margarida Francisco da Silva Pinheiro Torres. Fez o bacharelato em Ciências Físico-Químicas na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e, posteriormente, licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Universidade de Coimbra.
Viveu em Amarante, na Póvoa de Varzim, em Lisboa, no Porto, na Ilha de S. Tomé e em Coimbra. No período que passou nesta última cidade conviveu com grandes poetas do seu tempo que viram parte da sua obra poética reunida no Novo Cancioneiro. Foi professor do ensino secundário, escritor (poeta e romancista) e colaborador em várias publicações periódicas como a Seara Nova, a Gazeta Musical e de Todas as Artes, O Jornal de Letras e Artes e Ideias, a revista A Serpente, que ajudou a fundar. Também se dedicou à História da Literatura, à crítica literária e à tradução de muitas obras estrangeiras, nomeadamente de autores consagrados, como Ernest Hemingway e D. H. Lawrence.
Em 1965 foi nomeado membro do Júri do Grande Prémio de Ficção, da Sociedade Portuguesa de Escritores, no qual propôs a atribuição desse galardão ao livro Luuanda, da autoria de Luandino Vieira, que se encontrava preso no Tarrafal, acusado de terrorismo. Esta decisão política e cultural precipitou a sua prisão, juntamente com mais 4 membros do júri, e a proibição de ensinar em Portugal, empurrando-o para o exílio. Mas esse facto, para Alexandre Pinheiro Torres, foi motivo de grande orgulho. Nesse ano de 1965 recebeu vários convites para leccionar no estrangeiro. Acabou por aceitar a proposta da Universidade de Cardiff, no País de Gales, onde foi bem recebido, em especial pelo professor Stephen Reckert, figura que o marcou profundamente. Aí criou, em 1970, a cadeira "Literatura Africana de Expressão Portuguesa", a primeira deste tipo em universidades britânicas, e fundou, em 1976, o "Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros".
Só regressou ao país de origem de passagem ou em férias. Morreu a 3 de Agosto de 1999, vítima de doença prolongada, já aposentado da Universidade de Cardiff, onde deixou um inextinguível testemunho de vida e de profissionalismo.
Fonte: http://sigarra.up.pt/
DOZE JOVENS POETAS PORTUGUÊSES. Org. Alfredo Margarido e Carlos Eurico da Costa. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação, Ministério da Educação e Saúde, 1953. 56 p. (Os Cadernos de Cultura) 14x19 cm. Impresso pelo Departamento de Imp. Nacional. Inclui os poetas: Alberto de Lacerda, Alexandre Pinheiro Tôrres, Alfredo Margarido, Antonio Maria Lisboa, Carlos Eurico da Costa, Carlos Wallenstein, Egito Gonçalves, Eugênio de Andrade, Fernando Guedes, Henrique Risque Pereira, Mário Cesariny de Vasconcelos, Mário Henrique Leiria. Ex. bibl. Antonio Miranda
(SONHO BREVE)
Sonho que o universo é uma flor de veneno
presa na garrafa verde do infinito
e que há uma boca de riso sereno
a buscar o choro no incêndio dum grito.
Despenha-me a chuva doce da ambição
que embriaga a flor com um húmus alcoólico,
e o veneno ácido rompe, sem perdão,
o muro de vidro chãmente diabólico.
A cascata tomba nessa boca impávida
cheia de beber a secura do riso,
e dos olhos cai, para a garganta ávida,
a primeira lágrima dum vão paraíso!
(LENDA DA ULTIMA NOITE)
A besta silenciosa fez avançar as quatro patas
aninhou-se, pachorrentamente, na terra.
A lava do bafo escorreu, então, no estábulo grandioso
que é esta prostituída cabana de teto devassado.
Ah! o condenado gritou que a última noite aparecia
com esse disfarce insultuosamente impróprio
e que ele era obrigado a sentir o beijo pegajoso da besta
em vez do gozo repousado doutro disfarce mais conforme.
As derradeiras horas surgiam, assim, raivosamente ásperas
da pele encrespada dum animal, em fúria retesada,
e húmidas e babadas duma carícia odiosa
que se liquefazia a uma temperatura alta, pretensamente. . .
O condenado exigiu então uma última noite autêntica,
uma noite de cara de mulher, aveludada de olhos,
e um hálito decente: o hálito que todos os outros homens
[sorvem]
radiosos da convicção de não estarem condenados a nada,
nem sequer à morte. . .
O condenado gritou para afugentar a besta
que tinha o ar duma ave gigantesca a chocar o infinito,
mas o ninho tinha ímans ocultos
é qualquer nascimento parecia ter sido irremediavelmente
[adiado,]
E rojou-se no solo enterrando os lábios
para fugirem a ser derretidos na baba verde e ácida,
mas o chão era uma esponja passiva
e os lábios foram sorvidos, voluptuosamente...
(CHEGAM OS CARRASCOS)
Luvas de veludo mascaram as mãos
que me forçam, suaves, a comer a lama!
E há tenras promessas a acenar dos desvãos
para se cumprir, íntegro, um certo programa.
Mas os lábios fecham-se e recusam a oferta
cuspindo nas máscaras de tacto cetineo,
e as mãos já não escondem a porta entreaberta
por detrás da qual se comete o assassínio!...
(A MÁQUINA DA MORTE)
A seiva da luz liquida da aurora
alimentará a máquina da morte
quando esta brotar do solo, flor inesperada,
e encher os olhos, em crepúsculo, da vitima
com as suas pétalas espalmadas em lâmina.
Será então que, nos últimos momentos,
o condenado tentará desfolhar nas próprias orbitas,
e com mãos já em ninho para os beijos alados dessa morte,
a pétala geradora do perfume transitório
que é o destrocar da derradeira virgindade!
(A LÂMPADA APAGA-SE)
O combustível do olhar está no zero do indicador de nível,
e a boca ávida de chama sorve as últimas gotas da mecha
mirrada].
A lâmpada do olhar, em breve liquidamente exausta,
deixará de incendiar a secura das coisas.
Há um resto de corpo que ainda arde para além da chama
ao abrigo da pequena e isolada gruta do coração,
e dai parte a súbita e alta labareda
que precipita a lâmpada num paraíso de trevas.
Página publicada em setembro de 2014.
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