ALBERTO DE LACERDA
(1928-2007)
Alberto Correia de Lacerda (Ilha de Moçambique, 20 de Setembro de 1928 — Londres, 26 de Agosto de 2007) foi um poeta português. Nascido no Norte de Moçambique, Alberto de Lacerda veio para Lisboa em 1946. Em 1951 fixou-se em Londres trabalhando como locutor e jornalista da BBC, efetuado um notável trabalho de divulgação de poetas como Camões, Pessoa e Sena. Nos anos seguintes viajou pela Europa e esteve no Brasil em 1959 e 1960. A partir de 1967 começa a leccionar na Universidade de Austin, no Texas, EUA, onde se manteve durante cinco anos, fazendo uma breve passagem pela Universidade de Columbia, de Nova Iorque, até se fixar, em 1972, como professor de poética, na Universidade de Boston, Massachusetts.
Estreou-se em Portugal com uma série de poemas publicados na revista Portucale. Foi um dos fundadores da revista de poesia Távola Redonda, juntamente com Ruy Cinatti, António Manuel Couto Viana e David Mourão-Ferreira. Os seus poemas foram traduzidos para o inglês, castelhano, alemão e holandês, entre várias outras línguas. É descrito como possuindo uma linguagem pouco adjetivada mas rica em imagística, reveladora de um mundo misterioso oculto na vulgaridade das coisas.1 Alberto de Lacerda é também autor de colagens, tendo chegado a expor, nos anos 80, na Sociedade Nacional de Belas Artes, de Lisboa.
Faleceu em Londres a 26 de Agosto de 2007 Fonte: wikipedia
DOZE JOVENS POETAS PORTUGUÊSES. Org. Alfredo Margarido e Carlos Eurico da Costa. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação, Ministério da Educação e Saúde, 1953. 56 p. (Os Cadernos de Cultura) 14x19 cm. Impresso pelo Departamento de Imp. Nacional. Inclui os poetas: Alberto de Lacerda, Alexandre Pinheiro Tôrres, Alfredo Margarido, Antonio Maria Lisboa, Carlos Eurico da Costa, Carlos Wallenstein, Egito Gonçalves, Eugênio de Andrade, Fernando Guedes, Henrique Risque Pereira, Mário Cesariny de Vasconcelos, Mário Henrique Leiria. Ex. bibl. Antonio Miranda
ASCENSÃO
Vou construindo a Verdade com degraus de pedra,
de pedra gemendo em doloroso sangue,
E à medida que as mãos pedem Perfeição
(as operárias mãos da alma insatisfeita)
seres invisíveis, puros, delicados,
afastam do meu ser as capas que me são
completamente alheias.
Solitade completa — o meu misténo
desta escadaria dolorosa.
Mas há no fim de tudo um lúcido Clarão.
É como a Cruz antiga que possui no meio
uma perfeita Rosa.
OMBRO
E' uma sombra ligeira.
Deixa sossegar
a minha cabeça sobre o teu ombro,
como quem dorme.
Numa saudade imortal
talvez o deus que me habita
houvesse desejado a minha morte.
BACH
No claro silêncio desnudo,
a Geometria dança livremente.
Eu sinto, eu creio, eu canto, a luz é tanta
que a sala se esboroa por completo
e o céu cobre, em palácio, o mundo inteiro.
Sou a reta sublime que se cumpre
desde o centro da terra ao infinito.
ODE
Não receies nenhum dia.
O tempo é uma praia infinita que é sempre visível de uma
[espécie mar.].
Nós somos as ondas. Nós é que levamos
aos dias, o bem ou o mal.
DIOTIMA
És linda corno haver Morte
depois da morte dos dias.
Solene timbre do fundo
de outra idade se liberta
nos teus lábios, nos teus gestos.
Quem te criou destruiu
qualquer coisa para sempre,
ó aguda até à luz
sombra do céu sobre a terra,
libertadora mulher,
amor pressago e terrível,
primavera, primavera!
TEXTOS EM PORTUGUÊS - TEXTS IN ENGLISH
LACERDA, Alberto de. 77 Poemas with a preface by Arthur Waley. Translated by Arthur de Lacerda and Arthur Waley. London: George Allen & Unwin Ltda, 1955.86 p.
CERNE
Escrevo meu nome no tempo
e no mundo:
tudo me pertence como a flor
pertence ao perfume adormecido
que fica a vibrar pela atmosfera
mesmo depois do desfolhar sombrio.
CORE
I write my name on time
And on the world:
All belongs tome as a flower
Bolongs to its perfume asleepe
That stays vibrating in the air
After the somber sheldding.
IMAGEM
No firme azul do desdobrado céu
decantarei a límpida magia
das sensações mais puras, melodia
da minha infância, onde era apenas Eu.
Da realidade nua desce um véu
que, já sem mar, apenas maresia,
me vem tecer aquela chuva fria
que prende esta janela ao claro céu.
Despido o ouropel desvalioso,
já não apenas servo, mas o Rei
da luz da minha lâmpada romeira,
Assim procuro o centro misterioso
do mundo que hoje habito, onde serei
concêntrica expressão da vida inteira.
IMAGE
In the firm blue of the unfolded sky
I shall decant the limpid magic
Of the purest sensations, melody
Of childhood, where I was only I.
From the naked reality falls a shadow
That, with sea no more — its smell alone,
Comes to weave that rain so cold
Which joins thiswindow t the clear sky.
Left I seek the mysterious centre
Of the world I now inhabit, where I shall be
The concentric utterance of life itself.
HERANÇA
Todo teu gesto tem motivo
em qualquer origem remota:
de uma beleza antiga na aparência morta
há sempre qualquer coisa de desconhecido.
HERITAGE
Your every moment goes back to
Some remote origin:
Of an ancient beauty that seemed dead
Always there is something unknown.
O MARINHEIRO NA CIDADE
Qualquer coisa record anele
a força do vento e as ondas do mar:
O ar desprendido do adolescente
e a pureza intacta do olhar.
THE SAILOR IN THE TOWN
Something in him recalls
The strength of the wind, the waves of the sea:
The carefree adolescent air,
And the intact purity of this gaze.
LACERDA, Alberto de. A luz que se escondeu no escuro. Introdução Luis Amorim de Sousa. Desenho Jorge Martins. Braga, Portugal: Crescente Branco, 2016. 39 p. 13, 5 x 20,5 cm Ex. bibl. Antonio Miranda
A tarde
é suave
quase quente
quase fria
Que estranho que este mês se chame Setembro
Que estranho Tencionar mudar
Mudar
Mudam os dias
Mergulhar
Não como um louco
Mas como um homem
Dia após dia
No desconhecido
Boston
20 de Setembro 1981
MAIO
Maio
Quer dizer sem faixa
Nu
Maio
Quer dizer formoso
Do princípio ao nu
Maio
Quer dizer a gaia
Sensação espraiada
De flor em cometa
Sem fim
Maio
Quer dizer o lume
Do perfume lúbrico
Upando-se
Insensato
Maio
Quer dizer o monte
E quer dizer o tronco
Maio
É um ai enorme
Em que o a se exalta
Em que o i não chora
Ai
Maio Ai
Ditongo muito aberto
No campo possuído lenta
Mente for um M fecundo
Rindo enquanto tudo
Dilata
E esplende
Londres 1971
Algo regressa intacto
A palavra perdida
Reencontrada
Sem data
Página publicada em setembro de 2014; página ampliada e republicada em setembro de 2016; página ampliada e republicada em dezembro de 2018
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