ALBANO MARTINS
Albano Martins, considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa, nasceu em 1930, na Aldeia do Telhado, Província da Beira Baixa, em Portugal. Além de poeta, é professor de Filologia Clássica, ensaísta e tradutor. Celebrou, em 2010, sessenta anos de vida literária. Em sua homenagem foi lançado o conjunto das obras, sob o título de Assim são as algas. A editora Letras Contemporâneas, em 2011, publicou a antologia Ofício e Morada, com prefácio de Álvaro Cardoso Gomes.
“Albano Martins, com habitual grandeza e simplicidade derivada da limpidez da expressão, confessa, apesar do contido anticonfessionalismo das obras, a presença de significativas influências no curso da formação, sendo a de Camilo Pessanha a mais profunda e duradoura, além de ter aprendido com Miguel Torga a medir o verso e a sustentar a respiração do poema, fatosliterários que somam e não desnaturam sua flagrante originalidade. Considera-se dedicado artesão, um combatente corpo a corpo com as palavras virgens, de gestacão demorada, dando ênfase à selecionada e à precisa economia dos vocábulos, afeiçoada ao seu pendor oracular.
E mais tem dito, em entrevistas e noutrAs passagens: reconhece a intensidade como preponderante marca de sua poesia, compromissada com a condição humana e motivada pela melancólica ponderação sobre o destino (a moira dos gregos), o tempo (atrelado à infância baudelairiana reencontrada) ë a precariedade das coisas/sentimentos, resultado da linguagem traslata, transgressora, plástica e prazerosa de ressonâncias epicuristas.” PÉRICLES PRADE
Extraído do
SUPLEMENTO CULTURAL DE SANTA CATARINA 79 – Set. 2013 ISSN 2318-063, p. 16-17
COMPÊNDIO
Dizias: daqui o mar parece '
uma tarântula
azul. Eu respondi:
vermelhas
são as flâmulas,
das algas e o fermento
das águas.
Escrever
é isso: fazer
da vida uma pauta
e um compêndio de espuma
(Do livro Escrito a vermelho, 1999)
COMO SE FOSSES O MAR
Antigamente
era assim: bastava
o voo duma ave
para te arrepiar a pele. Agora
os navios cortam
a linha de água e nem
um leve sobressalto
te percorre os rins.
(Do livro Escrito a vermelho, 1999)
OSTRAKON DA BAILARINA
O que sustenta o arco
desta ponte
são os braços e as pernas
da bailarina. A água
que ali corre derrama-se
da ânfora da cabeça e são
os seus cabelos. Se alguém
atravessar a ponte
e beber, encontra
a entrada aberta e a saída
fechada. O obstáculo
são os seios
grávidos
da bailarina. Para
além deles há apenas
o abismo. E, como alguém disse,
quando se ama o abismo,
é preciso ter asas.
(Do livro A voz do olhar, 1998)
MARTINS, Albano. Ofício e morada – antologia poética. Seleção de poemas e prefácio de Álvaro Cardoso Homes. “Orelha” do livro por Péricles Prade. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2011. 78 p. 16x23 cm.
As VOGAIS ALITERANTES (1981-1985)
Notícias me darás
da flor do sabugueiro.
Ajuda-me
a erguer este peso
sem lastro e sem remédio
que há nas folhas, a nascer
outra vez sem suplício
e sem mácula.
Notícias
te darei da rosa
impura da tristeza.
***
De meu e teu que resta
entre os ramos e o voo
das andorinhas?
Podes
convocar as palavras, adicionar
à voz o espanto, a ira, esgrimir
com as mais ásperas
vogais. Da morte
e seus juízos imutáveis
não há recurso
ASSIM A CAL, ASSIM o MUSGO (2008)
Se o tempo
fosse
uma flor, o seu
perfume
seria
esta luz
escorrendo
pelas escarpas
do dia.
***
O que se vê não é
o que se vê. A claridade
não desvenda — oculta. Assim
a cal, assim
o musgo
sobre o muro.
Delfos
Entrarás em Delfos pela porta
secreta —a da serpente. É esse,
e não outro, o caminho
para o templo. Junto
à pedra
da ara colherás
o ouro exausto
do tempo e o sangue
inútil dos sacrifícios. E
saberás que amor
e morte
são
a outra face do mito.
Assim são as algas
Das palavras
que aprendeste
só uma
não tem tradução.
Quando traduzes
o amor, tu sabes
que é já outro o seu nome.
Assim são as algas
quando apodrecem.
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Página ampliada e republicada em abril de 2022
Página publicada em janeiro de 2014 |