ADOLFO CASAIS MONTEIRO
“Poeta profético! Sobre os escombros da Europa, almejando uma Europa (re)unida e sem fronteiras! Utópico, clarividente, vidente. Devia ser o poema “Europa”, aqui apresentado, a carta de nascimento da União Européia, sua anunciação. Que deveria ser lido e relido por europeus e por todos que tomam aquela confraria de países como exemplo internacionalista. Que o poema seja traduzido e lido pelos europeus!! Aqui apresentamos uma versão ao castelhano, mas deveria haver outras versões a todos os idiomas da região!!! Que os europeus leiam e reflitam. Já estiveram em desgraça, na miséria, em convulsões sociais e em guerras estúpidas. Nosso continente americano esteve sempre aberto para os europeus, de que fazemos parte em grande medida, e agora, ricos e unidos, os europeus fecham-nos as portas e acham que apenas as relações vantajosas são possíveis... Que sua “falsa grandeza” e a soberba que o poema de Adolfo Casais Monteiro ressalta e esconjura, se converta em fraternidade, no sonho do poeta, para “do espírito seres pródiga”. E que a Europa não se feche em suas muralhas protecionistas. Abra a “mão avara” que o poeta denunciou... Não se trata apenas de abrir as portas para os imigrantes, mas também, e sobretudo, para relações mais justas com outros povos. É a miséria do mundo que ameaça a Europa, como ameaçou a própria Europa, e não os imigrantes que a miséria propicia...
Incrível que haja tanto dinheiro para o armamento e para a guerra, e tão pouco para tirar regiões atormentadas pela fome e a miséria, onde europeus exploraram por tantos e tantos anos!!! Esqueçamos o passado, mas pensemos no futuro, como Adolfo Casais Monteiro pregou em seu poema teleológico, redentorista, até ingênuo, mas também incômodo.
Curiosamente (ou compreensívelmente), o poema é pouco lido, pouco traduzido, e não aparece na íntegra na internet, daí porque décimos fazê-lo. “
ANTONIO MIRANDA
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
EUROPA
Europa, sonho futuro!
Europa, manhã por vir,
fronteiras sem cães de guarda,
nações com seu riso franco
abertas de par em par!
Europa sem misérias arrastando seus andrajos,
virás um dia? virá o dia
em que renasças purificada?
Serás um dia o lar comum dos que nasceram
no teu solo devastado?
Saberás renascer, Fénix, das cinzas
em que arda enfim, falsa grandeza,
a glória que teus povos se sonharam
— cada um para si te querendo toda?
Europa, sonho futuro,
se algum dia há-se-ser!
Europa que não soubeste
ouvir do fundo dos tempos
a voz na treva clamando
que tua grandeza não era
só do espírito seres pródiga
se do pão eras avara!
Tua grandeza a fizeram
os que nunca perguntaram
a raça por quem serviam.
Tua glória a ganharam
mãos que livres modelaram
teu corpo livre de algemas
num sonho sempre a alcançar!
Europa, ó mundo a criar!
Europa, ó sonho por vir
enquanto à terra não desçam
as vozes que já moldaram
tua figura ideal,
Europa, sonho incriado,
até ao dia em que desça
teu espírito sobre as águas!
Europa sem misérias arrastando seus andrajos,
virás um dia? virá o dia
em que renasças purificada?
Serás um dia o lar comum dos que nasceram
no teu solo devastado?
Saberás renascer, Fénix, das cinzas
do teu corpo dividido?
Europa, tu virás só quando entre as nações
o ódio não tiver a última palavra,
ao ódio não guiar a mão avara,
à mão não der alento o cavo som de enterro
— e do rebanho morto, enfim, à luz do dia,
o homem que sonhaste, Europa, seja vida!
II
Ó morta civilização!
Teu sangre podre, nunca mais!
Cadáver hirto, ressequido,
á cova, à cova!
Teu canto novo, esse sim!
Purificado,
teu nome, Europa,
o mal que foste, redimido,
o bem que deste,
repartido!
Aí vai o cadáver enfeitado de discursos,
florindo em chaga, em pus, em nojo..
Cadáver enfeitado de guerras de fronteiras,
ficções para servir o sonho de violência,
máscara de ideal cobrindo velhas raivas...
Vai, cadáver de crimes enfeitado,
que os coveiros, sem descanso,
acham pouca toda a terra,
nenhum sangue já lhes chega!
Sobre o cadáver dançam
teus coveiros sua dança.
Corvos de negro augúrio
chupam teu sangue de desgraça.
Haja mais sangue, mais dançam!
E tu levada, tu dançando,
os passos do teu bailado
funerário!
Mas do sangue nascerás,
ou nunca mais, Europa do porvir!
E a mão que te detenha
à beira do abismo?
Do sangue nascerá!
E braços que defendam
teu dia de amanhã?
Do sangue nascerão!
O sangue ensinará
— ou nova escravidão
maior há-de enlutar
teus campos semeados
de forcas e tiranos.
De sangue banharás
teu corpo atormentado
e, Fénix, viverás!
III
Na erma solidão glacial da treva
os que não morreram velam.
Em vagas sucessivas de descargas
A morte ceifou os nossos irmãos.
O medo ronda,
o ódio espreita.
Todos os homens estão sozinhos.
A madrugada ainda virá?
Vão caindo um a um na luta sem trincheiras,
e a noite parece que não terá nunca madrugada,
mas cada gota de sangue é agora semente de revolta,
da revolta que varrerá da face da terra
os sacerdotes sinistros do terror.
A revolta a florir em esperança
dos braços e das bocas que ficaram...
A traição ronda,
A morte espreita.
Uma comoção de bandeiras ao vento...
Clarins de aurora, ao longe...
Os que não morreram velam.
IV
Eu falo das casas e dos homens,
dos vivos e dos mortos:
do que passa e não volta nunca mais...
Não me venham dizer que estava matematicamente previsto,
ah, não me venha com teorias!
eu vejo a desolação e a fome,
as angústias sem nome,
os pavores marcados para sempre nas faces trágicas das vítimas.
E sei que vejo , sei que imagino apenas uma ínfima,
uma insignificante parcela de tragédia.
Eu, se visse, não acreditava.
Se visse, dava em louco ou em profeta,
dava em chefe de bandidos, em salteador de estrada,
— mas não acreditava!
Olho os homens, as casas e os bichos.
Olho num pasmo sem limites,
e fico sem palavras,
na dor de serem homens que fizeram tudo isto:
esta pasta ensangüentada a que reduziram a terra inteira,
esta lama de sangue e alma,
de coisa e ser,
e pergunto numa angústia se ainda haverá alguma esperança,
se o ódio sequer servirá para alguma coisa...
Deixai-me chorar — e chorai!
As lágrimas lavarão ao menos a vergonha de estarmos vivos,
de termos sancionado com o nosso silêncio o crime feito instituição,
e enquanto chorarmos talvez julguemos nosso o drama,
por momentos será nosso um pouco de sofrimento alheio,
por um segundo seremos os mortos e os torturados,
os aleijados para toda a vida, os loucos e os encarcerados,
seremos a terra podre de tanto cadáver,
seremos o sangue das árvores,
o ventre doloroso das casas saqueadas,
— sim, por um momento seremos a dor de tudo isto...
Eu não sei porque me caem lágrimas,
porque tremo e que arrepio corre dentro de mim,
eu que não tenho parentes nem amigos na guerra,
eu que sou estrangeiro diante de tudo isto,
eu que estou na minha casa sossegada,
eu que não guerra à porta,
— eu porque tremo e soluço?
Quem chora em mim, dizei — quem chora em nós?
Tudo aqui vai como um rio farto de conhecer os seus meandros:
As ruas são ruas com gente e automóveis,
Não há sereias a gritar pavores irreprimíveis,
e a miséria é a mesma miséria que já havia...
E se tudo é igual aos dias antigos,
Apesara da Europa à nossa volta, exangue e mártir,
eu pergunto se não estaremos a sonhar que somos gente,
sem irmãos nem consciência, aqui enterrados vivos,
sem nada senão lágrimas que vêm tarde, e uma noite à volta,
uma noite em que nunca chega o alvor da madrugada...
V
A música era linda...
vinha do rádio, meiga, mansa,
macia como um corpo quente de mulher...
era doce, cariciosa e lânguida...
Mas eu tinha ainda nos ouvidos,
como um clamor de milhões de bocas:
“No campo de concentração hoje ocupado pelas nossas tropas
os alemães queimaram milhares de vivos num formo crematório...
Nas cubatas, os mortos misturavam-se com os moribundos...
O sargento S.S. não pôde recordar quantos homens tinha morto...
Os mortos apodrecem aos montes, e os vivos
arrancam-lhes as roupas
para as fogueiras em que ao lado se aquecem...
EM MUITOS CADÁVERES ENCONTROU-SE UM CORTE LONGITUDINAL:
ERAM OS VIVOS QUE TINHAM TIRADO AOS MORTOS O FÍGADO
E OS RINS PARA COMER,
A ÚNICA CARNE QUE AINDA RESTAVA NOS CADÁVARES...”
E lembro-me de repente dum filme muito antigo
Em que o criminoso perguntava:
“De quoi est fait un homme, monsieur le comissaire?”
e nos seus olhos lia-se o pavor
de quem vi u um abismo e não lhe sabe o fundo...
De quoi est fait un homme? De que são feitos os homens
que queimaram vivos outros homens? Que tinham centos de crianças
a morrer de fome e pavor, escravos como os pais?
que matavam ou deixavam morrer homens aos milhões,
que os faziam descer ao mais fundo da degradação,
torturados, esfomeados, feitos chaga e esqueleto?
Eram esses mesmos homens
que faziam pouco da liberdade,
que vinham salvar o mundo da desordem,
que vinham ensinar a ORDEM ao planeta!
Sim, que traziam a paz com as grades das prisões,
a ordem com as câmara de tortura...
E depois a música vem, cariciosa e lenta,
a julgar que apaga a ignomínia que lançaram sobre a terra!
A julgar que esqueceremos a abjecção dos que sonharam
apagar da terra a insubmissão do homem livre!
Não — nem cárceres, nem deportações, nem represálias, nem torturas
acabarão jamais com a insubmissão do homem livre,
do homem livre nas cadeias, cantando nas torturas,
porque vê diante de si os irmãos que estão lutando,
que hão-se-cair, para outros sempre se erguerem,
clamando em vozes sempre novas
QUE O HOMEM NÃO SE HÁ-DE SUBMETER À VIOLÊNCIA!
Homens sem partido e de todos os partidos,
que nasceram com a revolta porque não lhes vale de
nada viver para serem escravos,
homens sem partido e de todos os partidos —, menos todos quantos
só sabem dizer ORDEM! e clamar VIOLÊNCIA!
os que pedem sangue porque são sanguinários, sim,
mas também todos os que nunca souberam querer nada,
os que dizem “Não é possível que se torturem os presos políticos”,
os que não podem acreditar
porque não querem ser incomodados pela pestilência
dos crimes cometidos para eles
— para eles continuarem a acreditar que a ORDEM não é
apenas a mordaça
sobre as bocas livres que hão-de gritar até ao fim do mundo
QUE SÓ O HOMEM LIVRE É DIGNO DE SER HOMEM!
(Europa, 1944-45)
ODE AL TEJO E À MEMÓRIA DE ÁLVARO DE CAMPOS
E aqui estou eu,
ausente diante desta mesa -
e ali fora o Tejo.
Entrei sem lhe dar um só olhar.
Passei, e não me lembrei de voltar a cabeça,
e saudá-lo deste canto da praça:
"Olá, Tejo! Aqui estou eu outra vez!"
Não, não olhei.
Só depois que a sombra de Álvaro de Campos se sentou a meu lado
me lembrei que estavas aí, Tejo.
Passei e não te vi.
Passei e vim fechar-me dentro das quatro paredes, Tejo!
Não veio nenhum criado dizer-me se era esta a mesa em que Fernando
Pessoa se sentava,
contigo e os outros invisíveis à sua volta,
inventando vidas que não queria ter.
Eles ignoram-no como eu te ignorei agora, Tejo.
Tudo são desconhecidos, tudo é ausência no mundo,
tudo indiferença e falta de resposta.
Arrastas a tua massa enorme como um cortejo de glória,
e mesmo eu que sou poeta passo a teu lado de olhos fechados,
Tejo que não és da minha infância,
mas que estás dentro de mim como uma presença indispensável,
majestade sem par nos monumentos dos homens,
imagem muito minha do eterno,
porque és real e tens forma, vida, ímpeto,
porque tens vida, sobretudo,
meu Tejo sem corvetas nem memórias do passado...
Eu que me esqueci de te olhar!
O meu mal é não ser dos que trazem beleza metida na algibeira
e não precisam de olhar as coisas para as terem.
Quando não está diante dos meus olhos, está sempre longe.
Não te reduzi a uma idéia para trazer dentro da cabeça,
e quando estás ausente, estás mesmo ausente dentro de mim.
Não tenho nada, porque só amo o que é vivo,
mas a minha pobreza é um grande abraço em que tudo é sempre virgem,
porque quando o tenho, é concreto nos braços fechados sobre a posse.
Não tenho lugar para nenhum cemitério dentro de mim...
E por isso é que fiquei a pensar como era grave ter passado
sem te olhar, ó Tejo.
Mau sinal, mau sinal, Tejo
Má hora, Tejo, aquela em que passei sem olhar para onde estavas.
Preciso dum grande dia a sós comigo, Tejo,
levado nos teus braços,
debruçado sobre a cor profunda das tuas águas,
embriagado do teu vento que varre como um hino de vitória
as doenças da cidade triste e dos homens acabrunhados...
Preciso dum grande dia a sós contigo, Tejo,
para me lavar do que deve andar de impuro dentro de mim,
para os meus olhos beberem a tua força de fluxo indomável,
para me lavar do contágio que deve andar a envenenar-me
dos homens que não sabem olhar para ti e sorrir à vida,
para que nunca mais, Tejo, os meus olhos possam voltar-se para outro lado
quando tiverem diante de si a tua grandeza, Tejo,
mais bela que qualquer sonho,
porque é real, concretas, e única!
(Noite Aberta os Quatro Ventos, 1943)
PERMANÊNCIA
Não peçam aos poetas um caminho. O poeta
não sabe nada de geografia celestial.
Anda aos encontrões da realidade
sem acertar o tempo com o espaço.
Os relógios e as fronteiras não tem
tradução na sua língua. Falta-lhe
o amor da convenção em que nas outras
as palavras fingem de certezas.
O poeta lê apenas os sinais
da terra. Seus passos cobrem
apenas distâncias de amor e
de presença. Sabe
apenas inúteis palavras de consolo
e mágoa pelo inútil. Conhece
apenas do tempo o já perdido; do amor
a câmara escura sem revelações; do espaço
o silêncio de um vôo pairando
em toda a parte.
Cego entre as veredas obscuras é ninguém e nada sabe
— morto redivivo.
Tudo é simples para quem
adia sempre o momento
de olhar de frente a ameaça
de quanto não tem resposta.
Tudo é nada para quem
descreu de si e do mundo
e de olhos cegos vai dizendo:
Não há o que não entendo.
AURORA
A poesia não é voz - é uma inflexão.
Dizer, diz tudo a prosa. No verso
nada se acrescenta a nada, somente
um jeito impalpável dá figura
ao sonho de cada um, expectativa
das formas por achar. No verso nasce
à palavra uma verdade que não acha
entre os escombros da prosa o seu caminho.
E aos homens um sentido que não há
nos gestos nem nas coisas:
vôo sem pássaro dentro.
(Vôo sem Pássaro dentro, 1954)
VEM VENTO, VARRE
Vem vento, varre
sonhos e morto
Vem vento, varre
medos e culpas.
Quer seja dia,
quer faça treva,
varre sem pena,
leva adiante
paz e sossego,
leva contigo
noturnas preces,
presságios fúnebres,
pávidos rostos
só covardia.
Que fique apenas
ereto e duro
o tronco estreme
de raiz funda.
Leva a doçura,
se for preciso:
ao canto fundo
basta o que basta.
Vem vento, varre!
MADRUGADA
Ah! Este poema das madrugadas,
que há tanto tempo enrodilhado
num sem-fim de estados de alma
me obcecava, tirânico,
sem se deixar fixar! ...
Madrugada... e esta solidão crescendo,
esta nostalgia maior, e maior, e maior,
de não se sabe o quê
— nunca se sabe o quê...
que haverá nestas horas sozinhas e geladas,
para assim trazer à tona as indefinidas mágoas,
as saudades e as ânsias sem motivo
— de que não sabemos o motivo?...
Vieram as saudades do tempo de menino
— ou dum paraíso lá não sei onde?
Ah! que fantasmas pesaram sobre os ombros,
que sombras desceram sobre os olhos,
que tristeza maior fez maior o silêncio?
A que vem esse calor distante e absorto,
esse calar, esses modos distraídos?
Meu pobre sonhador! a esta hora
porventura se desvenda a Suprema Inutilidade?
e a definitiva ilusão de tantos gestos?
Interroga, interroga...
vai sonhando,
sem que saibas sequer o caminho que segues
vai, distraído e pensativo,
alheio de hoje,
vivendo já o derradeiro segundo...
Que a madrugada tem o pungir das agonias,
mas alheio, como o fim dum pesadelo...
TEXTOS EN ESPAÑOL
Tradução de Rodolfo Alonso
EUROPA
I
¡Europa, sueño futuro!
¡Europa, mañana por venir,
fronteras sin perros de guardiã,
naciones com su risa franca
abiertas de par em par!
Europa sin miserias arrastrando sus andrajos,
¿vendrás un dií, vendrá el día
en que renazcas purificada?
¿Serás un día el hogar común de los que nacieron
en tu suelo devastado?
¿Sabrás renacer, Fénix, de las cenizas
en que arda al fin, falsa grandeza,
la gloria que tus pueblos se soñaron,
— cada uno queriéndote toda para si?
¡Europa, sueño futuro,
si algún día ha de ser!
¡Europa que no supiste
oír del fondo de los tiempos
la voz clamando en la tiniebla
que grandeza no era
ser pródiga solo del espíritu
si del pan era avara!
Tu grandeza la hicieron
los quenunca preguntaron
la raza a quien servían.
¡Tu gloria la ganaron
manos que libres de cadenas
en un sueño siempre por alcanzar!
¡Europa, oh mundo a crear!
Europa, oh sueño por vernir
mientras no bajen a la tierra
las vocês que ya moldearon
tu figura ideal.
¡Europa, sueño increado
tu espíritu sobre las aguas!
Europa sin misérias arrastrando sus andrajos,
¿vendrás un día, vendrá el día
en que renazcas purificada?
¿Serás un dia el hogar común del los que nacieron
en tu cuerpo dividido?
¡Europa, tú vendrás solo cuando entre las naciones
el ódio no tenga la última palabra,
el ódio no guíe a la mano avara,
la mano no dé aliento al ronco son de entierro
de los cofres dirigiendo la sangre del rebaño,
y del rebaño muerto, al fin, a la luz del día,
el hombre que soñaste, Europa, sea vida!
II
¡Oh civilización muerta!
¡Tu sangre putrefacta, nunca más!
¡Cadáver tieso, resecado,
a la fosa, a la fosa!
¡Tu canto nuevo, esse sí!
¡Purificado,
tu nombre Europa,
el mal que fuiste, redimido,
el bien que diste,
repartido!
Ahí va el cadáver adornado con discursos,
floreciendo en llaga, en pus, en asco...
Cadáver adornado con guerras de fronteras,
ficciones para servir al sueño de violência,
máscaras de ideal cubriendo viejas rabias...
¡Vé, cadáver adornado de crímenes,
que los sepultureros sin descanso,
encuentran toda la tierra poça,
ya ninguna sangre les alcanza!
Sobre el cadávaer bailan
su danza de tus sepultureros.
Cuervos de negro aurgurio
chupan tu sangre de desgracia.
¡Haya más sangre, pero bailan!
¡Y tú llevada, tú danzando
los pasos de tu baile
funerario!
¡Per4 de la sangre nacerás,
o nunca más, Europa del porvenir!
¿Y mano quer te detenga
a orillas del abismo?
¡Nascerán de la sangre!
La sangre enseñará,
— o nueva esclavitur
mayor há de enlutar
a tus campos sembrados
de horcas y tiranos.
¡De sangre bañarás
tu cuerpo atormentado
y, Fénix, vivirás!
III
En la yerma soledad glacial de la tiniebla
los que no murieron velan.
En olas sucesivas de descargas
La muerte segó a nuestros hermanos.
El miedo ronda,
el odio acecha.
Todos los hombres están solos.
¿Llegará aún la madrugada?
Van cayendo uno a uno en la lucha sin trincheras,
y de noche parece que no tendrá nunca madrugada,
pero cada gota de sangre es ahora simiente de rebelión,
de la rebelión que barrerá de la faz de la tierra,
los sacerdotes siniestros del terror.
La rebelión floreciendo en esperanza
de los brazos y la bocas que quedaron.
La traición ronda,
La muerte acecha.
Una conmoción de banderas al viento...
Clarines de aurora, a lo lejos...
Los que no murieron velan.
IV
Yo hablo de las casas y de los hombres,
de los vivos y de los muertos:
de lo que pasa y no vuelve nunca más...
No me vengan a decir que estaba matemáticamente previsto,
¡ah, no me vengan con teorias!
Yo veo la desolación y el hambre,
las angústias sin nombre,
los pavores marcados para siempre en los rostros trágicos de las víctimas.
Y sé que veo, sé que imagino apenas uma ínfima,
una insignificante parcela de la tragédia.
Yo, si lo viese, no lo creería.
Si lo viese, me volveria loco o profeta,
me volveria jefe de bandidos, salteador de caminos,
¡pero no lo creería!
Miro a los hombres, los animales y las casas.
Miro en un pasmo sin limites
Y quedo sin palabras,
al ver que fueron hombres quienes hicieron todo esto:
esta pasta ensangrentada a que redujeron la tierra entera,
este barro de sangre y alma,
de cosa y ser,
y pregunto en una angustia si todavía habrá alguna esperanza,
si el ódio servirá siquiera para algo...
¡Déjenme llorar, y lloren!
Las lágrimas lavarán al menos nuestra vergüenza de estar vivos,
de haber sancionado con nuestro silencio el crimen vuelto institución,
y mientras lloramos tal vez juzguemos nuestro el drama,
por momentos será nuestro un poco del sufrimiento ajeno,
por un segundo seremos los muertos y los torturados,
los alejados para toda la vida, los locos y los encarcelados,
seremos la tierra putrefacta de tanto cadáver,
seremos la sangre de los árboles,
el vientre doloroso de ls casas saqueadas,
— sí, por un momento seremos el dolor de todo esto...
Yo no sé por qué me caen las lagrimas,
por qué tiemblo y qué escalofrío corre dentro de mí,
yo que no tengo parientes ni amigos en la guerra,
yo que soy extranjero frente a todo esto,
yo que estoy en mi casa sosegada,
yo que no tengo guerra a la puerta,
¿yo por qué tiemblo y sollozo?
¿Quién llora en mí, digan, quién llora en nosotros?
Todo aquí va como un rií harto de conocer sus meandros:
las calles son calles con gente y automóviles,
no hay sirenas gritando pavores irreprimibles,
y la miséria es la misma miséria que ya había...
Y si todo es igual a los días antiguos,
a pesar de la Europa próxima, exangüe y mártir,
yo pregunto si no estaremos soñando que somos gente,
sin hermanos ni conciencia, aquí enterrados vivos,
sin nada em la que nunca llega el claror de la madrugada.
V
La música era linda...
venía de la radio, bruja, mansa,
suave como un cálido cuerpo de mujer...
era dulce, acariciadora y lánguida...
Pero yo aún tenía en los oídos,
como un clamor de millones de bocas:
“En el campo de concentración ocupado hoy por nuestras tropas
los alemanes quemaron millares de vivos en un horno crematorio...
En las barracas, los muertos se mezclan con los moribundos...
El sargento S.S. no pudo recordar cuántos hombres había matado...
Los muertos se pudren en los montes, y los vivos les arrancan las ropas
para las hogueras a cuyo lado se calientan...
EN MUCHOS CADÁVERES SE ENCONTRÓ UN CORTE LONGITUDINAL:
ERAN LOS VIVOS QUE HABÍAN ARRANCADO A LOS MUERTOS
LA ÚNICA CARNE QUE AÚN QUEDABA EM LOS CADÁVERES...”
Y me acuerdo de repente de un film muy antiguo
en que el criminal preguntaba:
“De quoi est fai un homme, monsieur Le comissaire?”
y en sus ojos se leía el pavor
del que vio um abismo y no conoce el fondo...
De quoi es fait un homme? ¿De qué están hechos los hombres
que quermaron vivos a otros hombres, que tenían ciento de niños
muriendo de hambre y pavor, esclavos como los padres,
que mataban o dejaban morir hombres por millones,
que los hacían descender a lo más hondo de la degradación,
torturados, hambreados, hechos llaga y esqueleto?
¡Eran esos mismos hombres
que daban poco por la libertad,
que venían a enseãnr el ORDEN al planeta!
Sí, que traían la paz con las rejas de las prisiones,
el orden con las cámaras de torutura...
¡Y después llega la música, acariciadora y lenta,
a creer que apaga la ignominia que lanzaron sobre la tierra!
¡A creer que olvidaremos la abyección de los que soñaron
apagar de la tierra la isnumisión del hombre libre!
No: ni cárceles, ni deportaciones, ni represálias, ni torturas
acabarán jamás con la insumición del hombre libre,
del hombre libre em las cadenas, cantando en las torturas,
porque ve delante de sí a los hermanos que están luchando,
que han de caer, para que otros siempre se yergan,
clamando en voces siempre nuevas
¡QUE EL HOMBRE NO SE HA DE SOMETER A LA VIOLENCIA!
Hombres sin partido y de todos los partidos,
que nacieron con la rebelión porque no les sirve de nada
vivir para ser esclavos,
hombres sin partido y de todos los partidos, menos todos aquellos
que sólo saben decir ¡ORDEN! Y reclamar ¡VIOLENCIA!
los que piden sangre porque son sanguinários, sí,
pero también todos los que nunca supieron querer nada,
los que dicen “No es posible que se torture a los presos políticos”,
los que no pueden creer
porque no quieren ser incomodados por la pestilência de los
crímenes cometidos por ellos,
para que ellos continúen creyeno que el ORDEN no es
apenas la mordaza
sobre las bocas libres que han de gritar hasta el fín del mundo
¡QUE SÓLO EL HOMBRE LIBRE ES DIGNO DE SER HOMBRE!
ODA AL TAJO Y LA MEMORIA DE ÁLVARO DE CAMPOS
Y aquí estoy yo,
ausente ante esta mesa —
y allí afuera el Tajo.
Entré sin echarle uma sola mirada.
Pasé, y no me acordé de volver la cabeza,
y saludarlo desde esta esquina de la plaza:
“¡Hola, Tajo!” ¡Aquí estoy yo outra vez!”
No, no mire.
Sólo después que la sombra de Álvaro de Campos se sento a mi lado
me acordé que estabas ahÍ, Tajo.
Pasé y no te vi.
¡Pasé y vine a encerrarme entre estas cuatro paredes, Tajo!
No vino ningún criado a decirme si era esta la mesa en que Fernando
Pessoa se sentaba.
Contigo y los otros invisibles cerca suyo,
inventando vidas que no quería tener.
Ellos ignorabab como yo te ignore ahora, Tajo.
Todo son desconocidos, todo es ausência en el mundo,
todo indiferencia y falta de respuesta.
Arrastras tu masa enorme como un cortejo de gloria,
Y hasta yo que soy poeta paso a tu lado con ojos cerrados,
Tajo que no eres mi infância,
pero que estás dentro de mí como una presencia indispensable,
majestad sin par en los monumentos de los hombres,
imagen muy mía de lo eterno,
porque eres real y tienes forma, vida, impetu,
porque tienes vida, sobre todo,
mi Tajo sin corbetas ni memorias del pasado...
¡Yo que me olvide de mirarte!
Mi mal es no ser de los que traen la belleza metida en el bolsillo
y no necesitan de mirar las cosas para tenerlas.
Cuando no está delante de mis ojos, está siempre lejos.
No te reduje a una idea par traer dentro de la cabeza,
y cuando estás ausente, estás asimismo ausente dentro de mí.
No tengo nada, porque sólo amo lo que está vivo,
pero mi pobreza es um gran abrazo donde todo es siempre
virgen,
porque cuando lo tengo, es concreto em los brazos cerrados
sobre la posesión.
No tengo lugar para ningún cementerio dentro de mí....
Y por eso es que quede pensando qué grave era Haber
pasado sin mirarte, oh Tajo.
Mala señal, mala señal, Tajo.
Mala hora, Tajo, aquella en que pasé sin mirar hacia donde estabas.
Necesito de un gran dia a solas contigo, Tajo,
llevado en tus brazos,
inclinado sobre el color profundo de tus aguas,
embriagado de tu viento que barre como un himno de Victoria
las enfermedades de la ciudad triste y de los hombres agobiados...
Necesito un gran día a solas contigo, Tajo,
para lavarme de lo que debe andar de impuro dentro de mí,
para que mis ojos beban tu fuerza de flujo indomable,
para lavarme del contagio que debe andar envenenándome
de los hombres que no saben mirarte y sonreír a la vida,
para que nunca más, Tajo, mis ojos puedan volverse hacia outro lado
cuando tengan delante suyo a tu grandeza, Tajo,
más bella que cualquier sueño,
¡porque es real, concreta, y única!
PERMANENCIA
No pidan a los poetas un camino. El poeta
no sabe nada de geografía
celestial. Anda
a los encontronazos con la realidad
sin acertar el tiempo con el espacio.
Los relojes y las fronteras no tienen
traducción en su lengua. Le falta
el amor de la convención donde en las otras
las palabras se finjen certezas.
El poeta lee apenas las señales
de la tierra. Sus pasos cubren
apenas distancias de amor y
de presencia. Sabe
apenas inútiles palabras de Consuelo
y penas por lo inútil. Conoce
apenas del tiempo lo perdido ya; del amor
el cuarto oscuro sin revelaciones; del espacio
el silencio de un vuelo al pairo
en todas partes.
Ciego entre las veredas oscuras es nadie y nada sabe
— muerto redivivo.
AURORA
La poesía no es voz — es pura inflexión.
Decir, dice todo la prosa. En verso
nada se acrecienta a nada, solamente
un modo impalpable da figura
al sueño de cada uno, expectativa
de las formas a hallar. Em verso nace
a la palabra una verdad que no halla
su camino en los escombros de la prosa.
Y a los hombres un sentido que no hay
Ni en los gestos ni en las cosas:
vuelo sin pájaro adentro.
Textos extraídos de la obra POETAS PORTUGUESES Y BRASILEÑOS DE LOS SIMBOLISTAS A LOS MODERNISTAS; organización y estúdio introductorio: José Augusto Seabra. Buenos Aires: Instituto Camões; Editora Thesaurus, 2002. 472 p. ISBN 85-7062-323-2
Agradecemos ao Instituto Camões a autorização para a publicação dos textos, em parceria visando a divulgação da literatura de língua portuguesa em formato bilíngüe na web.
Página publicada em maio de 2008.
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