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AMÉRICO FERRARI
Américo Ferrari nació en Lima, Perú, en 1929. Poeta, traductor y ensayista. Entre sus libros de poesía publicados, se encuentran: El silencio de las palabras (Málaga, Cuadernos del sur, Publicaciones de la Librería Anticuaria el Guadalhorce (1972); Espejo de la ausencia y la presencia, Cuadernos de María Isabel (1972); Las metamorfosis de la evidencia (Lima, Ediciones de la Clepsidra, 1974); Tierra desterrada (Lima, Arríbalo, 1980); La fiesta de los locos (Barcelona, Auqui, 1982); Para esto hay que desnudar a la doncella (Obra Poética 1949-1997. Barcelona, Los libros de la Frontera. El Bardo Colección de Poesía, 1998); y Casa de Nadies (Lima, Gonzalo Pastor Editor, 2000).
Ha traducido del alemán a poetas esenciales como Novalis (Himnos a la noche Cánticos espirituales) y y George Trakl (Sebastián en sueños). Algunos libros de ensayo: César Vallejo (en colaboración con Georgette Vallejo. Paris, Segher éditeur. Collection Poétes d'Aujourd´hui, 1967); Los sonidos del silencio. Poetas peruanos del siglo XX (Lima, Mosca Azul, 1990) y El bosque y sus caminos. Estudios sobre poesía y poética hispanoamericanas (Valencia, España, Pre-textos, 1993).
Extraído de
POESIA SEMPRE. Número 28. Ano 15 / 2008. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2008. 246 p. Editor Marco Lucchesi. Ex. bibl. Antonio Miranda.
Traduções ao Português por FLORIANO MARTINS
Sem transição
o sonho destilou suas últimas essências
e aqui estamos despertos com os olhos comidos
de tanto não ver - nos cristais
grudam-se apenas os lábios da noite
lá fora o ar cessa umas formas estranhas
desfazem-se no pó líquido do tempo
na obliquidade de tudo o que se rompe enquanto
chegam ao porto barcos carregados de alimentos
futuros para o sangue delgado e mortal
que nos unia com o mundo — agora
não mais: o olho naufraga sem remédio
o ouvido naufraga as mãos naufragam sem remédio
neste remanso blindado de dúcteis pombas
e o algodão monstruoso do esquecimento fecha
a janela os olhos que gritam os céus a claridade
Poeta beberrão reflete sobre o vício da gula
fazedor de distância eu me disse
eis aqui que aperta o tempo e o receio
de que teu espelho audaz reverta o véu
e a distância te estreite em nicho —
ou não cabe infinito em teu capricho
sonoro se a altura rouba o voo
se acaso sedento bebedor de céu
tragas o mau deus com o bom bicho?
e o digeres e queres mais: substância?
e esta insaciável fórmula é tua sina?
e encerras no signo o grande objeto?
encerrado tu mesmo em tua distância
encerrando tu mesmo libertino
amador de substâncias teu esqueleto
Lembre a alma adormecida
a lembrança morre duas vezes rostos
e visões duplamente selados
pelo sonho ocultam-se tenaz —
mente detrás da fumaça do instante —
morreu uma vez o rosto amado quando
se tornou conhecido e foi encontrado —
morreu outra vez quando o amante despertou
do sonho de amor e em solidão
apagou os limites entre um e um
e sonhou como se fosse do mundo — então
já não soube imaginar e não pôde
despertar do grande cinza - dormiu a lembrança
e a visão é agora tão-somente reflexo
não a presença fugida
no encantamento do mundo: é apenas
algo que se gruda às coisas ou
gira entre as coisas algo usado
como uma coisa: assim morrendo
a diário enquanto o tempo nos isola
detrás de sua neblina onde transcorre o sonho e nunca
nos permite lembrança ou despertar nem quer
que voltemos e no entanto
está aí e é morte essa lembrança
e há de seguir sendo em sua segunda morte
até que um dia
morra pela torreira vez a última a boa
do âmbito estranho o mundo
escavando-nos
Página publicada em setembro de 2018
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