POESIA DE GOA – ÍNDIA
Coordenação de AUROBINDO XAVIER
ADEODATO BARRETO
(1905/1937)
Júlio Adeodato Barreto nasceu em Margão, no contexto do antigo espaço colonial português na Índia, no dia 3 de Dezembro de 1905, dia de S. Francisco Xavier, vindo a falecer em Coimbra. As suas obras contêm importantes arquétipos e paradigmas da cultura hindu. Nos seus poemas observam-se as noções de eterno retorno e de transmigração das almas, âncoras da filosofia indiana. A publicação póstuma do autor – “O Livro da Vida” – contém poemas cuja inspiração e temática foi encontrar no manancial riquíssimo da cultura Indiana, refletindo a sua mente totalmente oriental.
As azinheiras
São como eu aquelas azinheiras do montado...
Como o verão alegre põe doçuras
e sorrisos no côncavo estrelado,
aprestam, em sorrisos, seu toucado
e vão erguendo ao céu os galhos novos.
Mas sob o verde-claro dos renovos
o negro da tristeza se lhes adensa, em rama, tristemente nos abrigos;
a quem as vê por dentro já pressente
o inverno que ameaça a Natureza:
—igual ao que adensa na minha alma,
igual ao que não veem meus amigos...
O Génesis da Mulher
Deus, logo que fez as flores,
Parou e pôs-se a cismar...
— Falta a flor dos meus amores.
Vou outra flor inventar.
Colheu lírios e boninas,
Rosa... cravo e malmequer,
Mogarins, zaiôs e cravinas...
E fez de tudo a mulher.
Viu, porém, que a nova flor
Era a que mais graça tinha
Disse, então, cheio de amor:
— Não és só flor, és rainha!
Pôs-lhe na fronte a pureza,
Na boca um terno sorriso,
No coração a firmeza...
Esqueceu dar-lhe... juízo.
Romagem Inútil
Porque buscas o Bem, santo romeiro,
em longínquos países, sempre a andar?
Antes que partas, busca-o, primeiro,
(Talvez o encontres...) no teu próprio lar...
A Peneira
Aquele pobre insensato
que despreza o Permanente,
por um prazer aparente
só por ser imediato:
Lembra a peneira doidinha,
tão doida quanto fininha,
que, conservando o farelo,
deixa fugir a farinha...
Redenção
Goa bela!
Olha os Gates em chama!
Olha a crista revolta
que se inflama!
Andam tigres à solta
nos bosques de Bengala!
É a Índia que te fala!
É a Índia que te chama!
Olha os Gates floridos, Goa bela!
Seus píncaros parecem mil canteiros
de corolas subtis, multicolores;
nos seus desfiladeiros,
a Água se transforma em mar de leite
e o leite em mar de Flores!
Eis a Manhã de Glória, que desponta
num clarão!
Goa! Olha os Gates floridos!
Olha os reflexos da Aurora
da tua redenção!
Vês como, além, o areal palpita
e as arequeiras
suas copas virentes entrelaçam
ao seu calor?
No jangál já vê o wág se não agita,
e, alacres, despertam capoeiras,
e mil casais se enlaçam
com amor...
É o fulgor
da tua manhã de Glória que os excita!
Ó Goa bela, ouve os Gates cantando:
nos seus mihares
de ollos seculares
— imensas catedrais abobadadas —
acordam as ninhadas!
A brisa do Decão traz-nos, dos ninhos,
suas canções:
parecem luz a entrar aos bocadinhos
nos corações!
Olha os Gates, ó Goa, Goa bela!
Vê como as verdes olas se espanejam
nos seus palmares;
e os bule-bules gárrulos festejam
a hora do resgate!
O coco, escrínio de oiro,
tingiu-se de mais loiro,
e nas searas das morodas
se aloira mais o bate!
Goa bela!
Eis o pólen da Vida
que Súria vem verter nos teus jardins!
Abre à Vida o teu peito:
o seu beijo fecundo redimida,
a Natureza juncará teu leito
de mogarins!...
O Mar, teu bardo antigo,
teu velho amante,
estorce-se em tuas praias suplicante,
esmolando carícias:
(blandícias
de traição...)
Mas não lhe volvas teu olhar amigo,
ó Goa bela!
O mar é um inimigo:
se te traz a monção,
também te traz procela
e já te trouxe a santa
Inquisição...
O Mar, teu velho amante?
Tola a paixão qu’inda por ele nutres!
pelos trilhos
do seu dorso gigante,
pombas de brancas asas,
(por dentro abutres
de goela hiante...)
vieram sobre ti banquetear-se
e te servirem fogo em vez de luz:
e mancharem teus lares
e queimarem teus filhos,
teus livros, teus tesouros, teus altares
frias, pálidas mãos alçando a Cruz!
E com os filhos queimados,
com os livros perecidos,
os altares destruídos
e os templos profanados,
os teus Deuses te deixaram,
os teus sábios morreram
as virtudes debandaram
e... os abolins feneceram...
Hoje na tua vida
tudo é monotonia:
sem ciência nem cultura, sem gênios nem poetas
vegetas...
Pobre mina exaurida!
No ritmo da ataxia
a seiva produtiva
estancou em tuas veias...
E crês-te progressiva!
E pensas iludir essa melancolia
caiando de alvaiade as faces bronzeadas,
a fingir de.... europeias!
Mas ficam furta-cores...
Águias ousadas
e inquietas,
condores
ansiosos de vida e de espaços,
teus filhos,
buscando novos trilhos
abandonam-te em triste debandada.
Uns encontram a Glória, outros a Morte:
eles, águias inquietas
na sua sede de vida e de espaços!
Mas tu, indiferente à sua sorte,
comes do ganho dos seus braços
e encostas-te às muletas
como uma velha trôpega e cansada!
Eis a lição,
“a exploração”,
que te legou a Europa, tua senhora:
ela explorou-te outrora,
tu exploras agora
os filhos do teu próprio coração!
Pobre Goa, tão pobre! Em que ignóbil carcaça
pôs a tua alma d´ouro, a hora da desgraça!
Teu cérebro esgotado
dormiu na inconsciência!
E, esquecido o passado,
interrupta a História,
bate em vão a alheias portas em busca da Ciência!
Vai em balde a estranhas terras à procura da Glória!
Ó Goa bela! Acorda!
Esquece-te e recorda!
Esquece os longos anos de desdita,
de miséria infinita,
de revolta, de luto, de opressão!
Esquece a Inquisição,
e o Jesuíta
que te torceu a alma,
que te deixou por arma
a hipocrisia,
e cavou mil abismos penetrantes
(fé, costumes, língua, tradição...)
entre
os filhos do teu ventre.
Esquece-te das noites horrorosas
e trágicas, de incêndios crepitantes
em que, templo após templo,
campo após campo,
se consumia
o melhor das riquezas portentosas
que no teu seio havia.
Ó Goa bela, acorda!
Esquece-te e recorda!
Recorda a tua História!
Folheia o Livro de Ouro do Passado!
Volve às eras de glória
em que eras grande, em que eras moça e sábia,
em que os homens do Pérsico e do Tigre
te vinham ofertar corcéis da Arábia
e tu lhes davas sândalo e gengibre;
em que os teus cinco rios,
cantados
pelas puranas santas
lavavam os pecados
e eram visitados:
rios cuja água, bebida,
era uma fonte de amor, doçura e vida!
Esses tempos passaram,
estas glórias morreram,
essas árvores d´ouro feneceram,
e as águas sagradas,
abandonadas,
se profanaram...
Jamais um batelão
de quilha donairosa
flutuou triunfante à tona do Zuari;
e a flor da tradição
tremeu e, pressurosa
fugiu de ao pé de ti...
Outros povos, porém, outros ares mais puros
e reinos mais seguros
guardaram com unção
o seu botão.
Hoje, desabrochada, as pétalas estrela
e estende para ti:
E sobre o gineceu — exulta ó Goa bela! —
surge, de novo, ovante, a Deusa Lakximi!
E agora
olha a manhã de glória que desponta
num clarão:
É ela
— Ó Goa bela!
São os Gates floridos!
São os reflexos da Aurora
da tua redenção!
A POESIA É PARA COMER: iguarias para corpo e para o espírito. Seleção de poemas Ana Vidal; coordenação editorial Renata Lima. São Paulo: Rabel, 2011. 252 p. 23,5x31,5 cm. Capa dura. Impresso em papel couchê matte 170 g/m2.
Ex. bibl. Antonio Miranda
Imagem:
https://austria-forum.org/af/Geography/Asia/India/Special_Information/India_Goa%28AP%29
Redenção
Goa bela!
Olha os Gates em chama!
Olha a crista revolta
que se inflama!
Andam tigres à solta
nos bosques de Bengala!
É a Índia que te fala!
É a Índia que te chama!
Olha os Gates floridos,, Goa bela!
Seus píncaros parecem mil canteiros
de corolas subtis, multicolores:
nos seus desfiladeiros,
a Água se transforma em mar de leite
e o leite em ar de flores!
(...)
Olha os Gates, ó Goa. Goa Bela!
Vê como as verdes olas se espanejam
nos seus palmares;
E os bule-bules gárrulos festejam
a hora do resgate;
O coco, a escrínio de ouro,
tingiu-se de mais loiro.
e as serras das morodas
se afloira mais o bate!
Ó bela Goa, acorda!
Esquece-te e recorda!
Recorda a tua História!
Folheia o livro de Ouro do Passado!
Volve às eras de glória
em que eras grande, em que eras moça e sábia,
em que os homens do Pérsico e do Tigre
te vinham ofertar corcéis da Arábia
e tu lhes davas sândalo e gengibre;
em que os teus cinco rios,
cantados
pelas puranas santas
lavavam os pecados
e eram visitados:
rio cuja água, bebida,
era uma fonte de amor, doçura e vida
(...)
(In: O livro da vida)
Foto: https://www.idntimes.com/travel/destination/brahm-1/gereja-peninggalan-portugal-di-goa-c1c2
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falta identifi
Página ampliada e republicada em setembro de 2022
Página publicada em agosto de 2017
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