POESIA GALEGA – (Galiza/España – Galícia/Espanha)
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XOSÉ LOIS GARCÍA
Nasceu em 22 de abril de 1945, na cidade de Lugo. Aos vinte anos passou a viver em Barcelona, onde estudou em vários cursos de sociologia no Instituto de Ciências Sociais e Políticas que, mais tarde, abandona para ingressar na Universidade de Barcelona, da qual é graduado em Filosofia e Letras. Atualmente, é Diretor do Arquivo Histórico Municipal de Sant Andreu de la Barca (Barcelona). Desenvolveu diversas atividades em prol da divulgação da cultura galega na Catalunha. Conferencista, articulista em várias publicações da Galicia, Espanha e do exterior. Ensaísta, crítico literário e de arte, dramaturgo.
Especialista em literatura de expressão portuguesa na África, antologista e tradutor. Sua obra inclui mais de cinqüenta livros publicados sobre diversos temas em galego, português e catalão. Realizou várias viagens a África e América. Pesquisador da obra de Agostinho Neto, o primeiro presidente de Angola, e de outros autores. Escreveu numerosos prólogos a livros de poesia. É membro de honra da União dos Escritores Angolanos. Publicou na Espanha a notável Antología de la poesía brasileña, bilíngüe {português – espanhol}, em 2001, pelo Programa de Apoio à Tradução de Obras de Autores Brasileiros, do Ministério da Cultura/ Fundação Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro).
Sua obra poética se compõe de vinte livros, diversificados em poesia amorosa, como “Aquarium” (1982), poesia erótica, como “Materia Corporal” (1986) e “Falo de Baco” (1998), a que temos de acrescentar “Kalendas” (2005).
Página do autor: http://www.xoseloisgarcia.com/
Veja também: XOSÉ LOIS GARCÍA, o mestre de Podente, por Aricy Curvello
TEXTO EM GALEGO / TEXTO EM PORTUGUÊS
SEIS LUARES TRISTES
PARA FEDERICO GARCÍA LORCA
Olla a choiva pol-a rúa,
laio de pedra e cristal.
Alta e fermosa luz
escava pedra no vidro
ausencia de labaradas
dunha noite no Vilar
e a Lúa remoe musgo
en pingas de soidade.
Choiva de plenitudes,
en diálogo coa noite,
tece a témera aurora
No ardor de Compostela
os ecos da pedra xemen
e danza o luar na fraga
con brétemas sosegadas
en noite de crisálidas.
Pol-a testa de Galicia
xa ven salaiando a i-alba.
Xa ven cargada de alma
con briosos gladíolos
e perfumada de lúa nova.
Polos cumes de Galiza,
vacas de prata e nácara
baixan coa brétema núa
e a Virxe da Barca leva
manto de bíblico liño,
mestura de terra e auga.
Os bois levan na barca
liso ouro de tempestade
e a Galiza esperanzada,
en súa atalaia máxica,
cóbrena sombras pagás.
Sauces e cabalos núos
creban o vidro das ágoas.
A melancolía cabalga e leva
a Ramón de Sismundi enriba,
e no río da Prata sinte
danzar dentro dos ollos
o lume boreal da alma
da vida maltreita e fría.
Triste Ramón de Sismundi
busca un manto de xustiza
e atopa néboas aterecidas,
ilusións que se lle apagan
en súas verbas acendidas.
Nas rúas de Buenos Aires,
Galiza, leva nos ollos a lúa
e bate nas portas e vaise.
Agoa despenada baixa da lúa
cobrindo de lirios a montana núa.
Era a lúa despeiteada
debruzándose sobre o mar
bagoas sobre o morto tecen
as noites en soidade.
Corpo de fábula e mirto,
leva mortallas de níquel
ungüentos de terra nobre,
mollado de poro en poro.
Ai meu irmán afogado
levas o luar na caluga,
o sol fascina teu rostro,
como un regato extraviado.
Sempre vence a quen muda
a vida, a morte sen atavíos.
Cabelos que van ao mar
onde as nubens teñen seu nítido pombal.
Trotade. Galopade cabalos
cos desexos en tempo enxoito,
prodixios en altas esferas
custodian as bóvedas luarentas.
A noite aturuxa nas guedellas
no pórtico de somas e delirios,
Galiza seu rostro mostra
perfumado de cardos e lirios.
¡Ai Rosalía! Briosa señora
fálache Federico García
o que mataron con insidia,
en Granada de cómaros verdes.
A lúa dos teus cabelos
enxuga profanadas bágoas.
Nai: É a lúa, é a lúa
na Quíntana dos mortos.
¿Quen bate na Berenguela?
É a lúa bebendo sombras
en murchas oliveiras.
Na Quintana dos mortos
as horas da Berenguela
rezan en pétrea choiva
e vibra o cántico na vida.
Rosalía en Compostela
e Federico na Quintana,
a dos mortos e dos vivos,
en crisálida nocturna clama
con súas horas violentadas.
Con lapas de lume e brisa
danza a lúa na Quíntana.
(Barcelona, 16 de setembro de 2006)
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TEXTO EM PORTUGUÊS
SEIS LUARES TRISTES
PARA FEDERICO GARCÍA LORCA
Tradução de Aricy Curvello
Olla a choiva pol-a rúa,
laio de pedra e cristal.
A alta e formosa luz
escava pedra no vidro,
ausência de labaredas
duma noite no Vilar
e a Lua remói musgo
em gotas de saudade.
Chuva de plenitudes,
em diálogo co’a noite,
tece a têmera aurora.
No ardor de Compostela
os ecos da pedra gemem
e dança na rocha o luar
com névoas sossegadas
em noite de crisálidas.
Pol-a testa de Galicia
xa ven salaiando a i-alba.
Já vem carregada de alma
com briosos gladíolos
e perfumada de lua nova.
Pelos cumes da Galícia,
vacas de prata e de nácar
baixam co’a névoa nua
e a Virgem da Barca leva
manto de bíblico linho,
mistura de terra e água.
Os bois levam na barca
liso ouro de tempestade
e a Galícia esperançada,
em sua atalaia mágica,
cobrem-na sombras pagãs.
Sauces e cabalos núos
creban o vidro das ágoas.
A melancolia cavalga e leva
Ramón de Sismundi em cima,
e no rio da Prata sente
dançar dentro dos olhos
o lume boreal da alma
da vida maltratada e fria.
Triste Ramón de Sismundi,
busca um manto de justiça
e encontra névoas hirtas de frio,
ilusões que se lhe apagam
em suas palavras acesas.
Nas ruas de Buenos Aires,
Galícia, leva nos olhos a lua
e bate nas portas e vai-se.
Agoa despenada baixa da lúa
cobrindo de lirios a montana núa.
Era a lua despeitada
debruçando-se sobre o mar,
lágrimas sobre o morto tecem
as noites em saudade.
Corpo de fábula e mirto,
leva mortalhas de níquel,
ungüentos de terra nobre,
molhado de poro em poro.
Ai meu irmão afogado,
levas na nuca o luar,
o sol fascina teu rosto,
como un regato extraviado.
Sempre vence a quem muda
a vida, a morte sem atavios.
Cabelos que van ao mar
onde as nubens teñen seu nítido pombal.
Trotai. Galopai, cavalos,
com desejos em tempo enxuto,
prodígios em altas esferas
custodiam abóbodas luarentas.
A noite alvoroça os galhos,
no pórtico de somas e delírios,
Galícia seu rosto mostra
perfumado de cardos e lírios.
Ai Rosalía! Briosa senhora,
fala-te Federico Garcia,
o que mataram com perfídia,
em Granada de cômaros verdes.
A lua dos teus cabelos
enxuga profanadas lágrimas.
Nai: É a lúa, é a lúa
na Quintana dos mortos.
Quem bate na Berenguela?
É a lua bebendo sombras
em murchas oliveiras.
Na Quintana dos mortos
as horas da Berenguela
rezam em pétrea chuva
e vibra na vida o cântico.
Rosalía em Compostela
e Federico na Quintana,
a dos mortos e dos vivos,
em crisálida noturna clama
com suas horas violentadas.
Com lapas de lume e brisa
dança a lua na Quintana.
(Barcelona, 16 de setembro de 2006)
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XOSÉ LOIS GARCÍA, o mestre de Podente
Aricy Curvello
Um homem vasto
Nascido na cidade de Lugo (Galícia) em 22 de Abril de 1945, Xosé Lois García garbosamente chega à altura de seus sessenta anos em 2005.
Em sua pessoa podemos saudar o poeta dedicado a vários gêneros literários e à arte, o autor de peças teatrais bem como o estudioso da realidade social, o ativista político e cidadão empenhado. A mim, sobretudo, chamam-me a atenção o seu fervor e o seu trabalho em prol das literaturas em dois dos mais antigos idiomas da Península Ibérica, o Galego e o Português.
Quando menino, por certo conheceu em sua vida escolar a repressão do governo do Generalíssimo Franco (1936-1975) aos idiomas concorrentes do Espanhol como o Galego e o Catalão. Muito duradouras em XLG terão sido as impressões a respeito da violência ditatorial franquista, considerando-se a riqueza literária de seu idioma natal e a paixão que ele lhe desperta, o Galego, que do século XI ao XIV predominou como a língua da poesia na Península, enquanto o Castelhano era reservado para a narrativa épica e histórica.
Ainda jovem, coincidentemente, radicou-se na Catalunha onde reside na cidade que foi o último bastião livre da República Espanhola a cair, em 26 de Janeiro de 1939 e, ali, licenciou-se em Geografia e História pela Universidade de Barcelona. Dada a sua feição antifranquista, por certo terá preferido fixar-se na sempre inquieta e livre Barcelona ao invés da Madri burocrática e oficialesca.
É sintomático que tenha procurado licenciar-se justamente em Geografia e História, as duas ciências que mais de perto são capazes de falar do passado e do presente, bem como do ambiente e da habitação do homem. A Universidade terá ilustrado a XLG mais intensamente a história da Galícia, de sua cultura e de seu idioma, bem como também de sua familiagem com o Português.
Destaco, por exemplo, a edição de XLG de “Cantares d’ Amor e de Amigo” (A Coruña: Ediciós do Castro, Série Documentos, 1990) compostos em Galego pelo poeta barcelonês Carles Riba (1893-1959), intelectual comprometido com a República e que teve de se exilar em 1939 na França. (Carles Riba traduziu para o Catalão obras capitais de Sófocles, Ésquilo, Plutarco, Kavafis, Hölderlin, Poe, Rilke e Kafka, entre outros, além de nos deixar uma extensa bibliografia em poesia e ensaios literários.)
Também destaco, na área de filologia, “Os Trobadores das Terras de Chantada” (A Coruña, 2001), livro composto por vários artigos que XLG publicou em diversos jornais e com eles pronunciou a conferência sobre o tema, no Cassino de Chantada (Galícia), em 28 de Janeiro de 2000. O volume se abre com “Airas Moniz de Asma, o Precursor”, poeta pioneiro da Chantada, do século XIII, que precedeu os trovadores registrados nos cancioneiros medievais, deixando de ser Xohan de Requeixo o único deles. Sobre este último, “Interpretacións sobre o Trobador Xohan de Requeixo” tenta levantar o véu das incógnitas a respeito da vida e das canções deste poeta da Idade Média.
Na brilhante introdução que abre seu ensaio “ Lectura e Itinerário Posibel pólo Terra Cha de Manuel Maria” ( Lugo: Talleres Gráficos Diputación Provincial, 1994), em que se pergunta se a Galícia já tem o seu grande poema, responde que: “ Os poetas galegos, sobre todo os do século XX, dán suficientes mostras de ter construido a gran Poema de Galicia. Cada um dendes o seu meio nativo. Pensamos, ao respecto, na terra de Bergantiños cantada por Pondal; o xa nomeado libro de Novoneyra, sobre o Caurel; de Antón Tovar, sobre o Limia; de González Garcés sobre a mariña coruñesa; de Fiz Vergara Vilariño, sobre as sabreiras terras do Incio; de Leiras e máis de Noriega, sobre Mondoñedo e así podíamos citar unha longa ringleira de contribuintes a esse gran Poema de Galicia que, gracias a eles, está feito e asentado nesa fragmentación que marcan a esencilidad hexemónica da nosa lírica “ (p. 7).
Uma vasta obra e um vasto salto
Além de assinar vários livros de poesia e de ensaios, XLG é articulista de crítica literária e de arte, também tratando de temas sociais em revistas e jornais especializados.
Autor de várias peças de teatro, em sua bagagem há também “Xente de Inverno” (A Coruña, 1995), livro de contos em que faz renascer a Galícia de sua infância, a dos anos quarenta e cinquenta do século XX, em histórias do mundo rural galego.
Como estudioso de arte é um sério investigador da simbologia românica, sobre a qual produziu dois livros, “Simboloxía do Románico de Amarante”( em Portugal) e “Simboloxía do Românico de Pantón”( na Galícia).
É deveras impressionante o trabalho desenvolvido e publicado por XLG em Galego e em Português, seja em literatura, seja nos vários campos de seus estudos, de forma a outra vez enlaçar Galícia e Portugal como constituindo região cultural única embora diferenciada, mas decididamente não-castelhana.
Não tardou muito em considerar as consequências dos empreendimentos coloniais de Portugal que alargaram de muito o espaço do idioma português no mundo. A partir de seu apoio à independência das antigas colônias portuguesas no continente africano, XLG desenvolveu a consciência da necessidade de enlaçar em sua obra e em suas atividades também os países lusófonos da África, América e Ásia.
Escreveu prefácios para várias obras de escritores africanos lusófonos, dentre os quais se destaca um verdadeiro ensaio curto em Português intitulado “ Amílcar Cabral: Ideologia, Nacionalismo e Cultura” que abre o livro de Cabral “ Nacionalismo e Cultura”, lançado em Português pela Edicións Laiovento ( Santiago de Compostela, 1999).
XLG tem desenvolvido também várias atividades em palestras individuais, em Congressos e simpósios sobre a cultura e a literatura dos diversos países de expressão lusófona, bem como nos meios de divulgação da Espanha, sobretudo na Galícia e na Catalunha.
Vocação galaico-lusófona
Além de vasta, a obra do mestre de Podente é multifacetada. No entretanto, em todos os gêneros há nela, sempre, pontos de contato galego com o mundo da lusofonia. Uma vocação de enlace, esta é uma de suas características mais marcantes.
Sabemos que até o século XI o Galego constituía um complexo lingüístico com a antiga fala portuguesa do norte do Douro, o Galaico-português ou Galego-português , o qual historicamente originou o Português moderno. São os mesmos do Português os traços gerais característicos do Galego, ambos se diferenciando de modo geral na ortografia e na pronúncia. Uma das mais expressivas diferenças é a substituição da fricativa sonora j pela fricativa surda x, donde o lusitano José e o galego Xosé. Da mesma forma, o ditongo ui pelo ditongo oi, donde o português “muito” e o galego “moito”. Os falantes de ambos os idiomas (até que ponto, um único idioma?) no entretanto se compreendem perfeitamente, dada a sua similitude.
Por influências castelhanas, o Galego adquiriu outras características próprias a partir do século XI, processo que veio a culminar no reinado de Afonso X , o Sábio (Toledo-1221, Sevilha-1284), rei de Castela e de Leão (1252-1284), imperador germânico ( 1257-1272), quando o Galego foi assumido como o idioma da poesia na Pensínsula. O próprio rei compôs cerca de 420 cantigas em Galego, em honra da Virgem Maria (Cantigas de Santa Maria). Tal situação alterou-se no século XIV, quando o Castelhano passou a ganhar terreno, vindo a constituir o Espanhol comum.
Com a decadência política da Galícia, os cancioneiros foram esquecidos e, com o correr do tempo, o Galego passou a ser considerado uma língua inculta. Após quase meio milênio, o seu renascimento veio ocorrer apenas em meados do século XIX com o Romantismo, com a valorização do passado medieval e das tradições locais. Não sem razão, foi um escritor galego, Nicomedes Pastor Díaz (1828-1863), um dos iniciadores do Romantismo na Espanha., sendo sua obra A alborada (1828) geralmente reputada como a iniciadora da literatura galega moderna.
Também a lingüística auxiliou a preparar o ressurgimento literário e da dignidade do Galego, com os trabalhos do precursor Xoan Manuel Pinto (1811-1876), gramático e poeta, entre vários outros como Cuveiro Piñol que publicou El Habla Gallega e o Diccionario Gallego- Castellano (1868). O despertar histórico da Galícia contribuiu para o aparecimento de grandes poetas como Aurelio Aguirre, Francisco Añon y Paz , Rosalia de Castro, entre os vários que marcam o renascimento e a maturidade literária do Galego.
Hoje, é o idioma falado na Galícia por mais de 3 milhões de pessoas. Seu domínio lingüístico vai além da Galícia, atingindo as regiões de Leão e de Astúrias, na Espanha, e o norte de Portugal.
Verifica-se que na obra de Xosé Lois García há uma aguda consciência da história do Galego e do Português, da história da Galícia e de Portugal. Desconheço outro autor espanhol contemporâneo que a demonstre em tão alto grau e com a dimensão de sua obra.
Em poesia, se a maioria absoluta de seus livros está em seu idioma materno, o Galego, a eles se deve acrescentar também títulos em Português: “ Indícios do Sol” (1988), “Labirinto Incendiado” (1989) e o belo “O Som das Águas Lentas” (1999) de poemas sobre velhos azulejos lusitanos, cujas fotos (de Luís Ferreira Alves) enobrecem o volume, que se abre com os versos aplicados à figura do barqueiro, em que ressoam os ecos das grandes navegações marítimas e dos descobrimentos:
I
Na íntima delicadeza da barca
estremece-te a líquida dimensão
duma potência solar que doura a água.
Deve ser o teu primeiro ofício,
nesta profunda paixão pelo desconhecido;
precisas do contacto que transparece
em tudo o que o barqueiro-mor
sabe das clareiras que iluminam o eco.
Herdaste a linhagem do marinheiro
para poupares a espessura do líquido,
e habitar as mudanças no próprio tempo
onde inclinas o teu rosto meio aceso
meio salgado para consagrar-te ao mar.
Surpreende-te a primeira atmosfera
na condensação do movimento em maresia,
já eras eterno no ritual dos balanços,
e serás mistério no pudico destino do ar.
Outro título em Português, o quarto, é o surpreendente “Sambizanga” (Braga/Port.: Frouseira, 1999), formado por composições de inspiração angolana, livro prefaciado por Pires Laranjeira (Paris e Coimbra, Junho de 1999), que bem ressaltou: “A publicação deste livro, significativamente intitulado Sambizanga – o bairro mítico do filme homônimo de Sara Maldoror, de algumas estórias de José Luandino Vieira, e do nacionalismo angolano, em geral, de Mário Pinto de Andrade a António Jacinto e Viriato da Cruz -, vem acrescentar à obra de Xosé Lois García franjas do território imaginário da lusofonia. Vem propiciar-nos a perspectiva aproximada, por via poética, do lento deslocar do discurso de uma galaico-lusofonia que é propiciatória de amplas leituras sociogramáticas, de deslocação do sentido unívoco do ‘poeta’ tutelar para o da sociabilidade abrangente, mas não ‘universalista’, de um mundo extra-galego, mas paragalego, extra-espanhol e decisivamente não-castelhano” (p.11).
Com relação a autores angolanos, muito tem feito XLG. Além de tradutor da obra de Agostinho Neto (escritor e primeiro presidente de Angola livre) para o Espanhol, sobre este autor publicou vários ensaios que abordam sua poesia, bem como a de João Maimona. Entre eles: “A Bíblia, presente em Sagrada Esperanza”; “Música e dança na obra de Agostinho Neto”; “A Medicina, na poética de Agostinho Neto”; “As fogueiras de África na obra de Agostinho Neto”. Em 1995 lançou um estudo fundamental sobre a vida, o pensamento e a obra de António Jacinto, outro poeta angolano, “ Jacinto: a luta do poeta-guerrilheiro contra a alienação”. Já escreveu inúmeros prefácios e ensaios curtos de análise crítica de vários escritores de Angola, país que já visitou, entre outros na África.
“Homenagem a Angola no XXV aniversário da sua independência nacional (1975- 2000) – Textos e edición de Xosé Lois García” ( A Coruña, Ediciós do Castro, 2000) dá-nos notícia de três viagens de XLG a Angola e exibe fotos por ele tiradas de aspectos populares do país, de alguns de seus escritores mais conhecidos e de capas de alguns de seus livros, como António Jacinto, António Cardoso, Uanhenga Xitu, Arnaldo Santos, Costa Andrade, Henrique Abranches, Luandino Vieira, Pepetela, João Maimona, entre outros, e dos jovens como Amélia Dalomba e Lopito Feijóo.
O grande organizador de antologias
Grande trabalhador intelectual, XLG já traduziu ao Espanhol um sem número de poetas de expressão portuguesa, com eles organizando importantes antologias da poesia contemporânea de cada país lusófono. Tais traduções ao Espanhol têm por objetivo uma ampla divulgação na Espanha, nas Américas e em outros continentes. Entre elas:
Poesía en Acción - antología de poesia de Moçambique ( Saragoça, 1986);
Poemas a la Madre África - antología de la poesía angolana del siglo XX (A Coruña, 1992);
Floriam Cravos Vermelhos – antologia poética de expressão portuguesa em África e Ásia ( A Coruña, 1993);
Antologia de Poesia Feminina dos PALOP {Países de Língua Oficial Portuguesa} ( A Corunha, 1998);
Antologia de la Poesia Brasileña ( Santiago de Compostela, 2001).
Nós brasileiros temos com XLG uma dívida especial de gratidão pela recolha de nossa poesia contemporânea que incluiu 44 autores, entre os quais: Antônio Brasileiro, Aricy Curvello, Astrid Cabral, Carlos Nejar, Cassiano Nunes, César Leal, Hugo Mund Júnior, Joanyr de Oliveira, Jorge Tufic, José Santiago Naud, Lêdo Ivo, Myrian Fraga, Raquel Naveira, Renata Pallottini, Ruy Espinheira Filho, Susana Vargas. Sem sombra de dúvida, é uma das mais atualizadas e equilibradas antologias da atual poesia do Brasil, exceto os concretistas, em idioma espanhol. A publicação pela galega Edicións Laiovento foi tornada possível pelo Ministério da Cultura do Brasil (MINC) / Fundação Biblioteca Nacional, por meio do Programa de Apoio à Tradução de Obras de Autores Brasileiros.
Não deixou XLG de também dar existência a coletâneas temáticas, como “Junto ás Águas Velhas – Poemas ao Castiñeiro de Podente (Braga/Port.,1999), com poetas lusófonos e galegos, e o interessantíssimo volume que é “Sursum Corda – Poesia Galego-Portuguesa ao Viño” ( Santiago de Compostela, 2000), este último com a parceria de Carlos Dias Martínez na seleção e organização.
Tanto como tradutor de poesia quanto como ensaísta, XLG tornou-se um grande conhecedor e divulgador das literaturas de expressão portuguesa. Sem dúvida, um dos maiores, senão o principal deles, em Espanha e no mundo hispanoamericano.
A Xosé Lois García, nossa gratidão e nosso aplauso. Sobretudo, nossos cumprimentos por sua vida e por sua obra, nesta bela altura de seus sessenta anos em 2005, ocasião em que é justamente homenageado.
Aricy Curvello, poeta brasileiro, ensaísta, tradutor e bibliófilo. Seu lançamento mais recente em poesia foi seu volume na Coleção "50 Poemas Escolhidos pelo Autor" (Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2007).
TEXTOS EM GALEGO
GARCíA, Xosé Lois. Paixón e rito. Lugo, España: Sons Galiza Libros, 1993? 85 p. autografado. Ex. bibl. Antonio Miranda
O musgo no universo do muro:
ambigüedade do que resta de nós
inclinándose en ásperos días
sen lilas que o soporten.
A luz en algún refuxio,
áspera vida no roteiro
definindo a casa dun navegante.
Perto da noite canta o corazón:
ardor de horas demorando o frio
que incendia o devalar do outono.
Que tenso sol,
pertence ao reino de decembro.
O sol ultrapassa o rochedo,
como no cuadro de Thomas Cole,
e modula todo o corpo
coa sabeduría da terra.
Percorre as estivadas,
afonda
nas flores da sabeduría
e nas numerosas láminas do Sul.
O sol no labirinto habita:
asombro da alma
alma transitando para o Sul.
Sangue maduro
concentrado no ritmo do verso:
música de floresta crepitando.
Vertente fragmentaria de sombras
regresando à cavidade do respiro.
Beira mar non existe, tampouco as rochas
só as bocas pronuncian a ladaiña dos mastros.
Vaxina fervescente que de súpeto quenta
a palavra xeada que fica entre trevas.
Vaxina, flor de ribeira, perfumando a boca
co esperma que ten a forza do xofre,
transformando e abrindo chaga sumersa.
Composición de muslos e dorsos memoriais,
dedos que voltan do terror palpando lenzo
que non aturou o sangue bebido na terra
nen o sorriso atravesando o lume
doutro clima feroz que ofrece a arte de dormir.
TEXTOS EM GALEGO
GARCíA, Xosé Lois. Paixón e rito. Lugo, España: Sons Galiza Libros, 1993? 85 p. autografado. Ex. bibl. Antonio Miranda
O musgo no universo do muro:
ambigüedade do que resta de nós
inclinándose en ásperos días
sen lilas que o soporten.
A luz en algún refuxio,
áspera vida no roteiro
definindo a casa dun navegante.
Perto da noite canta o corazón:
ardor de horas demorando o frio
que incendia o devalar do outono.
Que tenso sol,
pertence ao reino de decembro.
O sol ultrapassa o rochedo,
como no cuadro de Thomas Cole,
e modula todo o corpo
coa sabeduría da terra.
Percorre as estivadas,
afonda
nas flores da sabeduría
e nas numerosas láminas do Sul.
O sol no labirinto habita:
asombro da alma
alma transitando para o Sul.
Sangue maduro
concentrado no ritmo do verso:
música de floresta crepitando.
Vertente fragmentaria de sombras
regresando à cavidade do respiro.
Beira mar non existe, tampouco as rochas
só as bocas pronuncian a ladaiña dos mastros.
Vaxina fervescente que de súpeto quenta
a palavra xeada que fica entre trevas.
Vaxina, flor de ribeira, perfumando a boca
co esperma que ten a forza do xofre,
transformando e abrindo chaga sumersa.
Composición de muslos e dorsos memoriais,
dedos que voltan do terror palpando lenzo
que non aturou o sangue bebido na terra
nen o sorriso atravesando o lume
doutro clima feroz que ofrece a arte de dormir.
Página publicada em janeiro de 2008; ampliada e republicada em setembro de 2009. |