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JOSÉ ÁNGEL VALENTE
(1929 — 2000)
Nasceu em Ourense (25.04.1929), e faleceu em Genebra (2000). Um dos poetas espanhóis mais importantes do pós-guerra, e um dos intelectuais de maior destaque da cultura européia do século XX. É um poeta alheio à toda escola, mas com uma poesia conectada com o que de melhor se produziu na modernidade. Detentor de bibliografia vastíssima, merecedora de vários prêmios (Prêmio Nacional, em 1992; Prêmio Adonais, Prêmio da Crítica, Prêmio da Fundação Pablo Iglesias, em 1984; Prêmio Príncipe de Asturias das Letras, em 1988).
TEXTOS EM ESPAÑOL / TEXTOS EM PORTUGUÊS
Biografía
Ahora cuando escribo sin certeza
mi bionotabibliográfica
a petición de alguien que desea excluirme
de favor y por nada
en consabida antología
de la sempiternamente joven senescente
poesía española de posguerra
(de qué guerra me habla esta mañana,
delicado Giocondo, entre tenues olvidos,
de la guerra de quién con quién
y cuándo)
cuando escribo
mi bioesquelonotabibliográfica
compruebo minucioso la fecha de mi muerte
y escasa es, digo con gentil tristeza,
la ya marchita gloria del difunto.
POEMA
Cuando ya no nos queda nada,
el vacío de no quedar
podría ser al cabo inútil y perfecto.
POETA EN TIEMPO DE MISERIA
Hablaba de prisa.
Hablaba sin oír ni ver ni hablar.
Hablaba como el que huye,
emboscado de pronto entre falsos follajes
de simpatía e irrealidad.
Hablaba sin puntuación y sin silencios,
intercalando en cada pausa gestos de ensayada
alegría para evitar acaso la furtiva pregunta,
la solidaridad con su pasado,
su desnuda verdad.
Hablaba como queriendo borrar su vida ante un
testigo incómodo,
para lo cual se rodeaba de secundarios seres
que de sus desprecios alimentaban
una grosera vanidad.
Compraba así el silencio a duro precio,
la posición estable a duro precio,
el derecho a la vida a duro precio,
a duro precio el pan.
Metal noble tal vez que el martillo batiera
para causa más pura.
Poeta en tiempo de miseria, en tiempo de mentira
y de infidelidad.
EL AMOR ESTÁ EN LO QUE TENEMOS
El amor está en lo que tendemos
(puentes, palabras ).
El amor está en todo lo que izamos
(risas, banderas).
Y en lo que combatimos
(noche, vacío)
por verdadero amor.
El amor está en cuanto levantamos
(torres, promesas).
En cuanto recogemos y sembramos
(hijos, futuro).
Y en las ruinas de lo que abatimos
(desposesión, mentira)
por verdadero amor.
EL CRIMEN
Hoy he amanecido
como siempre, pero
con un cuchillo
en el pecho. Ignoro
quién ha sido,
y también los posibles
móviles del delito.
Estoy aquí
tendido
y pesa vertical
el frío.
La noticia se divulga
con relativo sigilo.
El doctor estuvo brillante, pero
el interrogatorio ha sido
confuso. El hecho
carece de testigos.
(Llamada de portera,
dijo
que el muerto no tenía
antecedentes políticos.
Es una obsesión que la persigue
desde la muerte del marido.)
Por mi parte no tengo
nada que declarar.
Se busca al asesino;
sin embargo,
tal vez no hay asesino,
aunque se enrede así el final de la trama.
Sencillamente yazgo
aquí, con un cuchillo...
Oscila, pendular y
solemne, el frío.
No hay pruebas contra nadie. Nadie
ha consumado mi homicidio.
Extraído de
POESIA SEMPRE – Revista Semestral de Poesia. ANO 4 – NÚMERO 7 – JULHO 1996. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura, Departamento Nacional do Livro, 1996. Ex. bibl. Antonio Miranda
El adiós
Entró y se inclinó hasta besarla
porque de ella recibía la fuerza.
(La mujer lo miraba sin respuesta.)
Había un espejo humedecido
que imitaba la vida vagamente.
Se apretó la corbata,
el corazón,
sorbió un café desvanecido y turbio,
explicó sus proyectos
para hoy,
sus sueños para ayer y sus deseos
para nunca jamás.
(Ella lo contemplaba silenciosa.)
Habló de nuevo. Recordó la lucha
de tantos días y el amor
pasado. La vida es algo inesperado,
dijo. (Más frágiles que nunca las palabras.)
Al fin calló con el silencio de ella,
se acercó hasta sus labios
y lloró simplesmente sobre aquellos
labios ya para siempre sin respuesta.
Pero no más allá
Pero no más allá, no debo herirte,
no debo herirte más cuando me acerco
con palabras de amor hasta los bordes.
Pero no debo herirte...
A veces cuando
me acerco a ti, con tanto amor, escondo
en lo profundo un áspid, un veneno,
un agudo cuchillo que ignoraba
y que hiere al amor donde más duele.
A veces pongo esta palabra: pan,
sobre la mesa y suena a muerte, pongo
la palabra amistad y alguien levanta
el brazo armado para defenderse.
Pienso en amor y algo tus labios hiere,
pronuncio luz y lejos gime el día:
algo que mata el corazón oculta,
algo que entre el amor yace y de pronto
puede matar, herir cuando no quiero.
Cuántas veces he dicho vida y cuántas
tal vez muerte escondía sin saberlo,
cuántas habré cegado la esperanza,
cuántas, creyendo luz habré arrojado
palabras, piedras, sombras, noche y noche
hacia el sol que amo tanto.
Odio y amo
Aquí herido de muerte
estoy. Aquí goteo
espesor animal y mudo llanto.
Aquí compruebo
la resistencia ciega de un latido
a la fría posibilidad del puñal.
Aquí pronuncio
la palabra que nunca
moverá una montaña.
Aquí levanto
inútiles barreras
que derriba la muerte.
Aquí libro batallas
contra el viento, incluso
contra un ángel (aún cojeo
hacia el lado de Dios).
Aqui y cada día
y cada hora y
cada segundo me he negado a morir.
Aquí odio la vida, sin embargo.
Odio cuanto levanta al aire
una frente o un pétalo.
Cuanto he besado, cuanto
he cjuerido besar y ha sido
materia o voz de mi deseo. Odio
y amo. (Amo
con demasiado amor.)
TEXTOS EM PORTUGUÊS
TRADUÇÕES
de
Salomão Sousa
BIOGRAFIA
Agora quando escrevo sem certeza
minha nota bibliográfica
a petição de alguém que deseja me excluir
por nada e sem nenhum favor
em consabida antologia
da sempiternamente jovem senescente
poesia espanhola de pós-guerra
(de que guerra me fala esta manhã,
delicado Giocondo, entre tênues esquecimentos,
da guerra de quem com quem
e quando)
quando escrevo
minha bioesquelenotabliográfica
comprovo minucioso a data de minha morte
e é escassa, digo com gentil tristeza,
já é bem murcha a glória do defunto.
POESIA EM TEMPO DE MISÉRIA
Falava sem pressa.
Falava sem ouvir nem ver nem falar.
Falava como o que foge,
emboscado rápido entre folhagens falsas
de simpatia e irrealidade.
Falava sem pontuação e sem silêncios,
intercalando em cada pausa gestos de
alegria ensaiada para evitar por acaso a furtiva pergunta,
a solidariedade com seu passado,
sua verdade desvendada.
Comprava assim o silêncio a duro preço,
a posição estável a duro preço,
o direito à vida a duro preço,
a duro preço o pão.
Talvez metal nobre que o martelo batera
por melhor causa.
Poeta em tempo de miséria, em tempo de mentira
e de infidelidade.
O AMOR ESTÁ NO QUE NÃO TEMOS
O amor está no que não temos
(pontes, palavras).
O amor está em tudo o que içamos
(risos, bandeiras).
E no que combatemos
(noite, vazio)
pelo verdadeiro amor.
O amor está em quanto levantamos
(torres, promessas).
Em quanto recolhemos e semeamos
(filhos, futuro).
E nas ruínas do que abatemos
(possessão, mentira)
pelo verdadeiro amor.
POEMA
Quando já não nos resta nada,
o vazio de não existir
poderia ser enfim inútil e perfeito.
O CRIME
Hoje amanheci
como sempre, mas
com uma navalha
no peito. Ignoro
quem foi,
e também as possíveis
causas do delito.
Estou aqui
estendido
e pesa vertical
o frio.
O doutor esteve brilhante, mas
o interrogatório foi
confuso. O ato
carece de testemunhas.
(Chamada a porteira,
disse
que o morto não tinha
antecedentes políticos.
É uma obsessão que a persegue
desde a morte do marido.)
De minha parte não tenho
nada a declarar.
Se busca o assassino:
sem dúvida
talvez não haja assassino,
mesmo que assim se enrede o final da trama.
Sensivelmente jazo
aqui, com uma navalha…
Oscila, pendular e
solene, o frio.
Não há provas contra ninguém. Ninguém
consumou meu homicídio.
***********************
Traduções de Antonio Miranda:
O adeus
Entrou e se inclinou até beijá-la
porque dela vinha a força.
(A mulher olhava-o sem resposta.)
Havia um espelho úmido
que imitava a vida vagamente.
Ajeitou a gravata,
o coração,
sorveu um café desmaiado
e turvo,
explicou seus projetos
para hoje,
seus sonhos de ontem e seus desejos
para nunca mais.
(Ela o contemplou silenciosa.)
Falou de novo. Recordou a luta
de tantos dias e o amor
passado. A vida é algo inesperado,
disse. (Mais frágeis que nunca as palavras.)
Finalmente calou-se com o silêncio dela,
aproximou-se dos lábios dela
e chorou simplesmente sobre aqueles
lábios já para sempre sem resposta.
Mas não mais adiante
Mas não mais adiante, não devo ferir-te,
não devo ferir-te mais quando me aproximo
com palavras de amor até as bordas.
Mas não devo ferir-te...
Às vezes quando
me aproximo de ti, com tanto amor, escondo
no mais íntimo uma víbora, veneno,
uma faca aguda que ignorava
e que fere o amor onde mais dói.
Às vezes coloco esta palavra: pão,
Sobre a mesa e soa como morte, ponho
a palavra amizade e alguém levanta
o braço armado para defender-se.
Penso em amor e algo teus lábios fere,
pronuncio luz e longe geme o dia:
algo que mata o coração oculta,
algo que entre o amor jaz e de repente
pode matar, ferir quando não quero.
Quantas vezes disse vida e quantas
talvez morte escondia seu saber,
quantas terei cegado a esperança,
quantas, pensando em luz terei lançado
palavras, pedras, sombras, noite e noite
até o sol que amo tanto.
Odeio e amo
Aqui ferido de morte
estou. Aqui gotejo
espessura animal e mudo pranto.
Aqui comprovo
a resistência cega de um latido
à fria possibilidade do punhal.
Aqui levanto
inúteis barreiras
que derrubam a morte.
Aqui ensejo batalhas
contra o vento, inclusive
contra um anjo (ainda manco
até próximo de Deus).
Aqui e cada dia
e a cada hora e
cada segundo neguei-me a morrer.
Aqui odeio a vida, no entanto.
Odeio quanto levanta o ar
uma frente ou uma pétala.
Quanto beijei, quanto
quis beijar e era
matéria ou voz de meu desejo. Odeio
e amo. (Amo
com amor em demasia.)
Página publicada em fevereiro de 2008; página ampliada em janeiro de 2018 |