ROGELIO SAUNDERS
Rogelio Saunders nasceu em Havana, em. 13 de janeiro de 1963. Poeta, contista, romancista e ensaísta, tem trabalhos publicados em diversas antologias. Em 1996 foi publicado em. Havana seu livro de poemas
Polyhimnia. Participou do grupo de escritura alternativa "Diáspora(s)", cuja revista, homónima, editou-se em Cuba entre 1997 e 2002. Em 1998 obteve uma bolsa do Parlamento Internacional de Escritores e viajou para
a Áustria, morando durante um ano na cidade de Salzburgo. E autor de dois romances {El escritor y la mujerzuela e Nouvel Observatoire), de três livros de poesia (Discanto, Observacíones e Sils Maria) e de um livro de contos {Una muerte saluâable), inéditos.Vive atualmente na cidade de Sabadell, em Barcelona, Espanha.
BISCAIA, Maria Angela. Mapas imaginários – com o poema Acerca do instante do espaço de Rogelio Saunders. Primeiro de Maio, PR: Edições Mirabilia, 2004. 64 p. (Coleção olho : ilha, 3) 15,5x22 cm. ISBN 85-89673-03-0 Tradução de Josely Vianna Baptista. Projeto gráfico e capa: Guilherme Zamorer. Apoio Fundação cultural de Curitiba. fot. col. Ex. bibl. Antonio Miranda
Esse instante de várias epifanias que é Pedra d'água, múltiplos espaços
imantados pela visão, encontra em "Acerca do Instante e do Espaço (ou do Ser entendido como transparência)", poema de Rogelio Saunders, um diálogo com a imagem verbal, por sua vez tensionada pela margem visual. Os espaços se cruzam, sem fronteiras. Pode ser uma pintura renascentista flamenga, ou a mais inefável das mulheres de Shakespeare. Pode ser a luz, espectral, mental, daquela pintura sonhada fora do tempo e do espaço, afundando entre canções antigas, entre flores e cristais, água e argila. Os sentidos trafegam nesse oco, nesse vazio (e, pergunta Saunders,"esse corpo absolutamente vazio /não é, afinal, a imagem?"), que nos alcança no instante em que apreendemos as lições da transparência. Lições meteorizadas, sem nenhuma reverência à cronologia da História. OS EDITORES
TEXTO EN ESPAÑOL – TEXTO EM PORTUGUÊS
Acerca del Instante y el Espacio
(o del Ser entendido como transparencia)
Rogelio Saunders
Como en un bodegón flamenco, dispuestos
sobre una mesa (una mesa
imaginaria, que es
y que no es: un plano
de consistencia): papas
fermentadas por el calor,
diminutos quelonios de color de ciénaga,
el acre olor insituable del verano.
Arriba: la viga inmóvil.
El denso espacio vacante y su oro,
su incandescencia, su silencio.
Muertos locuaces congelados por el ardor,
por la impaciencia que selló sus párpados
como se sella una carta que nadie ha de recibir.
Allí, en el cenador acristalado,
con sus diez mil reflejos que son
el éxtasis del sol, su despedida, su ausencia.
Allí la luz es cristal (triángulos, hexágonos, fragmentos),
rayos detenidos en pleno movimiento,
e infinitamente en movimiento en forma
de zigzagueantes y agudos centelleos: la catedral
estallando sin fin como la voladura
de la cantera en piedra que ilumina:
piedra hecha de luz y luz petrificada.
Allí el sol es el hueco negro de un sombrero.
Nunca más el disco de lava puntual,
la asombrosa derrota del crepúsculo.
La hueca luz es ahora providencia y casa de espejos.
Los que danzan en el césped verde
(que a veces es violeta y también rojo)
son habitantes de un país de ensueño: ingenuos
holandeses
con sus trajes polícromos de la Edad Media.
Más que bailar, levitan.
Levitamos con ellos, fascinados
por ese pintoresquismo familiar,
por esa otredad entrañable que tal vez
es la del teatro de sombras o de marionetas.
Fábula mírica hecha de mimbre y paño.
De colores puros y del olor de la madera
recién cortada, recién bendecida, recién barnizada.
Olor del invierno esta vez, donde el calor
es igual a la intimidad y el vino
a las palabras que todos piensan y que nadie pronuncia.
Sonido de campanitas lejanas,
de cuentos de Navidad (subyugantes y horribles),
y de los altos abetos y de los hombres de paja,
con la pálida luz de las colinas y el río que transcurre
— opaco, doloroso —
bajo el arco de un puente que vimos o soñamos.
Suizos, daneses, luxemburgueses y noruegos,
con gordas caras sonrosadas de viejas sirvientas
como si fueran los entes (coloridos y risueños)
en los que el sol, allende el sol, se ha transformado.
Mundo de tela que habla.
Mundo contrario y el mismo.
(...)
TEXTO EM PORTUGUÊS
Tradução: Josely Vianna Baptista
A c e r c a do Instante e do Espaço
(ou do Ser ente n d ido c o m. o transparência)
Rogelio Sounders
(fragmento)
Como em um bodegón* flamengo, dispostos
sobre uma mesa (uma mesa
imaginária, que é
e que não é: um plano
de consistência): batatas
fermentadas pelo calor,
minúsculos quelônios cor de lodo,
o cheiro acre insituável do verão.
Acima: a viga imóvel.
O denso espaço vazio e seu ouro,
sua incandescência, seu silêncio.
Mortos loquazes congelados pelo ardor,
pela impaciência que selou suas pálpebras
como sela-se uma carta que ninguém receberá.
Ali, no pavilhão envidraçado,
com seus dez mil reflexos que são
o êxtase do sol, sua despedida, sua ausência.
Ali a luz é cristal (triângulos, hexágonos, fragmentos),
raios detidos em pleno movimento,
e infinitamente em movimento em forma
de ziguezagueantes e agudos resplendores: a catedral
explodindo, infindável, como o voo em cantaria da pedra que ilumina:
pedra feita de luz e luz petrificada.
Ali o sol é o buraco negro de um chapéu.
Nunca mais o disco de lava pontual,
a assombrosa derrota do crepúsculo.
A luz oca é agora providência e casa de espelhos.
Os que dançam no gramado verde
(que às vezes é violeta e também vermelho)
são habitantes de um país de sonhos: ingênuos
holandeses
com suas roupas policrômicas da Idade Média.
Mais que dançar, levitam.
Levitamos com eles, fascinados
por essa arte pitoresca e familiar,
por essa alteridade entranhável que talvez
seja a do teatro de sombras ou de marionetes.
Fábula mítica feita de vime e pano.
De cores puras e do cheiro da madeira
recém-cortada, recém-abençoada, recém-envernizada.
Cheiro do inverno desta vez, em que o calor
é igual à intimidade e o vinho
às palavras que todos pensam e ninguém pronuncia.
Som de sinetas distantes,
de contos de Natal (subjugantes e terríveis),
e dos altos abetos e dos homens de palha,
com a pálida luz das colinas e do rio que flui
— opaco, doloroso —
sob o arco de uma ponte que vimos ou sonhamos.
Suíços, dinamarqueses, luxemburgueses e noruegueses,
com gordos rostos enrubescidos de velhas criadas
como se fossem os entes (coloridos e risonhos)
nos quais o sol, além do sol, transformou-se.
Mundo de tela que fala.
Mundo contrário e o mesmo.
(...)
* Vocábulo espanhol que designa, nas artes plásticas, a natureza-morta típica da pintura espanhola que representa singelos e modestos alimentos e utensílios de cozinha e de taberna. (N. T.)
Página publicada em fevereiro de 2015
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