CARLOS CASASÚS
Poeta e periodista chileno, desempenha a sua actividade na Directoria de Informações e Cultura de sua terra. Autor de numerosos trabalhos, entre os quais «Alta-mar», uma colecção de poemas que retrata os barcos, as velas, o porto, a vida náutica na sua realidade e no seu encanto. Dos seus versos, porém, o mais famoso é «El embrujo de la cueca», no qual fotografou onomatopaicameute os aspectos folclóricos da agitada e pitoresca dança regional chilena. Pelas dificuldades idiomáticas que oferece, essa poesia era considerada intraduzível, inclusive pelo autor, que se mostrou surpreendido e depois encantado e satisfeito com a versão portuguesa que lhe foi apresentada.
ORICO, Osvaldo, trad. Joias da Poesia Hispano Americana. Lisboa: Livraria Bertrand, 1945. 229 p Ex. bibl. Antonio Miranda
Tradução de Osvaldo Orico:
FEITIÇO DA CUECA*
Existe um pacto com o diabo
que estremece nos violões
e que estala pelos dedos
gorduchos das cantadoras:
—«Debaixo...
Debaixo de um limoeiro.
Entoam vozes em coro
e canta a cueca!
—Alli os campônios,
—aqui as chinas
com passos airosos
já se aproximam,
volvem-se, ligam-se,
e a conquista
com tamboreio — e huifa! —
logo começa.
Tem ela graça,
fumo e fumaça
de dois olhaços muito negros
c de uma boca
que é coisa louca,
rubra e trigueira.
Fazem ademanes
meio andaluzes —
vestidos de festa
multicores
—e à direita — no alto —
como uma. pomba
se agita um lenço
que sifla e zomba.
É guapa a chinoca,
enquanto o seu par
redobra o sapateio
de ponta e taco.
Guitarras bizarras
cruzam-se com a alma
das comadres que cantam:
«Vintecinco limões
tem uma rama
e amanhecem cinquenta
pela manhã,
ai, sim senhora».
Aumenta, cresce, esfuzia
a alegria;
e até as bandeirolas
das ramadas
agitam-se como dedos
imitando castanholas;
manobram, dobram, redobram
o entusiasmo das manolas.
Pronto o campônio é um galo
policromado,
que se faz a bela roda
de enamorado,
tremeluzindo a estrela
das esporas,
cheias de orgulho e de glória,
em derredor
da china que entrega
0 que tem de melhor
aos brios do galo
conquistador:
— «Gallo exagerado
no te la cornai, no te la comai,
no te la cornai,
sulfito, sulfato,
nitrito, nitrato,
Colchagua, Rancagua,
le Hora la guagua,
¡eso es!
Ti qui tiqui ti,
Ti qui tiqui ti,
Ti qui tiqui ta,
llévala p'al cerro,
cómetela allá!»
Todas as vozes sabem
o compasso,
que esta alegria ê ritmo
multicor,
e se encontra a alma chilena
em cada voz
fazendo tremer a terra
sem compaixão...
— a Aro, aro, aro,
diz sinhá Pancha Lecaro,
onde me canso... aí me paro!
Grita a multidão
enquanto a «chicha» baia
se passa de mão em mão,
viaja de boca em boca
transportada num jarrito
que se desloca...
«Ponha isso à bessa, patrão,
a morrer, morra-se cheio
e antes que venha o bailéu
que se empine o cotovelo
até ver Cristo no cêu”.
Assim é a cueca: alegria,
loucura, feitiçaria,
entusiasmo que fermenta;
é como a «chichar» madura,
que ao homem faz ser mais homem
e à mulher... ser mais mulher,
que ao campônio lhe dá a china
que êle não pode perder.
Ai, quem se atreve a roubá-la?
Deus meu!
Primei,ro a terra tremera
que o huaso** não tem enguiço
e a chinoca... é o seu feitiço.
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*Dança típica do Chile.
**Huason, tipo cliileno do campo.
Página publicada em março de 2019
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