ARTURO TORRES RIOSECO
(1897-1971)
(Talca, 1897-Berkeley, California, 1971) Escritor chileno. Fue profesor en las universidades estadounidenses de Texas, California y Columbia. De su obra poética sobresalen En el encantamiento (1921), Ausencia (1932), Elegías (1947) y Mar sin tiempo (1955). Ha dejado una extensa obra ensayística: Poetas norteamericanos: Walt Whitman (1922), Precursores del modernismo (1925), La novela hispanoamericana (1939), Vida y poesía de Rubén Darío (1944), Aspectos de la literatura hispanoamericana (1963).
Fuente: www.biografiasyvidas.com
TEXTOS EM PORTUGUÊS
Traduções de Manuel Bandeira
PRIMERA ELEGIA
Ai como me deixaste
Tão cheio de incerteza e de cuidado!
Quando me abandonaste
Andava eu, coitado,
Como se o mundo fora verde prado.
Embriagado no gozo
Da juventude andei pelas campinas:
O mundo generoso
Ofertava-me as finas
Uvas, rios e bocas de meninas.
Os mansos animais
— Os animais de Deus, — iam comigo,
Eram todos iguais
Naquele suave abrigo,
Todos, e o abutre era da pomba amigo.
No meu contentamento
Eu ia nas manhãs nu de pecado,
Ia puro no vento,
E no fogo sagrado
Do sol levava o corpo levantado.
Em plena luz te via,
Na luz e no ar aberto te buscava;
Eras toda alegria,
e quando eu só ficava,
Parecia que o mundo se acabava.
Ai que de ti afastado,
Era a note, era a terra, era a tormenta,
O círculo fechado,
Era o mundo em que venta
A noite de Valpúrgis turbulenta!
Distanciada a essência,
O perfume suavíssimo da rosa,
Ah a inefável ardência
De uma formosura, a milagrosa
Vista que junto a ti minh´alma goza.
Com tua formosura
Simples, zonas inteiras acendias,
Influías doçura
Nos olhos das bravias
Feras e os prados de verdor enchias.
Eu contemplava a vida
Feita roas no vale do teu peito,
Contemplava-a incendida
No inexprimível jeito
De teus braços e pernas sem defeito.
Eu gozava-a desperto
No ovo auroral dos joelhos, ó candura!
Em completo cocerto,
Na consonância pura
De sol fecundador e semeadura.
Gozava-a no teu beijo,
Nos lábios de salivas redolentes,
Na língua, onde o desejo
Punha cravos ardentes,
E na umidade agreste dos teus dentes.
Gozava-a na quentura
Da tua pele em sua flor primeira,
E na grata frescura
De florida ladeira
Que vai de uma cadeira a outra cadeira.
Da humana companhia,
Do bulício do mundo eu me afastava,
E assim me recolhia
E morrer me deixava
No teu olhar, a alma rendida e escrava.
Teu olhar de prodígios
A iluminar-me numa luz tão pura,
Que apagava os vestígios
Da entranhada amargura
Na paz da tua angélica ternura.
Ternura de ovelhinha,
Ternura material e luminosa,
Branda queixa que vinha
Numa aura fervorosa,
Como o esvaecimento de uma rosa.
Tudo isso era o meu mundo,
Meu mundo em ti, sem quem já não existe,
Um abismo profundo
Desde que me fugiste,
Mundo que só de sombra hoje consiste.
Solidão pavorosa,
Povoada das espécies mais estranhas,
Na frialdade odiosa
Deslizam as aranhas,
Lutam répteis ... Mundo de pena e sanhas!
Aqui meu ser desfaz-se
Em asquerosa morte sepultado.
O cordeiro que pasce,
Ao ver meu triste estado
Sola ao vento o balido desolado.
Minh´alma prisioneira
É falena de luz em cova escura;
A doce companheira,
Cheia de compostura,
Não pode compreender-lhe a desventura.
Tu dormes em teu leito,
Em teu leito de sedas e de plumas;
Tu trazes sobre o peito
Com que os lençóis perfumas,
O jasmim que se banha nas espumas.
Segues despreocupada,
Não sentes minha dor da tua ausência.
À brisa perfumada
Cedes a tua essência,
E ela a vai distribuindo em consciência.
Eu vou por entre a gente,
Pelas cidades cheias de pecado,
Em um ritmo dolente
De homem desamparado,
Em profunda tristeza mergulhado.
Vou sem rumo e sem ânsias
À toa em becos ermos e vulgares,
Por lúgubres estâncias,
Por frios bulevares,
Pela agonia cínica dos bares.
Ai miséria infinita
De te saber estranha à minha sorte,
De não ter na desdita
Nada que me conforte
Senão pensar na paz final da morte!
Ela que sempre mora
Junto ao triste que chora o bem perdido,
Com ela vou agora,
Longe de todo ruído,
Olvidado de tudo para o olvido.
AUSÊNCIA
Ausência de quatorze anos,
Silêncio, mar e distância,
Quedam-se-te os olhos lentos,
Perdem-se em longes de nácar,
Açucenas de teus pés
Assomando em folharada,
Mastro roto de baixeis
Lançado à areia da praia.
Que doces olhos me deitas,
Que suaves mãos, ó pátria!
Marinheiro de ilusões,
Comandante de uma barca
Tinta de prata e de rosa,
Tinta de rosa e de prata,
Pescador que atirou redes
Às sereias de Montmartre,
E em Saaras inexistentes
Guiou loucas caravanas.
Que doces olhos me deitas,
Que suaves mãos, ó pátria!
Não quero ver meu deserto,
Ausência ao cabo amorável,
Pluma sobre o meu chapéu,
Fragrância em minhas narinas,
Deslumbramento nos olhos,
Em meus ouvidos um sino,
Formigas que se alimentam
Da inquietação dos meus passos.
Que doces olhos me deitas,
Que suaves mãos, ó pátria!
Agora volto e não sou;
A alma se me fatigava,
A cinza de meus fogos
Já me dá cor de mortalha,
Sombras de minhas paixões
Para sempre sepultadas,
Nem sei se posso volver
A gozar de tuas águas.
Que doces olhos me deitas,
Que suaves mãos, ó pátria!
Por te desejar de longe
Apertaram-me as entranhas
Acontecimentos que
Tua nitidez toldavam;
Minhas frases em teu corpo
Agudos fios de espada,
E em teu coração a triste
Flor azul das minhas ânsias.
Que doces olhos me deitas,
Que suaves mãos, ó pátria!
No torso sanguinolento
Surdem línguas escarlatas,
Ogres e carabineiros
Te mantinham seqüestrada,
Revoavam nos céus cinzentos
Gaviões de compridas garras.
pobres pombos da saudade
Chegavam de asas quebradas.
Que doces olhos me deitas,
Que suaves mãos, ó pátria!
Podem prender minhas mãos
Resinas de tuas chagas,
Em minhas colméias trago
Mel para as tuas desgraças,
A abelha que o fabricou
Não era abelha, era infanta
Pelas artes de uma bruxa
Quatorze anos encantada...
Que doces olhos me deitas,
Que suaves mãos, ó pátria!
Sinto esvanecer-se a ausência
Entre o passado e o futuro,
Desígnios imaginados
Sob as patas de uma aranha
Que tece teias azuis,
Que tece flores delgadas
Para te abrigar os peitos
E a bonina das espáduas...
Que doces olhos me deitas,
Que suaves mãos, ó pátria!
Recebe-me em teus sorrisos,
Arco-íris de tuas alvas;
Recolhe-me nos teus sonhos,
Clarezas de tuas águas:
Pois quero voltar a ser
Cabreiro em tuas montanhas,
No teu seio adormecer
Com o candor de uma criança.
Que doces olhos me deitas,
Que suaves mãos, ó pátria!
Ausência de quatorze anos,
Marinheiro em terra estranha,
Para me lembrar de ti
Tenho as têmporas de prata,
Se queres suster-me o vôo
Acaricia-me as asas,
Que doces olhos me deitas,
Que suaves mãos, ó pátria!
ELEGIA DE UMA RUA
— Por onde foi eu a levaram?
— Por aqui, por esta rua.
— A rua está bem mudada.
— A rua é a mesma, não muda.
— Os que a levaram, acaso
Se lembrarão dessa tarde?
— Aqueles que iam com ela
Sumiram-se ao fim da estrada.
— Mil novecentos e treze!
Chovia naquela tarde...
— Vinte anos faz que na rua
Chuva de tempo desaba.
— Dizes que se foram todos
Os que lhe queriam bem?
— Hoje só restam os filhos,
Ora amigos de ninguém.
Mas este é o mesmo sol, e estas
As mesmas cornijas e árvores,
E nestes mesmos telhados
Cantam hoje os mesmos pássaros.
— Sim, tudo é o mesmo, no entanto
Minh´alma estranha o que sente,
A rua vejo que é a mesma,
O ar porém é diferente.
A tarde era um cobre novo
Saturado de laranjas.
Chorava pelas janelas
Aquela dor de quinze anos.
Foi por aqui que a levaram,
Por esta rua passaram.
Página publicada em fevereiro de 2008.
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