REYNALDO VALINHO ALVAREZ
( 1931 – 2021 )
Nasceu no Rio de Janeiro em 1931. Poeta bilíngüe por origem portuguesa e espanhola. É autor de três centenas de livros e suas poesias foram traduzidas a muitos idiomas.
Recebeu muitos prêmios, destacando-se um da Fundação Biblioteca Nacional (1995) e o Prêmio Jabuti 1998 de Poesia da Câmara Brasileira do Livro.
REYNALDO VALINHO ALVAREZ completa invejáveis 90 anos de uma vida dedicada à poesia e à literatura!!! Poeta bilíngue por origem portuguesa e espanhola. É autor de dezenas de livros e suas poesias foram traduzidas a muitos idiomas, destacando-se:
— EL SOL EM LAS ENTRAÑAS. Salamanca: Centro de Estúdios Ibéricos y Americanos de Salamanca; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2004.
— GALOPE DO TEMPO. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
260 p. (Tempoesia, 40) ISBN 85-282-0092-2
— LAVRADIO. Rio de Janeiro: Myrrha, 2004. 224 p. 14x21 cm. ISBN 85-89125-07-6 " Reynaldo Valinho Alvarez "
— EL AULLIDO Y LOS PERROS. Rio de Janeiro: Myrrha, 2003. 78 p
(Portada de Hortensia Maria Pecegueiro do Amaral)
“O todo funciona como uma espécie de concerto, onde Lavradio seria um allegro, Noite sobre sai um adágio, e Janeiros como rios um andante, para fazermos uma comparação audacionsa. Reynaldo Valinho Alvarez é fundamentalmente um poeta urbano — carioca, para ser exato — um poeta da memória e, de certa maneira, o que é quase uma conseqüência, um poeta da decadência e da morte.”
ALEXEI BUENO
O discurso tenso e insubmisso de O desembarque articula com rara mestria uma clareza comunicativa a uma complexidade de construção, em que os segmentos se imbricam e imagens-chave retornam, estampando simultaneamente uma imagem de progresso temporal para a morte e de sobrevôo espiralado em regresso para valores éticos e estéticos que desafiam a celebração acrítica do instantâneo.
ANTONIO CARLOS SECCHIN
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
O LARGO DE CATUMBI À LUZ DE PIXINGUINHA
já não verei pixinguinha atravessando o largo de catumbi vestido de pijama
nem galinhas e pombos ciscando entre os paralelepípedos do supracitado logradouro público
nem o cemitério é o mesmo com defuntos sempre diferentes
a morte é cansativa e tediosa
mas os mortos não se repetem
os defuntos da família estão enterrados no metrô do catete
os valões rasgados da cinelândia a botafogo
o esgoto na água potável
o telefone paralisado
a luz temporariamente apagada como os faróis da voz do brasil
a força esvaída dos elevadores
o imenso intestino cortando cabos e encanamentos
a galeria de concreto
a porção retal da cidade
caparam o lado direito de catumbi e itapiru
castraram o lado esquerdo do catete
na cidade cada vez mais tentacular menos testicular
com engenho e sem arte emascularam
a macheza do rio-mar
O BOM MENINO BEM COMPORTADO NA CORTE DOS TECNOCRATAS
às quinze horas
não mais que às três em ponto desta tarde
estarei fechado entre quatro paredes
ouvirei engenheirês e economês
explicarão que é comigo o português
beberei café
aspirarei a fumaça do cigarro alheio
encherei os pulmões de ar viciado
estragarei o cérebro com palavrório
sentirei sono tédio vontade de ir embora
mas ganharei meu pão muito calado
não prejudicarei ninguém
não serei indelicado
tudo farei pelos melhores resultados
minha família pode ficar em paz
porque me mostrarei um bom menino
enquanto isso
às três em ponto desta tarde
há mulheres enrascadas nos amantes
há secreções em mistura
vaginas casam-se com pênis
há jatos de esperma contra diafragmas
há sêmen contido em camisas de vênus
há corpos que se contraem e relaxam
há um sujeito solitário tomando chope escura e comendo
salada de batata no bar luis
às três em ponto da tarde
não envergonharei minha família
às três em ponto da tarde
haverá uma pedra incorruptível no meu peito
ESTE PEIXE NO AQUÁRIO EM TARDE CINZA
estou preso no aquário entre fichários
sou um peixe com um ânus uma boca uma gravata de seda francesa
estou cortado na moda esperando o executivo que vem de são paulo
estou paulificado de tanta paulada
estou à espera da estrada de damasco
e seguirei comprando santinhos na casa sucena
nas edições paulinas
no paul deste dia acinzentado
Extraído de EL SOL EM LAS ENTRAÑAS. Salamanca: Centro de Estúdios Ibéricos y Americanos de Salamanca; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2004. 118 p. (Colección Salamanca Poesia y Ensayo Literário – Biblioteca Gaston Baquero)
O DEUS DARÁ
ao deus-dará
vou como vou
tudo que sou
foi ou será
não sei se o tempo
trará ou não
de supetão
um contratempo
quando galopa
age sem jeito
torna imperfeito
tudo que topa
o que está morto
morto ficou
quem o enterrou
lhe deu um porto
mas na memória
de cada tarde
ainda que tarde
se conte a história
cada domingo
tem sua tarde
que sem alarde
cai como um pingo
mas há uma só
pra cada cum
e não nenhum
que a atire ao pó
há uma apenas
que me recorda
em dose gorda
coisas amenas
que a tarde fique
como um menino
atento ao sino
e a se repique
Que a tarde guarde sempre o som de um sino
Ecoando alegrias de menino.
ESTRANGEIRO
Sou estrangeiro em todos os lugares.
Inútil procurar-te, aldeia minha.
Subo de escada todos os andares,
com a fria espada a acutilar-me a espinha.
Não sou daqui nem sou de lá. Perdi-me
na indecisão de becos e de esquinas.
Como o pardal diante do gato, vi-me
apanhado por garras assassinas.
Os mapas pendurados nas paredes
riem de mim como insensíveis redes,
rasgando os peixes que não fogem mais.
Prenderam-me entre muros que abomino
e toda a noite entoam-me seu hino
de insultos, gritos e ódios triunfais.
Extraídos de GALOPE DO TEMPO. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 260 p. (Tempoesia, 40) ISBN 85-282-0092-2
dieta de sangue
a dieta de sangue
traz ao mangue
fugitivos sem sono
ah o abandono
da plaga que uma praga
alaga e rói
que pedestal sustenta
o errante herói?
anos trinta e quarenta
a marcha lenta
que em fogo se consome
ah chama violenta
de ninguém restará
sequer o nome
tempos de paixão
ah tempos de paixão
desses navios
naufragados no mar
a corrosão
como um a um os brios
dispostos a matar
o mar abriga
junto ao lodo do fundo
a frota amiga
mais a esquadra inimiga
é a lei do mundo
que guardas no bom[e
com a tua fé
ah lei que não se agüenta
sobre o pé
a essência
tens de ceder os dias
ao impulso da procura
de rios e de rias
em uma terra obscura
tens de cortar a frio
com o gume do poema
o vermelho apostema
suportando com brio
de quando não se rende
mesmo passado a fio
de espada ou de navalha
e mais fundo trabalha
mais da luz fugidio
na essência do vivido
mas nunca possuído
as sementes
tens na lavra do poema
a solução exata
do obscuro problema
que o cérebro maltrata
é uma pedra que lavras
com escopro e cinzel
esculpindo palavras
no branco do papel
e enquanto a pedra cortas
com a agudeza do fio
as sementes transportada
para o teu lavradio
ALVAREZ, Reynaldo Valinho. Lavradio. Rio de Janeiro: Myrrha, 2004. 224 p. 14x21 cm. ISBN 85-89125-07-6 “ Reynaldo Valinho Alvarez “ Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação de Aricy Curvello.
lavra o dia
quem lavra
lavra o dia
o dia da palavra
que se lavra
a pau e pedra
em meio às alvas
sobre as pedralvas
das brasas que há em valvas
de calvas rochas calmas
almas lamas
dos salmos lancinantes
de muito antes
encarnados hidrantes
das águas esguichantes
jorro e chio
que versa o jarro frio
já um fio
perdido com eco
em io io
assim desfaz-se o lio
que te cerrava a casa
de teu tio
lavradio
lavradio
na lavra dessa rua
houve o sobrado
a pensão de teu tio
e logo a escola
em que ias com pasta e com sacola
sob o boné xadrez
e a pelerine
na lavra o dia
fez-se lavradio
o trabalhar do tempo
sobre o rio
de corrente traiçoeira
ao arrepio
dos hinos dessa escola
e desse tio
de claros artifícios
sob a boina
de todo modo é claro
o lavradio
que há de lavrar-se
junto ao rio estroina
o ovo
ainda não era
o tempo das memórias
mas de começo
em todas as histórias
tu comias o novo
qual esse ovo
que melhora o teu prato
ao meio-dia
e assim
crescias mais
a cada dia
o novo
era um amigo
que sorria
a foice
o estrondo e a fúria que há no mundo estava
também para descer como uma clava
sobre ti sobre os outros sobre todos
sempre seguindo variados modos
a cada um a cota que lhe cabe
o tempo mais que todos bem o sabe
mas tu ainda nem couraças tinhas
e a correr nos jardins ias e vinhas
ignorante da força dos relógios
passou-se o tempo e a inocência foi-se
quando em tua casa entrou a horrenda foice
Extraídos de
ALVAREZ, Reynaldo Valinho. Lavradio. Rio de Janeiro: Myrrha, 2004. 224 p. 14x21 cm. ISBN 85-89125-07-6 “ Reynaldo Valinho Alvarez “ Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação de Aricy Curvello.
VOZES DE AÇO. XXIII Antologia poética de diversos autores. Homenagem à escritora Raquel Naveira. Org. Jean Carlos Gomes. Volta Redonda, RJ: Gráfica Drumond, 2021. 104 p. 15 x 21 cm. ISBN 978-65-86744-31-6
Ex. bibl. Antonio Miranda
NO MESMO BARCO
No. 1
Vamos no mesmo barco. Amigo, estamos
como estivemos ontem e anteontem.
Não importa o que dizem ou o que contem,
nem sequer o perigos em que ficamos.
Sem saber como sempre aonde vamos,
nada mudou desde o recente ontem.
Seja aonde for que mirem ou apontem,
só o deserto em nós e o que levamos.
Nosso compasso obscuro, o nosso passo
é o que não espero ou ultrapasso,
parado em mim como num porto obscuro.
Nada sentimos, ontem, hoje ou nunca,
senão, na gorja, a aguda garra adunca
que nos suprime o ar e nos tortura.
No. 2
Quanta inutilidade nesses remos
que não remam, inertes neste barco.
Não é um mar que singramos. É um charco,
feito do que sobrou e é o que temos.
Quais vítimas de múltiplos venenos,
nosso desejo é fraco, pobre e parco.
E, de tão mínimo, se mostra o marco
do quanto somos débeis e pequenos.
Como sair desta inação insana,
deste império da praga soberana
que nos faz simulacros e espantalhos?
A pergunta revolve-nos entranhas
e, percorrendo estradas tão estranhas,
só nos leva a atulhar-nos nos cascalhos.
No. 3
Assim é que ficamos. Zero à esquerda,
atolados na lama do desgosto,
sempre ocupando o mesmo humilde posto,
sempre curtindo a mesma horrível perda.
Como um bicho que perde cerda a cerda,
vamos ficando nus e o nosso rosto
está morto de angústia e é um composto
de massa opaca, sem sentido e lerda.
É preciso sair da velha toca,
como o animal que deixa a sua loca,
para adentrar a selva e o que ela guarda.
Mas ficamos medrosos entre ruínas,
como quem sente medo das esquinas
e, a cada avanço, para e se retarda.
*
VEJA E LEIA outros poetas do RIO DE JANEIRO em nosso Portal de Poesia:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/rio_de_janeiro.html
Página ampliada em setembro de 2021
TEXTOS EN ESPAÑOL
EL AULLIDO Y LOS PERROS
escritos originalmente en español
OLOR A SANGRE
huele a enfermedad en las playas de mundo
y me voy por la orilla del mar como un velero cansado
una canción postrera habla de dioses muertos
y vuela como pájaro loco entre muros arruinados
¿ Quién habitó aquí en los anos difuntos?
mis manos están llenas de polvo y días no vividos
¿por dónde llevaré mi destino de náufrago indeciso?
el mundo no contesta a preguntas ancianas -
y hace continuamente preguntas siempre nuevas
allá por donde vamos siempre descubriremos nuevas islas
pues no somos más que los herederos de la nada
en lo hondo más hondo de la nada
allá levantaremos nuestros castillos y catedrales
contra nuestros muros y puertas
no prevalecerán las palabras de alegría
en nuestra ciudadela
las doncellas durmientes
gimen silenciosas
el aullido de su pasión
aquí se come el pan de la ceniza
y el alma se cuelga de los árboles
ahorcada sin culpa y sin juicio
ya niebla hielo y miedo agotan mi locura
mientras bebo en el mar la miel de cada olvido
para siempre y jamás me aíslo de mí mismo
y sigo hacia un donde y un cuando que no sé
YERMO
los huesos de tu soledad
tú los guardas contigo en el bolsillo
ya te lo dije ayer y anteayer
no los dejes por ahí
que ya se acercan los perros
tu aullido despertó a los niños
y las madres te miran con odio bajo los párpados pesados
así vas por esas calles
como fuiste por la vida
sin mapa ni linterna
dando vueltas alrededor de tu desierto
que no te dejes comer por los perros hambrientos
recuerda que mañana bien temprano
abandonarás el sueño
antes de que el sol se yerga
para bañarte en la niebla del campo
tienes una cita
con los animales
en el yermo
diles
que ahora puedes
fraternalmente
hablar con ellos
para probarlo
no te disfraces
y ofréceles confiante
la honda soledad de tu aullido
Extraídos de EL AULLIDO Y LOS PERROS. Rio de Janeiro: Myrrha, 2003. 78 p
(Portada de Hortensia Maria Pecegueiro do Amaral)
LA PLAZA DE CATVMBI A LA LUZ DE PIXINGUINHA
Traducción de Alfredo Pérez Alecart
ya no veré a pixinguinha atravesando la plaza de catumbi vestido de pijama
ni gallinas y palomos picoteando entre los paralelepípedos del
supracitado espacio público
ni el cementerio es el mismo con difuntos siempre diferentes
la muerte es agotadora y tediosa
pero los muertos no se repiten
los difuntos de la familia están enterrados en el metro del catete
las zanjas abiertas de cinelândia a botafogo
el sumidero en el agua potable
el teléfono paralizado
la luz temporalmente apagada como los faros de la voz del brasil
la potencia agotada de los ascensores
el inmenso intestino cortando cables y canalizaciones
la galería de concreto
la parte rectal de la ciudad
caparon el lado derecho de catumbi e itapiru
castraron el lado izquierdo del catete
en la ciudad cada vez más tentacular menos testicular
con ingenio y sin arte emascularon
la virilidad de río-mar
EL BUEN MUCHACHO BIEN EDUCADO EN LA CORTE DE LOS TECNÓCRATAS
Traducción de Alfredo Pérez Alecart
alas quince horas
justamente a las tres en punto de esta tarde
estaré encerrado entre cuatro paredes
oiré a ingenieros y economistas
encargarán que yo cuide el portugués
beberé café
inhalaré el humo del cigarro ajeno
llenaré los pulmones de aire viciado
estropearé el cerebro con palabrería
sentiré sueno tedio ganas de marcharme
pero ganaré mi pan muy callado
no perjudicaré a nadie
no seré grosero
todo 10 haré por los mejores resultados
mi familia puede estar tranquila
porque me mostraré como un buen muchacho
al mismo tiempo
a las tres en punto de esta tarde
hay mujeres entrelazadas a sus amantes
hay secreciones mezcladas
vaginas esposándose con penes
hay chorros de esperma contra diafragmas
hay semen contenido en preservativos
hay cuerpos que se contraen y relajan
hay un sujeto solitario tomando cerveza os cura y comiendo
ensalada de patata en el bar luís
a las tres en punto de esta tarde
no avergonzaré a mi familia
a las tres en punto de esta tarde
habrá una piedra incorruptible en mi pecho
ESTE PEZ EN EL ACUARIO EN TARDE GRIS
Traducción de Alfredo Pérez Alecart
estoy preso en el acuario entre ficheros
soy un pez con un ano una boca una corbata de seda francesa
estoy vestido a la moda esperando al ejecutivo que viene de são paulo
estoy aburrido de tanta paliza
estoy esperando el camino de damasco
y seguiré comprando santitos en la casa sucena
en las ediciones paulinas
en el pantanal de este día ceniciento
Extraído de EL SOL EM LAS ENTRAÑAS. Salamanca: Centro de Estúdios Ibéricos y Americanos de Salamanca; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2004. 118 p. (Colección Salamanca Poesia y Ensayo Literário – Biblioteca Gaston Baquero) |