RENATA BOMFIM
Renata Bomfim nasceu na ilha de Vitória, capital do Espírito Santo (Brasil), no dia 21 de novembro de 1972. Graduou-se em Artes plásticas pela Universidade Federal do Espírito Santo. É Mestre e Doutoranda em Letras
também pela UFES. Especializou-se em Psicologia Analítica Junguiana; Arteterapia na Saúde e na Educação e em Psicossomática. Desde 2007 integra o grupo de pesquisa do CNPq intitulado Florbela Espanca Et ali...
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TEXTOS EM PORTUGUÊS - TEXTOS EM ESPANHOL
BOMFIM, Renata. Colóquio das árvores. Lisboa, Portugal: Chiado Editora, 2015. 218 p. 14x22 cm. ISBN 978-989-51-3975-0 “Renata Bomfim “ Ex. bibl. Antonio Miranda
O PRAZER DE SALOMÉ
Ao poeta Antônio Miranda
A pureza, que coisa mais obscena!
Depois de dançar
Ao som da lira negra,
A réptil inviolada
Fez amor pela primeira vez.
Seu corpo era todo um jardim
Recém- nascido da paleta de Moreau.
Dos seus seios fatais brotavam
Safiras, ágatas, pérolas e rubis.
Salomé trazia no sangue a fúria
De Herodíade,
E a morte nos olhos de prata.
Naquela noite
Feita de angústias estéreis
(e solitárias),
Dois homens perderam
A cabeça.
REVELAÇÃO
Com Freud e Lacan, muito sexo.
Flerte com Foucault.
Com Bakhtin, pura amizade.
Mas com Jung, amor.
Com Deleuze, um chá à tarde,
Com Baudelaire, cigarro, rapé, campari.
Conselhos tomo com o Jameson,
Mas sigo sempre as dicas do Paz.
Sedutores pirados, visionários, poetas,
Combinam bizarrices e genialidade,
Roubam meu tempo, minhas letras e
Partem falando de mim. Fica a saudade.
VIVA O AMOR
E em que furor sagrado
Os nossos corpos nus e desejosos
Como serpentes brancas se enroscaram,
Tentando ser um só!
(José Régio)
celebremos o amor!
amo-te, sim,
e não é de hoje.
amor insólito,
estrambótico,
enviesado, esse meu.
ele faz com que eu veja coisas
que não existem,
imagine realidades loucas.
amor doente...
(sim, o amor pode ter febres),
amor ardente,
as vezes al dente,
pois, te devoro
até não sobrar haveres.
amor estropiado
pirado, maltratado,
as vezes, o último na lista.
mas, não culpemos o amor
(essa coisa lindinha)
pelos nossos tropeços,
desmedidas, fins e recomeços,
o amor precisa ser poupado
do ódio, das intrigas,
do tédio cotidiano...
viva o amor de casca fina,
verde e azedinho como um kiwi.
viva o amor cantado em verso e prosa
que adoça a minha boca
e amarga da garganta aos rins.
viva o amor!
viva, viva,
sempre!
BOMFIM, Renata. Arcano dezenove. Vitória, ES: Flor & Cultura, 2011. 100 p.. 14x21 cm.. ISBN 978-21-85-8100-000-8 Projeto gráfico: Aldivan Casotto. Foto: Jove Fagundes. Col. Bibl. Antonio Miranda.
POESIA 1
Poesia é
a palavra
àanào cria,
germinando,
brotando e
despontando
a guia.
FLORBELA EM CANTO
Para a Soror Saudade.
No claustro, o silêncio ensurdece.
Fado? A alma resiste e canta.
Da mouraria chegam ecos de vozes distantes.
Torres de marfim e vitrais formam
paços adornados com lágrimas e cristais,
gotas brilhantes que correm pela face das monjas
e são, caprichosamente, colhidas
pelas mulheres e por homens que versejam em Portugal.
Ouço dizer de Princesas ornadas.
De virgens pálidas e febris
refletidas em vitrais espetaculares.
Seus sexos são cobertos por violetas maceradas
que perfumam e inebriam os pensamentos,
desviando os caminhos de quem passa.
Seus sonhos sensuais aquecem o frio das celas de ouro.
A simplicidade de seus gestos contrasta com
o tesouro: pérolas e jades que saem de suas bocas
rosadas.
- Oh! Roseirais e lírios que perfumam os campos!
- Oh! Árvores que guardam os ninhos dos rouxinóis,
levem este canto, espalhem este odor e retornem plenos.
Tudo o que vejo é santo, é vivo, causa espanto:
O universo, o caos, a beleza...
- Astros dispersos iluminam verbos e letras e inquietam
amantes que nunca se tocaram, e despertam na
memória
imagens que insistem em ir para além de mim.
HÁ VAGAS
Um quarto e muitas cadeias,
Espelhos, febres.
Lá fora o letreiro avisa:
Há vagas!
Ela brilha mais que o letreiro
Por entre as plumas.
Vestido de cetim surrado,
Sorriso zombeteiro,
Finge ser freira, santa, mártir.
É puta.
Vende a carne flamejante,
Como um joalheiro, diamantes.
A oferta é especial:
Fantasias e sonhos delirantes.
Ela segue uma estrela
O infinito a invade.
Sonha com Hollywood,
Guarda recortes de revistas.
Dentro de uma caixa preta,
Seu coração blindado.
A boca é virgem, não beija,
E da vida que não é fácil
Que é pureza de alma
Mesmo que padeça sob
O olhar enlameado.
Mulher de fumaça e de pedra;
A razão bombeia.
Verdadeira, é natureza.
O que dizer do amor que sente?
Que é também ódio, dor, ternura...
Lilases a atravessam até a medula.
Ângulos oblíquos emergem
de suas curvas atraentes.
Sua espinha emocional
Desenha formas indecentes:
Mosaico, plural...
Como julgar decadente
Essa flor que resiste e brota
Do asfalto frio, inclemente?
Lírio entre espinhais.
ENTRE A LUZ
E A ESCURIDÃO
Entre a luz e a escuridão
há um rasgo,
uma fissura,
por onde o tempo espia.
De lá se contrai,
em dores, a ternura.
E já nascemos na bruteza,
com um grito embargado na garganta,
que, quando liberto,
revela ecos de outras vidas,
palavras-trama. E
somos postos entre
o estro e a afasia.
Sempre em busca da beleza,
a alma só na arte se encontra,
aprende a plasmar a terra e a si;
sua ferramenta, o coração.
E, para validar a existência,
transforma o caos em esperança,
recria, pariu a si mesma fora do tempo,
nas asas da poesia.
TEXTOS EN ESPAÑOL
Tradução de Pedro Sevylla de Juana
RENATA BOMFIM (21/11/1972) nació en la Isla de Vitoria, capital del Espirito Santo, Brasil. Poeta, artista plástica, activista social y ambiental del Mostero Zen Morro da Vargem (Iburacu/ES), la escritora es Mestre en Letras y, en la actualidad, desarrolla uma tesis doctoral en la que dialoga con las poéticas de Rubén Darío y Florbela Espanca.
Miembro de la Academia Feminina Espírito-Santense de Letras. Tiene publicadas las obras Mina, Arcano Dezenove.
Blog Letra e Fel: www.letraefel.com
GUERNICA HOY
¡Alivíame de ese dolor!
Seca la sangre que escurre y corre,
manchando la tierra, el agua y la flor.
¡Líbrame de la fuerza del imperio de la agonía,
líbrame del miedo de esa corte maldita
consagrada a la fantasmagoría
y a la vergüenza!
Dolor dentro y fuera del tiempo
que me acierta y finjo, finges, finge
que no la tenemos.
Letargía ignorante,
ni pan ni circo.
Guernica se actualiza:
Irakés, Palestinas, Brasís,
tsunamis, maremotos, terremotos
Haitís, villas miseria, esquinas y plazas
Instituciones mezquinas.
Nada vemos, tenemos o queremos,
¡nada de vientos, ni de brisas, ni de Paz!
¡Tememos!
¡Temblamos!
¡Alivíame del grito detenido en las entrañas!
¡Libértalo!
Conjuga los fragmentos de esa tragedia
cardinal, extraña, sin nombre, sin rostro, sin norte.
Revela el poder pulverizado que hace llover la sangre.
Alivíame de ese dolor que apesta, anestesia
y sabe a muerte.
CANCIÓN PARA FRIDA KAHLO
Quiero abrazar tu desamparo.
Ser tu simétrica melliza
y además Otra.
Quiero ampararte entera,
partícula a partícula,
corrigiendo
tus carencias irreparables.
Me delatas
con imágenes: dolor, hiél y dulzura.
Cae la máscara, redimida,
mi alma respira libertad.
Puedo ser sencillamente
esa y otras.
Palpar de forma epifánica y virtuosa
la capa de santidad,
en el azul turquesa de tu paleta incolora.
Tus objetos preciosos:
collares, anillos y sueños de jade,
tus vestidos largos, avolantados,
dispersan flores de espectacular atractivo.
Cuerpo frágil se metamorfosea
en color exaltado, turbadora acuarela,
con imágenes de tierra y de cielo.
La feminidad de los trazos
despierta sensaciones tornadizas,
diversas imágenes
que me reflejan ad infinitum.
En ellas, me acepto y me recupero,
lágrimas y sonrisas.
Quiero abrazar tu desamparo, ¡sí!
admitiendo el dolor que mora dentro
curando las llagas de la melancolía
y permitiendo escapar, rescatando
las amarguras y los sueños que no viví.
MUNDO ISLA, ISLA MUNDO
Dedico este poema a los jóvenes
sublevados de la Tierra!
No mutilen a mis hijos,
buitres de los campos teñidos de sangre,
gusanos nutridos de cadáveres durante
siglos,
¡cobardes!
No mutilen a mis hijos que,
cansados de errar sedientos y hambrientos,
exigen el agua de la Justicia y
el alimento de la Verdad.
Mis ojos que han visto casi todo
en este mundo Isla, en esta Isla mundo,
aún se asombran, aterrorizados,
desangrados por la sinrazón:
La imagen pavorosa de la Justicia ciega
fornicando con monstruos para engendrar
Quimeras, Demonios y Súcubos.
RESIDUOS
Ah! mi tosquedad,
soy corteza gruesa del árbol milenario,
más allá de la belleza sé, como nadie,
arañar, herir, desangrar...
Fui proscrita de las aldeas tecnológicas,
Cain sin el menor arrepentimiento,
poeta expulsado de la polis por
originar tumulto y declamar palabras
subversivas como amor y libertad...
Errante, voy por los caminos recogiendo
los despojos de la guerra,
objetos despedazados entre escombros:
residuos de mi soledad.
TURBACIÓN
Canta sobre mis quebradizos huesos
para que yo renazca
luminosa
y sin trabas.
Préstame tu carne viva,
tu sangre vigorosa.
Permite que mi rostro florezca
en la calma impaciente
de tu esperanza.
Es ajena mi alma: azul
y blanca.
Blanca, blanca
y azul,
celeste y blanca.
Deseo,
con todas mis fuerzas deseo
ser agua
del río que asciende
por la ladera reseca
de la montaña.
Plena, conjugada,
así renacida
seré el fruto de tu amor
Esplendente y plácido.
Canta sobre mis huesos
para que todos los ciclos se cierren
y se alineen los astros.
Baña con tus lágrimas
mi boceto rasgado.
Seré arcilla, cobre maleable,
América indígena,
piedra rodada,
árbol reverdecido,
manantial fluente.
No me poseas, cinceles o cultives.
Déjame así: intocada.
Esencia, pura esencia.
Y prometo
tierra fecunda
acogerte amorosa
en mi seno cálido.
Libre.
BOMFIM, Renata. Mina. Vitória, ES: Helvética Produções Gráficas e Editora, 2010. 144 p. 12,5x21 cm. ISBN 978-85-88909-71-7 Col. Bibl. Antonio Miranda.
Questões poéticas
António, o que faço?
Colonizaram a minha bandeira.
Agora toda empresa é responsável,
toda exploração, sustentável,
toda carne, sadia,
mesmo que o bicho nasça, viva e morra
de forma miserável.
Anto, onde me encaixo?
Neste mundo, estou tão Só
Me espanca este plágio:
"Ó dobres dos poentes às Ave-Marias!
Ó Cabo do Mundo! Moreia da Maia!
Estrada de Santiago! Sete-Estrelo!
Casas dos pobres que o luar, à noite, caia..."
E você, José, que faz versos,
que ama, protesta?
Me diz: onde está a poesia?
O verbo também
tornou-se terra pisada?
Os ritos de fecundidade,
necessários para garantir a safra
do bem-dizer, serão ainda executados?
Me diz: e agora, José?
Eus
Meus duplos
querem tudo!
O doce e o azedo
o prazer e a dor.
Me querem toda
devorada
reduzida.
Eus de mim que não
se entendem e se deixam possuir.
Camadas de peles nuas
peles por sobre os pêlos
suores e agonias.
Saudades da unidade perdida
Eu, ovo,
Ova
guardada no saco
do escroto,
balizada n'água da bacia,
purificada
dos pecados dos outros!
Moqueca Capixaba
Ela vai sendo aquecida, lenta e
delicadamente, em fogo brando.
Sobre a mesa, o namorado,
temperado com amor, espera.
Pretinha de barro, filha de índio
seu colo acolhe o fruto do mar
fervilhante, emana seu odor
Esperam-na todos, deleitantes.
Um bom vinho, à mesa,
um silêncio respeitoso,
as bocas anseiam e marejam
como velas errantes ao mar.
E o namorado vai sendo devorado,
Transubstanciação, pode-se sentir o
Espírito Santo no céu da boca.
Divina moqueca capixaba!
Rainha de Copas
Embaralhada
na mesa
manda a Rainha.
Vulnerável?
Não!
Venerável!
Voltada para cima,
Contempla o futuro.
Sua casa,
a mobilidade.
Setenta e sete súditos
Por ela ardem de desejo.
O rei/escravo submete-se.
Os naipes se curvam humildemente.
Vitória régia é o seu jogo,
Curinga baila enquanto
a fêmea canta,
o fado da fortuna.
Antonio Miranda e Renata Bomfim numa das sessões do X Festival Internacional de Poesia de Granada, Nicaragua, em fevereiro de 2014.
(página em construção) Publicada em fevereiro de 2014. Ampliada em janeiro de 2016.
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