Foto> Mauro Homem (1979)
PEDRO NAVA
Nació en 1903, en Belo-Horizonte (Minas Gerais). Se doctoró en Medicina —profesión que ejerció desde 1937. Poeta ocasional, que solo: escribe poesia cuando alguna poderosa necesidad parece exigírselo, muy de tarde en tarde ha publicado en revistas —nunca en libros— alguna de sus composiciones.
TEXTO EM PORTUGUÊS / TEXTO EN ESPAÑOL
O DEFUNTO
Quando morto estiver meu corpo,
Evitem os inúteis disfarces,
Os disfarces com que os vivos,
Só por piedade consigo,
Procuram apagar no Morto
O grande castigo da Morte.
Não quero caixão de verniz
Nem os ramalhetes distintos,
Os superfinos candelabros
E as discretas decorações.
Quero a morte com mau-gosto!
Dêem-me coroas de pano,
Angustiosas flores de pano,
Enormes coroas maciças,
Como enorme salva-vidas,
Com fitas negras pendentes.
E descubram bem minha cara:
Que a vejam bem os amigos.
Que não a esqueçam os amigos
Que ela ponha nos seus espíritos
A incerteza, o pavor, o pasmo.
E a cada um leve bem nítida
A idéia da própria morte.
Descubram bem esta cara!
Descubram bem estas mãos
Não se esqueçam destas mãos!
Meus amigos, olhem as mãos!
Onde andaram, que fizeram,
Em que sexos demoraram
Seus sabidos quirodáctilos?
Foram nelas esboçados
Todos os gestos malditos:
Até os furtos fracassados
E interrompidos assassinatos.
- Meus amigos! olhem as mãos
Que mentiram às vossas mãos...
Não se esqueçam! Elas fugiram
Da suprema purificação
Dos possíveis suicídios.
- Meus amigos, olhem as mãos!
As minhas e as vossas mãos!
Descubram bem minhas mãos!
Descubram todo o meu corpo.
Exibam todo o meu corpo,
E até mesmo do meu corpo
As partes excomungadas,
As sujas partes sem perdão.
- Meus amigos, olhem as partes...
Fujam das partes,
Das punitivas, malditas partes...
Eu quero a morte nua e crua,
Terrífica e habitual,
Com o seu velório habitual.
- Ah! o seu velório habitual!
Não me envolvam em lençol:
A franciscana humildade
Bem sabeis que não se casa
Com meu amor da Carne,
Com meu apego ao Mundo.
Eu quero ir de casimira:
De jaquetão com debrum,
Calça listrada, plastron...
E os mais altos colarinhos.
Dêem-me um terno de Ministro
Ou roupa nova de noivo...
E assim solene e sinistro,
Quero ser um tal defunto,
Um morto tão acabado,
Tão aflitivo e pungente,
Que sua lembrança envenene
O que resta aos amigos
De vida sem minha vida.
- Meus amigos, lembrem de mim.
Se não de mim, deste morto,
Deste pobre terrível morto
Que vai se deitar para sempre
Calçando sapatos novos!
Que se vai como se vão
Os penetras escorraçados,
As prostitutas recusadas,
Os amantes despedidos,
Como os que saem enxotados
E tornariam sem brio
A qualquer gesto de chamada.
Meus amigos, tenham pena,
Senão do morto, ao menos
Dos dois sapatos do morto!
Dos seus incríveis, patéticos
Sapatos pretos de verniz.
Olhem bem estes sapatos,
E olhai os vossos também.
De
NAVA. Pedro. Pedro Nava, o alquimista da memória. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2003. 72 p ilus. catálogo de exposição
ALCAZAR
Para Rachel de Queiroz
Rosa de neve,
estrela expandida
no fim da noite!
Estrela perdida
que tremes no alto
das capas de vidro
do céu cristalino!
Surges discreta
Como os ladrões...
A luz que enlouquece
vem das espiras
que riscam no ar
as cores agudas
do teu espectro!
Tua luz se insinua
nos olhos dos doidos.
- És tu que te infiltras
nas lágrimas turvas
que empastam a cara
dos bêbados tristes.
- És tu que lampejas
no mar que se fecha
ao baque cadente
do corpo silente
dos suicidas.
Como és única e clara
quando cintilas
na franja escura
que o dia dilui,
- no límpido instante
em que te exorbitas
e logo te esvais:
Brilhas tão pouco
no fim da noite
- ciclo irisado,
rosa expandida!
Brilhas tão pouco
que mal consigo
captar teu lume
num breve segundo
de lucidez,
que presto desmaia
como luz perdida
no fim da noite.
LOUVAÇÃO POÉTICA A PEDRO NAVA. São Paulo, SP: 1983. 19 p. Inclui poemas de Carlos Drummond de Andrade, Alphonsus de Guimarães Filho, Fernando da Rocha Peres, José Geraldo Nogueira Moutinho, Nei Leandro de Castro, Gastão Castro Neto, Olavo Drummond, editado por José Mindlin em homenagem aos 80 anos de Pedro Nava. Tiragem 300 exs. Ex. n. 00149 na bibl. Antonio Miranda.
PEDRO (O MÚLTIPLO) NAVA
Carlos Drummond de Andrade
Tantas vezes corri ao Dr. Nava
em demanda de alívio, e ele acudia.
De seu saber minh'alma fez-se escrava,
e o corpo, devedor com alegria.
Do moço Nava a poética palavra
que em cadências modernas se expandia,
admirei, e no peito ainda se grava
um certo poema seu, que me arrepia.
Nava pintor e Nava desenhista
esquivo, agudo, exato, surpreendente,
quem nos seus traços não consola a vista?
Esse querido Nava, simplesmente,
de nosso tempo fiel memorialista,
é mistura de santo, sábio e artista.
TEXTO EN ESPAÑOL
EL DIFUNTO
Traducción de Renato de Mendonça
Cuando se halle muerto mi cuerpo,
evitad los disfraces inútiles,
los disfraces con que los vivos,
unicamente por piedad consigo,
tratan de aplacar en el muerto
el gran castigo de la Muerte.
No quiero ataúd barnizado,
ni los ramilletes distinguidos,
ni los superfinos candelabros,
ni los discretos adornos.
¡ Quiero la muerte con mal gusto!
Dadme coronas de trapo.
Dadme flores de trapo morado,
angustiosas flores de trapo;
enormes coronas macizas,
como enormes salvavidas,
con cintas negras colgantes.
Y descubrid bien mi cara :
que Ia vean bien los amigos.
Que no Ia olviden los amigos.
Que introduzca en sus espíritus
la incertidumbre, el pavor, el pasmo.
Y que se lleve cada uno bien grabada
la idea de la muerte propia.
¡Descubrid bien esta cara!
Descubrid bien estas manos:
¡no os olvideis de estas manos!
Amigos mios, ¡mirad bien Ias manos!
¿Por donde anduvieron, qué hicieron,
en qué sexos se demoraron
sus sabidos quirodátílos?
En ellas se esbozaron
todos los gestos malditos:
hasta hurtos fracasados
y asesinatos interrumpidos.
Amigos mios, ¡mirad Ias manos!
que mintieron a vuestras manos!
¡No las olvideis ! Elias huyeron
a la suprema purificación
de los suicídios posibles.
Amigos mios, ¡mirad las manos!
i Mis manos y vuestras manos!
¡ Descubrid bien mis manos!
Descubrid todo mi cuerpo.
Exhibid todo mi cuerpo,
y hasta incluso de mi cuerpo
las partes excomulgadas,
las sucias partes sin perdón.
Amigos mios, ¡ mirad las partes!
¡ Huíd de las partes!
¡ De Ias punitivas, malditas partes!
Quiero la muerte desnuda y cruda,
terrorífica y habitual,
con su velatorio habitual.
¡ Ah, su velatorio habitual!
No me envolvais en sábanas:
la franciscana humildad
bien sabéis que no se casa
con mi amor de la Carne,
con mi apego ai Mundo.
Y quiero ir de cachemir vestido:
con chaquetón ribeteado,
pantalones listados, plastrón
y el más alto cuello duro.
Ponedme un terno de ministro
o ropa nueva de novio.
Y así, solemne y siniestro,
quiero ser un tal difunto,
un muerto tan acabado,
tan aflictivo y punzante,
que su recuerdo envenene
Io que quedara a los amigos
de vida sin mi vida.
Amigos mios, acordaos de mi.
i Del pobre terrible muerto
que se va a dormir para siempre
calzando zapatos nuevos!
Que se váacomo se escapan
los golfos ahuyentados,
Ias prostitutas rechazadas,
los amantes despedidos,
comoi los que salen oxeados
y volverían sin aliento
a cualquier ademán de llamada,
¡ Amigos mios, compadeceos,
si no del muerto, por Io menos,
de los dos zapatos del muerto!
De sus increíbles, patéticos,
zapatos negros de charol.
Mirad bien estos zapatos,
y mirad los vuestros también.
Página publicada em dezembro de 2008
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