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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




ILDÁSIO TAVARES 

(1940-2010)

 

Nasce na fazenda de São Carlos, na região de Grapiúna da Bahia. Estudou direito mas se licenciou em Letras pela Universidade Federal de Bahia. Publicou artigos de filosofia, contos e realizou numerosas traduções. Realizou estudos universitários em língua inglesa. Doutorou-se pela UFBA em Literatura Portuguesa.

 

 

 

TEXTOS EM PORTUGUÊS  TEXTOS EN ESPAÑOL

 

TEXTOS   ITALIANO & PORTUGUÊS

 

TUA DUNA

 

arqueio de mel

         sobre o branco

coaduna

     este ardor que me brota

                            no flanco

que provoca em meu corpo o arranco—

o vibrar do pincel

nesta tela de mel,

caracol de papel

(lá no fundo o anel)

mar e céu.

 

Tua duna. 

 

            Luz Oblíqua (1982-1988)

 

ESTAMOS

 

não somos,

               estamos;

                            tumulto-cogumelo

 

à beira-sol,

rasgo de espanto,

                            meta,

desespero—

                   estamos

não cumprimos,

                   não amamos,

                                      não criamos.

 

         Ditado (1973)

 

TERCETOS

 

O desejo continua

no seio de outro desejo

um é o outro; o outro é um.

 

No seio de outro desejo

o desejo se conforma—

tigre é presa; presa é tigre.

 

Meu desejo permanece

no seio do teu desejo—

eu sou tu; e tu és eu.

 

Pelo gume do desejo

é que somos e não somos—

sonho de tudo em um nada.

 

 

             FB BRASIL 88

                         Natal, nas ruas calor.

nos lares despedaçados,

uma frieza sem cor

congela doces passados.

 

Coração sai pelo mundo.

Como ser só é verdade!

Em mim mesmo me redundo:

de nada serve a saudade.

 

E como atrai e fascina

o presente que não sei,

visto detrás da vitrina

da loja em que não entrei. 

 

            Breviário (1988-1995)

 

 

A seguir, poema extraído de
L B Revista da Literatura Brasileira. N. 35.  São Paulo, SP. 2004

 

SONETO PARA FÁBIO LUCAS

        Poema de Ildásio Tavares

No cheiro, o gosto está: presente e ativo
do acarajé que uma baiana frita.
Em mesas na calçada, corre vivo
o converseiro que a cerveja incita.

Tudo é promíscuo. Tudo é permissivo.
A gente vai e vem. O ar se agita.
A moça ri, em tom convidativo.
A adolescente vende queijo e excita.

Os corpos seminus, pelas calçadas,
louras, mulatas, negras e morenas,
ondulam, ofertando seu andar.

Tudo rola. Entre as mesas apertadas,
todos se tocam, deixam-se roçar.
Noites de Itapuã, sensuais e plenas.



ILDÁSIO TAVARES

De
imago
Rio de Janeiro: Edições Porta de Livraria,1971
(Série Poesia 13)

 


O   GATO

 

Feito em amizade para Emanoel Araújo.

 

(l)

 

é susto e salto.

Olhos

 

lâmina de luz,

o gato,

tecida maciez de assalto,

passo a passo,

vezes de sinuosidade, enlongamento.

 

O gato

é susto é calma é salto.

 

xxvii-viii-lxviií

 

O GATO

(II)

 

Lambe a madrugada

e o silêncio

pé de nuvem

no telhado,

 

O gato

logo é grito, grito

no cio

      da madrugada.

 

xxvii-viii-lxviíi

 

O C Ã O

(l)

 

é faro e força

feita na certeza da ração;

postura

de espera

e ataque;

 

sobressalto em som de escuro;

 

amor e fera; 

o cão

                         guarda em latido a noite,

                a solidão.

 

xxviii-viii-lxviií

 

O TATU

(II)

 

(quando o cachorro é faro até o buraco)

             elide o escape

no limite à proteção

Baque de enxada

a ser encontro,

o tatu

entoca medo 

a ser em luz manietado.

 

xix-xii-lxviií

 

 

 

TAVARES, Ildásio. IX Sonetos da Inconfidência. São Paulo: Lemos Editorial; Editora Giordano, 1999. 63 p 12x18 cm. Apresentação de Fábio Lucas. “ Ildásio Tavares “ Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

 

I - Gonzaga

 

Meu coração é um louco inconfidente

pelas minas gerais dos seus amores.

Ele alvarenga. Ele claudica em dores.

Mas dorotéia sempre, impertinente.

 

Pois sempre há de chorar o bem ausente

em derrama brutal de dissabores,

personagem que busca seus autores

e não sabe porquê. É indiferente

 

que em Moçambique alguém me enrique. Leva-

se tempo em ruminar uma aspereza.

Mas quem jamais sonhou, jamais viveu —

 

Brasil é um pirilampo azul na treva.

Marília é um purgatório de beleza.

E ninguém sabe onde andará Dirceu.

 

 

III - O Alferes

 

Meu coração é um arsenal de horrores

e dores que atropelam meu país.

Gargalha puta! Zomba, meretriz!

O dia há de chegar dos teus senhores.

 

Errei aonde? Fui eu só que errores

cometi? Eu confesso tudo ao juiz

e hei de morrer sem medo. O povo diz

que é de medo que morrem os desertores.

 

Mais vale um bom soldado que uma tropa

de covardes; de traidores; fanfarrões.

A cada um lhe cabe sua Termópilas.

 

Não temo a morte, a vida me dá asco.

Só eu é que garanto os meus colhões?

Então só eu errei. Chamem o carrasco.

 

 

TAVARES, Ildásio.  Odes brasileiras.   Rio de Janeiro: Imago Editora; Fundação Biblioteca Nacional, 1998.  112 p.  ISBN 85-312-0637-X  “ Ildásio Tavares “ Ex. bibl. Antonio Miranda

 

Ode Loquaz

 

Eu faço odes com e sem propósito de vê-las

fluir astutamente e de

fruir suas arquiteturas oscilantes

onde antes havia o silêncio obsceno

que têm todos os papéis em branco.

Almejo outro silêncio —

o silêncio colorido das sinestesias;

o silêncio desbotado dos casarões abandonados;

o silêncio em ruínas dos monumentos gregos;

o silêncio das banquisas;

o silêncio arrogante dos teatros quando o público

para de aplaudir, sai

e os atores trocam carícias com o espelho

no mistério dos camarins;

para não falar do silêncio vibrátil

das pausas nas composições de Villa Lobos

e o silêncio melodicamente barroco

das igrejas da Bahia:

o silêncio dos mudos que tudo dizem

na sofreguidão das línguas imóveis,

estalagmites submersas

em uma gruta vazia de som.

Todos os silêncios — o silêncio da Morte —

adusto, álgido, absconso, grávido

de toda uma existência apetecida

onde flores, urzes, frutos, ramos, troncos, raízes,

restos arrancados, cicatrizes, jornais, pinacotecas, livros,

ternos e quadras, esterco e diamantes;

solenidades capares de abranger

diminutas irreverências; possibilidades

muito além da mera estatística

que a mente nem sequer

consegue abarcar com segurança

quanto mais deter-se, grave e séria,

na árdua tarefa de interpretar.

Há os que falam. E falam muito. Cumprimentam

equinos com a naturalidade de quem viu Spinoza

descobrir Deus de novo e não lhe deu o menor crédito

ou de quem comprou uma gravata-borboleta azul

e a usou, garboso, com seu último terno caqui

machucado e com polainas. É isso mesmo.

É só o que sabem. Falar, falar, falar. Descansam

e quando estão bem descansados

voltam a falar como se estivessem calados há milénios.
Quem aguenta? Quem suportaria tanta mensagem?

Quem resiste a tantos códigos? Quem? Diga-me quem?

Eu não, eu nunca tolerei tanta balbúrdia!

É como se fazer literatura

fosse incorporar e construir de novo

a Torre de Babel. Vejam Pound,

esse Cavaleiro da Awkard Figura,

pêlos campos da Europa, em riste a lança da Loucura

contra os sólidos moinhos da Usura

e apostando alto no Imperador Careca de Barataria.

Falou, falou, falou até na Rádio.

Falou pior do que cantou, quando,

baralhava as línguas para que ninguém o entendesse

e pensassem que ele era Poeta Maior

ou coisa que o valha. Como esse cara falou!

E o pior é que não disse nada —

o que tentou dizer, a Humanidade inteira discordou.

Era um humanista equivocado

diria alguém, consultando velhos alfarrábios

que registrem, entre outras coisas, a mais memorável

das memoráveis frases do Capitão Louis;

"Lê proletariat c'est mói", salvo engano.

Carisma. Eu sei que vocês vão dizer. Carisma. E daí?

Eu, pessoalmente, ando cheio de Carisma

e pobre de metafísica, determinado

a dormir cedo esta noite e não

ficar até a madrugada garimpando palavras

e esperando que apareça no meu cérebro

a luz gratificante de uma metáfora nova,

no velho engaste azul do pensamento —

uma virgem, dir-se-ia,

que o poeta possui com volúpia demiúrgica

como uma ratazana eletrônica,

roendo o queijo consistente do Parnaso.

Eu acho graça. Percuto as teclas com bonomia

e acho graça. Isso é tudo que aprendi com Debussy.

É o melhor recurso. Não passar do prelúdio. Já pensou

se eu me detiver a examinar o morticínio

causado pelo Carisma? E mais ainda,

se eu me atrever a tratar desse assunto

de maneira tal que o consiga transformar em literatura?

Em poesia com rima e tudo? Ou mesmo sem rima,

o que é a mesmíssima coisa? Ah, nem pensam, eu seria

imediatamente crucificado na mais pública das praças

após ser exposto à execração e ao opróbrio. Eu não.

Não vou ser eu quem vai abordar

esses temas vulgares e tão superficiais.

Eu, logo eu que falo tão pouco; eu que,

não tem nem cinco minutos,

acabei de explicar que o meu negócio é silêncio?

Eu não. Tenha santa paciência. Me dá

o silêncio intergalático, seria desejar muito?

Esse sim, quer dizer tudo. Provavelmente foi aí

que as coisas começaram, onde

ecoou na hiperbólica totalidade do mais absoluto

silêncio a voz do primeiro Poeta. Bang, ele disse, ou

haja versos. Nomes que ninguém nomeia. Caminhos

que ninguém caminha. Harmonia.

A Era é essa. A palavra acaba de chegar

de seu remoto ponto de origem. Os passageiros

agitam-se a bordo. A nave há pouco partiu

e já pensam, denodados, em chegar.

Soltem as velas, estão gritando, soltem as velas;

o vento é pouco e não infla a bujarrona.

O traquete, icem o traquete

que nosso vento é pouco, o rumo longo

e ainda são três horas da manhã. Vejam,

Júpiter em Escorpião. Cassiopeia

deita no céu, insone e antiga, vamos,

olhem o rochedo, soltem os cavalos,

a mezena; nosso traço vai ficar

como cobra no pélago profundo. Reto

é o rumo mas quem sabe ao certo

o que sopram nos ouvidos a essa hora?

Soltem as velas marinheiros, soltem, soltem as velas!

Soltem as velas e os cavalos sobre as valas;

assim nós venceremos os rochedos

e havemos de chegar ao destino previsto. Está previsto.

À meia-noite. Está escrito.

O desenho será tão deslumbrante! Mas é tarde, silêncio,

nada falem. Em silêncio

naveguemos neste mar outrora branco —

só é puro quando as manchas se desdobram

e revelam uma brancura,

alva mais do que a brancura. Mais brancura

do que o branco de Sirius — a brancura

infinita do silêncio

das palavras.

 

 

[ Letra de música ]

SALVE AS FOLHAS

(Compositor: Ildásio Tavares
           – Gerônimo Tavares)

Sem folha não tem sonho
Sem folha não tem vida
Sem folha não tem nada

Quem é você e o que faz por aqui
Eu guardo a luz das estrelas
A alma de cada folha
Sou Aroni

Cosi euê
Cosi orixá
Euê ô
Euê ô orixá

Sem folha não tem sonho
Sem folha não tem festa
Sem folha não tem vida
Sem folha não tem nada

Eu guardo a luz das estrelas
A alma de cada folha
Sou aroni

 

Para ouvir a música interpretada por Maria Bethânia:

https://www.vagalume.com.br/maria-bethania/salve-as-folhas.html

 

 

 

TEXTOS   ITALIANO & PORTUGUÊS

 

 

 

Madrigale napolitano

 

Negli occhi rimane annullando la distanza

e nel tatto il ricordo fugace del contatto:

 

un profumo che passa; una canzone che vola:

 

un sapore quasi una briciola nell'angolo della bocca -

meglio che non fossi rimasta,

con la tua crudeltà nuda:

 

ecco che vinci il tempo -

il corpo, sì, il desiderio non invecchia.

 

 

traduzione di Maria Teresa Mendes

 

 

 

 

Madrigal Napolitano

 

 

Nos olhos permanece anulando a distância

e no tato a lembrança fugaz do contato:

 

um perfume que passa; uma canção que voa:

 

um gosto quase resto no canto da boca -

antes não tivesses ficado,

com a tua crueldade nua:

 

eis que vences o tempo -

o corpo, sim, o desejo não envelhece.

 

21.IV.2008

 

 

 

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TEXTOS EN ESPAÑOL

 

Extraídos de la

ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA

Org. y traducción de Xosé Lois García

Santiago de Compostela: Ediciones Laiovento, 2001

(con la autorización del traductor)

 

 

TU DUNA

 

arqueo de miel

         sobre lo blanco

coaduna

         este ardor que me brota

                            em el flanco

que provoca en mi cuerpo el arranque

el vibrar del pincel

em esta tela de miel,

caracol de papel

(allá en el fondo el anillo)

mar y cielo.

 

Tu duna.

 

 

            Luz Oblíqua (1982-1988)

 

ESTAMOS

 

no somos,

               estamos;

                            tumulto-hongo

 

a la orilla del sol,

rasgo de espanto,

                            meta,

desespero—

                   estamos

no cumplimos,

                   no amamos,

                                      no criamos.

 

 

         Ditado (1973)

 

 

TERCETOS

 

El deseo continua

en el seno de otro deseo

uno es el otro, el otro es uno.

 

En el seno de otro deseo

el deseo se conforma

tigre es presa; presa es tigre.

 

Mi deseo permanece

en el seno de tu deseo

yo soy tu; tu eres yo.

 

Por el filo del deseo

es por lo que somos y no somos

sueño de todo en un nada.

 

 

                        FP BRASIL 88

 

                   Navidad, en las calles calor.

                   En los hogares destrozados,

                   una frialdad sin color

                   congela dulces pasados.

 

                   Corazón sal al mundo.

                   !cómo ser solo es verdad!

                   En mí midmo me redundo:

                   de nada sirve la nostalgia.

 

                   Y como atrae y fascina

                   el presente que no sé,

                   visto detrás de la vitrina

                   de la tienda en que no entré.

 

 

                               Breviário (1988-1995)

 

 

 

Página publicada em dezembro de 2007; ampliada em fevereiro de 2009; ampliada e republicada em maio de 2015.

 




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