FABIO WEINTRAUB
Nascido em 24 de agosto de 1967, na cidade de São Paulo. Psicólogo pela Universidade de São Paulo, com formação em psicanálise. Editor. Autor de Toda mudez será conquistada (São Paulo: Massao Ohno, 1992), Sistema de erros (São Paulo: Pau-Brasil, 1996; prêmio Nascente 1994) e Novo endereço (São Paulo: Juiz de Fora: Nankin/ Funalfa, 2002; prêmio Cidade de Juiz de Fora, 2001). De 1990 a 2002, integrou o núcleo de produção poética Cálamo, tendo participado de várias antologias produzidas por aquele grupo. Atualmente trabalha na Editora Ática e coordena a coleção de poesia brasileira "Janela do caos", para a Nankin Editorial. Colaborador da revista CULT, integra também a comissão executiva da revista Rodapé.
Fonte: http://www.respiro.org/Issue12/poezie_weintraub.htm
TEXTO EM PORTUGUÊS / TEXTOS EM ESPAÑOL
MÃE
Então me informaram
que os pertences da paciente
— um par de brincos mais um colar —
deveriam ser retirados
pois há quem se fira
ou fira os outros
em tal estado
Minha mãe suplica:
precisa de talismãs
pra passar a noite fora de casa
Só assim ficará protegida
O Inimigo não a tocará
Expliquei-lhes que não era caso
para um tal rigor
Minha mãe não era disso
só estava muito triste
e confundida
A funcionária assentiu a contragosto
Devolveram-lhe as bijuterias
assinei o termo de responsabilidade
e ainda pude ver os enfermeiros chegando
antes de ser forçado a sair
(de Novo endereço, 2002)
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De
Fabio Weintraub
NUEVA DIRECCIÓN
NOVO ENDEREÇO
Trad. de Lourdes Arenciba Rodriguesu
La Habana: Casa de las Américas; Juiz de Fora,
MG: FUNALFA Edições, 2004.
FERRO-VELHO
Há dentes caídos no chão
e outros sinais
de intestina guerra:
molas manivelas
ponteiros no extravio
rolimãs sem sombra
de giro ou afã
Em cãimbras
a balança não responde
ao mais leve inquérito
Cofres pedem falência
por falta de segredo
O ócio atreve gangrenas
sobre avulsas engrenagens
Tudo se esbarra
num difícil armistício
Mas o tempo alenta a luta
sem termo ou cicatriz
Postiça
a paz não pensa os cortes
nem estanca
a longa hemorragia
das ferrugens
SEQUÊNCIA
Tudo se dá lentamente
sem sinais ostensivos
Um dia esquecem
de trocar os lençóis
ou colocam a cama
rente à porta
em posição propícia
a esbarrões frequentes
Depois
por causa de algum defeito
mandam o monitor pra manutenção
A cânula entra meio torta
Quem tiver paciência
verá a máscara de dor
armar-se sobre o rosto amado
Na hora certa
um enfermeiro moreno e rápido
cerca o leito com um biombo
preme a última seringa
Na casa dos parentes
o telefone toca
De
WEINTRAUB, Fabio. Toda mudez será conquistada. doze poemas. São Paulo: Massao Ohno editor, 1992. Folhas soltas em carpeta de cartão. Formato Edição de 300 exs.
Autografado. Formato 13,5x21 cm. Col. A.M. (EA)
Marina
e gaivotas te cercaram
brancas
quando arriaste as velas
de teu duro mastro
quando arriaste a vontade
de mergulho
nas águas turvas
do catre
eu
vaga
desmancho a espuma
das fronhas
guardando vozes
da tripulação extinga
anroramar
WEINTRAUB, Fabio. Baque. São Paulo: Ed. 34, 2007. 70 p. 12x18 cm. ISBN 978-85-7326-388-5 Edição com apoio da Secretaria de Estado da Cultura de SP. “ Fabio Weintraub “ Ex. bibl. Antonio Miranda.
AGUARDENTE E PÓLVORA
Deu errado o que faltava
Estou como quem acorda
sem ter para onde correr
Gigolei puta doente
roubei firma
vendi pedra
malhei pó
Agora só lambo caco
vivo mijado e com fome
Tremo de fio, calor
alguém manda beber
aguardente e pólvora
quarenta dias seguidos
para ver se enxugo
as poças de dentro
Se eu pudesse
fincava um prego no céu
e amarrava a corda
para o teu pescoço
FOTOGRAFIA
De cócoras
com quem ora
ou pragueja
sob a marquise
a mulher
Oculta
pelos caixotes
embriagada
entre sobras de repolho
Pela calçada em declive
cachorros lambem o chorume
Penso na foto
franzindo a testa
solidário
imprestável
ESTIRPE
as que enfunam o vestido
dizendo-se grávidas
os que mastigam sabão
até sangrar o nariz
os que queimam a pele
com pomadas
os que passam no corpo
esterco de cavalo
os que portam chocalhos
à maneira dos lázaros
os que entrevados fogem
com grande velocidade
os que amarram sobre os olhos
ensanguentados
os que em frente às igrejas
espojam-se nus
os que afirmam ter sido roubados
os que podem apenas o necessário
para inteirar a paisagem
WEINTRAUB, Fabio. Treme ainda. São Paulo: Editora 34, 2015. 96 p. (Poesia) ISBN 978-85-7326-601-0 “Fabio Weintraub “ Ex. Bibl. Antonio Miranda
MÃOS
depois as mãos
nessas circunstâncias
minhas mãos tremem
falo com a autoridade
de quem tudo perdeu:
a esperança não me avilta
não sei se respondi à sua pergunta
de todo modo agradeço
o aplauso dos que não me ouviram
HIBISCO
na rua a flor amassada
parece um naco de carne
que os cachorros desprezam
confusão de vermelhos
raiados de branco
qual paz ou gordura
fechando o canal
um naco de carne
impróprio a vaso ou canteiro
despojo que as pombas não bicam
e a chuva não apodrece
TRÊS BONECAS
para verónica stigger e andré dahmer
scarlet se masturba
bebe água, menstrua
e tinge os absorventes
(vendidos separadamente)
maria da prenha
vem com motorzinho
que infla o abdome
e uma lanterna interna
cujo facho mija luz
já finadinha apodrece
sob o sol murcha aos pouquinhos
e apertada expele vermes
scarlet usa camisinha
maria da prenha
(na versão luxo
com teste de DNA)
engravida e aborta
já finadinha pode ser enterrada
na privada, no lixo, no quintal
biodegradável, contém sementes
que brotam em qualquer lugar
WEINTRAUB, Fabio. Falso trajeto - 50 poemas 1996-2016. São Paulo: Editora Patuá, 2016. Editor”: Eduardo Lacerda. Capa: gravura Mandíbula, de Gérard de Lairesse. ISBN 978-85-8297-320-2 Tiragem: 500 exs. Ex. bibl. part. Antonio Miranda.
deus
te proteja e projete
rumo à vala
(sumo alvo)
e realize a jato
todos os teus dejetos
(mas limpe)
tire com uma mão
o que roubou com a outra
e dê o frio
conforme a aguardente
bata palmas
para te chamar
ou simplesmente
assovie
quando o amor recupera a visão
tão logo alguém se aproxima
joga-se no chão
finge ter sido espancado
roubado até o último vintém
se o ajudam a erguer-se
abraça a alma caridosa
esvaziando-lhe a bolsa
o maligno o arrasta
através do fogo
através do vau e do redemunho
do lamaçal e do charco
põe facas em seu travesseiro
ratoeiras em sua sopa
ele também
não faz por menos:
bebe pinga com o cachorro
joga dados viciados
cede o corpo a proxenetas
é fustigado nos albergues
nos hospitais públicos
e posto na rua a pontapés
quando o amor recupera a visão
FÁBIO WEINTRAUB
Nació el 24 de agosto de 1967 en la ciudad de São Paulo. Se graduó como psicólogo en la Universidad de São Paulo, con especialización en psicoanálisis. Editor. Autor de Toda mudez será conquistada (São Paulo; Massao Ohno, 1992) y de Sistema de erros (São Paulo: Pau-Brasil, 1996, libro laureado con el prémio Nascente). De 1990 a 2002, ha tomado parte dei núcleo de producción poética Cálamo, habiendo participado en varias antologias producidas por dicho grupo. Actualmente labora en la Editorial Atiça y coordina la colección de poesía brasileña "Janela do caos" para la editorial Nankin. Es colaborador de las revistas Azougue, Cacto, CULT, Jandira y integra también la comisión ejecutiva de la revista Rodapé.
TEXTOS EN ESPAÑOL
Traducciones de
Eduardo Langagne
MADRE
Entonces me informaron
que las pertenencias de la paciente
— un par de aretes más un collar —
deberían ser retirados
ya que hay quien se hiere
o hiere a otros
en tal estado
Mi madre suplica:
necesita talismanes
para pasar la noche fuera de casa
Sólo así quedará protegida
El enemigo no la tocará
Les expliqué que no era el caso
para tal rigor
Mi madre no era eso
sólo estaba muy triste
y confundida
La empleada consintió a disgusto
Le devolvieron las bisuterías
firmé la responsiva
y aún pude ver a los enfermeros llegando
antes de ser forzado a salir
CACHORRAS
Yo debía tener la misma edad de la prima:
seis, siete años por lo mucho
Fuimos juntas con la vecina
a yer a las recién nacidas
crías de una perra callejera
Siete bolas de pelo
siete pedazos de ternura:
tres café con leche
dos blancos, un negro
y el último de pelaje
como la madre
Eran siete, quedaron cinco
ya que la vecina
ante nuestra insistencia
no tuvo cómo negar
dos perritos prestados
para nuestra tarde de asueto
Dos primas, dos cachorros
y la tarde extendida al frente
como bandeja de leche
Acostadas en la cama de la madre
pusimos sobre las sábanas
a los perritos:
en el regazo, en la cabeza
entre las piernas
ah, entre las piernas
los hocicos helados
en el suave pubis
Yo y la prima
la leche de la tarde
seis, siete años
la puerta del cuarto cerrada
los perritos sedientos
nuestra ropa en el suelo
Cerrada la puerta del cuarto
la cama inmensa de mamá
los perros con sus hocicos
mamando en las pepitas
las lenguas muy veloces
veloces y pequeñas
lamiendo en nuestros nidos
toda nuestra
leche
EL TALÓN DE VENUS
Venus va al pedicure
a removerse el ojo de pescado
y dos pequeños callos
que la hacen cojear como Vulcano,
su marido cornudo
En la bandeja de agua
las uñas de la diosa se ablandan
La pedicurista es sucia:
no esteriliza los instrumentos
y además arranca los pellejos
pues es de esas miopes vanidosas
que abomina los lentes
pero no gana suficiente
para los lentes de contacto
Venus es muy discreta
gime bajito, no reclama
y gasta mucho dinero
con excelentes propinas
Aprovecha y pinta sus uñas
con esmalte Colorama "tarde de Sol"
para cuando haya
una mañana de lluvia
De
Fabio Weintraub
NUEVA DIRECCIÓN
NOVO ENDEREÇO
Trad. de Lourdes Arenciba Rodriguesu
La Habana: Casa de las Américas; Juiz de Fora,
MG: FUNALFA Edições, 2004.
CHATARRA
Hay clientes caídos en el suelo
y otras señales
de intestina guerra:
muelles manivelas
manecillas extraviadas
rodamientos sin sombra
de giro o afán
A calambres
la balanza no responde
a la más leve averiguación
Las cajas fuertes se declaran en quiebra
por falta de seña
El ocio provoca gangrenas
sobre engranajes sueltos
Todo se detiene
rn dificil armisticio
Pero el tiempo alienta Ia lucha
sin término ni cicatriz
Postiza
la paz no cura los cortes
ni contiene
la larga hemorragia
del óxido
SECUENCIA
Todo ocurre lentamente
sin señales ostensivas
Un día se olvidan
de cambiar las sábanas
o ponen la cama
junto a la puerta
en posición adecuada
para frecuentes choques
Luego
a causa de algún detecto
mandan el monitor a mantenimiento
La cánula entra medio torcida
Quien tenga paciencia
verá la máscara de dolor
armarse sobre el rostro amado
En el momento justo
un enfermero moreno y veloz
aisla el lecho con un biombo
aprieta la última jeringuilla
En casa de la familia
suena el teléfono
Página ampliada e republicada em dezembro de 2008; uma vez mais ampliada e republicada em abril de 2010; ampliada e republicada em janeiro de 2015.
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