Os homens se ajeitam nos ofícios
como os corpos nas exéquias.
Em suas casas acendem círios
em brilhantes aparelhos.
E no sono a roca persiste.
Ah! Amoráveis pessegueiros,
folhas amarelas e marcescíveis.
Para os homens o céu de julho
é o mesmo céu de dezembro.
Todos em glebas se acomodam
e nada colhem dos labores.
From: HELICOPTERO, V.3-4, 2000, Eugene, Oregon, EE.UU. (The newspapers directors are professors of the Romance Dept. Languages, University of Oregon.)
a poesia vai sendo assim
escrita, caro-santo no
estômago. Aos poucos,
outra luz na noite,
azul que costura no corpo
das crianças. Em glebas,
os fonemas se encontram,
os amargos e os mai doces.
A poesia vai sendo assim
escrita. Enquanto
houver tardes, âmbulas,
cada palavra será guardada
em óleos santos.
AMOR METÁLICO
Sei que quando te amo
não há falsos sudários
e
estrela maiores do céu
amamentam as pequenas
e
anjos regentes do mundo
desfazem a programada via-sacra
e
os sonhos-assaltantes se capitulam
como dois mosteiros vazios
e
a pia batismal purifica
o desejo vindo do corpo
e
santos refazem os milagres
devorados pelo tempo
e
os cabelos sobem no barco
que desce entre os espermas.
NOVOS POEMAS
Não me aterroriza a tua falta
mas o vazio das palavras.
Da ausência posso retirar imagens
e pôr nos carretéis
os abraços.
Das palavras, tudo é em vão.
Um pássaro doente, voando,
diz mais do que eu.
Por isso tua ausência
é o eclipse menor.
Ela pouco me fere.
É uma cidade inteira
que, imóvel, me persegue.
As palavras, sim, inflamam o corte.
As pedras não indagam.
No silêncio, guardam definições.
Sem a pegajosa angústia,
o tempo passa por elas.
Os sinais das chaminés
cristalizam nosso inverno.
Cada qual em seu bridão,
enredamos a vida com palavras.
Extraídos da antologia OIRO DE MINAS a nova poesia das GERAIS. Seleção de Prisca Agustoni. S. l.: Pasárgada; Ardósia, 2007.
GORGONE, Eustáquio. Delirium tremens. (Poesia) Rio de Janeiro: Editora Pongetti, 1974. 58 p. 14x21m5 cm. Capa: desenho do autor. “Orelha” do libro por Marcos Konder Reis. Col. Bibl. Antonio Miranda
DEO GRATIAAS
1
Tua inteligência sopra, no céu, para longe,
As pipas de Jesus crucificado,
E as igrejas se quebram como biju
Quando procuras dar respostas aos mistérios.
Por que as chagas de Cristo
São mais vivas que as beterrabas?
Creia, "prima fácie",
Que os joelhos foram feitos para caírem,
E os santos pintados a óleo existem
Para colorir as ruas escuras.
Quando a dúvida castanholar em teus ouvidos,
E as trinta moedas de Judas soarem
No teu sono, enfia teu rosto na Bíblia,
Reza junto à luzinha do Santíssimo,
E cuida que o Antigo e Novo Testamento
Permaneçam embaraçados em teus cabelos.
DEO GRATAS
2
Lembra dos maribondos no rosto de Cristo
enquanto tu
Carregas apenas cruzes de andorinhas.
Não queixes em vão, minha filha!
Também a face lilás de N. Senhora
Passou entre os suínos do vilarejo
E viu o vento rir nos mandiocais.
O que tu sentes, minha filha, não é mais
Que uma pedra em teu calcanhar,
Um tropel de cavalo no teu sono,
Uma onda que fugiu do mar e sobe a colina.
Minha filha, tua esqualidez é natural,
E a galhofa que ora brota em tua tez
É uma mancha da idade que logo passa.
Tu não deves revoltar contra os sinos,
Nem tomar por caminho as vozes alheias,
Fazendo delas o rio da vida.
Pensa nas igrejinhas que mancam
No alto das montanhas.
DEO GRATIAS
3
Sei que tua alma queima de incertezas
e teus pés
Mal podem caminhar sobre as pedras.
Sei que teu cérebro lança nódoas
Em tua primeira comunhão e o mundo
Gira em tua volta muito rápido.
(Às vezes, mais veloz que uma pulseira
nas mãos de um ourives.)
Porém, se fores até uma capela
Encontrarás os bancos sujos e tuas mãos
Podem afagar as flores do altar.
E, fazendo essas pequenas obras,
Encontrarás de novo o sol e a lua
Brilhando suas madeixas no seio dos lagos.
Assim, ainda ouvirei de tua boca:
— "Como são bonitas as berinjelas
que nascem no coração de Deus!"
OLIVEIRA, Eustáquio Gorgone de. Tear de Imagens (poemas 1974-1990). Caxambú, MG: Edições D´Lira, 1990. 84 p.10,5x20 cm. “ Eustáquio Gorgone de Oliveira “ Ex. bibl. Antonio Miranda
A RESSURREIÇÃO
1
Por detrás da mesa,
seu corpo subia.
Olhos semicerrados,
e na boca um ninho
de querubins.
Aos poucos, ele se erguia
da cerâmica fria do piso.
E uma nova claridade
entrava no recinto.
Enquanto anjos separavam o corpo
da sua alma de asno,
virgens de cebola nasciam
nos olhos das pessoas.
Glória! Para o alto
o tempo é Infinito.
Longo mandato, maçã
que jamais apodrece.
E haverá sempre flores na mesa.
Sim, um corpo ressuscitado
também é uma flor sem talo.
E passa toda a eternidade
na contracapa do mundo.
2
Visto uma camisa
molhada em álcool.
Quando me queimo,
inundo o plenário
com luz esverdeada.
Meus eleitores adoram
fogos de artifício.
Afinal, eu tenho segredos
dos velhos salmos.
Brilho mais que o sol,
sou ator e atriz das leis.
No próximo ano serei
o escolhido para renascer.
Queimar pela última vez
o cipreste seco da consciência.
Deixar o mundo, os rios,
o croché das ruas.
Ninguém verá meu rosto
de véus,
e cavalos não poderão urinar
na minha estátua celeste.
OLIVEIRA, Eustáquio Gorgone de. Ossos naives. Rio de Janeiro: 7Letras; Juiz de Fora, MG: FUNALFA Edições, 2004. 98 p. 12x19 cm. “Prêmio Cidade de Juiz de Fora – Literatura 2004” “ Eustáquio Gorgone de Oliveira “ Ex bibl. Antonio Miranda
natureza morta
corpos inertes.
na caixa de pintura
frascos panos tubos
óleos e pêlos da noite.
as maçãs de pura cera
sabem o que faríamos
se o tempo permitisse
a mobilidade.
porque não
usar rosto
mui claro em pinturas.
o arqueamento pode se dar
entre os supercílios
e a tristeza vir à tona.
sob as sombras de face interna
o escuro pode alargar-se.
é inútil trabalhar os solventes
quando a secura dos lábios
espalha-se na luz dos olhos.
recomenda-se pano virgem
que nunca foi tingido
ou linho em trama firme
que suporte o sofrimento
dos pincéis.
OLIVEIRA, Eustáquio Gorgone de. Manuscritos de Pouso Alto. Rio de Janeiro: 7Letras; Juiz de Fora, MG: Fanalfa, 2004. 75 p. 12x19 cm. ” “ Eustáquio Gorgone de Oliveira “ Ex bibl. Antonio Miranda
20.
as garrafas estão rindo
de quem tem sede maior.
o pai a filha a cidade?
a noite vem primavera
desse lençol não se foge.
as garrafas estão rindo
do vício e sonho paternos.
onde vai dar esse rio
o pai a filha a cidade?
as garrafas estão rindo
de quem tem sede maior.