ÉSIO MACEDO RIBEIRO
Nasceu em Frutal, Minas Gerais, Brasil, em 1963. Mestre em Letras – Teoria Literária e Literatura Comparada e Doutor em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo – USP. É fotógrafo, bibliófilo, pesquisador e curador de exposições. Autor dos livros de poesias E Lúcifer dá seu beijo (1993), Marés de amor ao mar (1998), Pontuação circense (2000) e 40 anos (2007), e dos ensaios Brincadeiras de palavras: a gênese da poesia infantil de José Paulo Paes (1998) e O riso escuro ou pavão de luto: um percurso pela poesia de Lúcio Cardoso (EDUSP/Nankin, 2006). Organizador, com Marília de Andrade, do livro de memórias Maria Antonieta d’Alkmin e Oswald de Andrade: marco zero (2003). Sua tese de doutorado está sendo preparada para se transformar no livro Poesia completa (edição crítica), de Lúcio Cardoso.
O poeta ÉSIO MACEDO RIBEIRO numa das sessões magnas da I BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA DE BRASILIA (de 3 a 7 de setembro de 2008), no auditório do Museu Nacional de Brasília.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
RIBEIRO, ÉSIO MACEDO. Um olhar sobre o que nunca foi: Bragança Paulista, SP: Editora Urutau, 2018. 64 p. 14 x 18m5 cm Apresentação (orelha do livro) por Nicolas Behr. Isbn 978-85-7105-075 -4
Ex. bibl. Antonio Miranda
“Você, leitor, também logo vai descobrir que a poesia de Ésio Macedo Ribeiro é um épico pessoal, de afirmação, verdadeira epopeia interior, lírica, dramática nas origens da poesia a sua força maior, a entrega.
NICOLAS BEHR
///////////////////////////////// eu vou / mas fico no que
deixo / não quero ir quero ficar / mas vou / eu tenho que
que / o tempo se me leva / não o quero / mas vou e volto
volto / porque fico no que deixo / estou maior e melhor
mas tudo dói / será que alguém olha isto e vê o que eu e
não apago? / eu sempre fico no que deixo /////////////////
////////////////////////// eu posso parar uma árvore
/ um pássaro / um carro / um homem correndo /
andando / eu posso parar as ondas / pronto / parei
/////////////////////////////////// ao atravessar uma rua eu
descobri que não existe deus // eu tinha feiro um pedido
mas não aconteceu nada quando eu a atravessei // carros
se dispersaram / entraram na contramão / bateram uns
nos outros // eu / indo de um lado p ara o outro com a
coragem dos bravos / enfrentando o que me propus // ele
não me ouviu / do outro lado da rua eu dei um grito / mas
não voltei / eu sou firme de opinião /////////////////////////
/////////////////////// eu quero a pergunta / a res-
posta / não // não quero o fim//////////////////////
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ANTOLOGIA DO DESEJO / VÁRIOS AUTORES. LITERATURA
QUE DESEJAMOS. PARATY 2018. Editor e organizador; Eduardo
Lacerda. Ilustração e projeto gráfico: Fernando Mathias.
São Paulo: Patuá, 2018. 358 p. 13,5 x 20, 5 cm..
ISBN 978-85-8297-614-2 Ex. bibl. Antonio Miranda
Presente
30.
Alguém sopra no meu rosto
Abro os olhos.
Estou com a jardinheirinha que mamãe fez pra mim,
indo te encontrar no paiol.
Venta. Mas meus cabelos não voam.
Você sentado sobre o monte de espigas,
me chama para o seu lado.
Diz que estou bonito com a nova roupinha.
De cabeça baixa, digo: Mamãe está chamando.
Me dá sua mão,
vem comigo para o banho de depois da lida,
a comida está quase pronta.
Depois posso me deitar na sua cama?
Você me conta histórias?
(Preciso das suas histórias,
sem elas não vejo longe,
onde minha mente mais quer alcançar.)
Depois você deita sobre mim a coberta que a vovó fez,
beija meu rosto e me segura a mão até eu dormir,
até meu sonho se encontrar com o seu?
41
Estou levando meu marido para morrer.
Saímos logo depois do almoço.
O sol anda alto.
O dia é quente.
Ele deita-se em meu colo
e leva-me a algum transe sem êxtase.
O motorista que nos conduz
afeiçoa-se à pressa.
A paisagem fica impressionista.
Quando ele pediu para urinar
desci na frente
peguei em seu braço
ele levou o olhar ao horizonte e deu um suspiro.
Seguimos.
42
Eu não pude tirar da morte a vida do meu pai.
Tem umas cores na noite que ainda me assustam.
RIBEIRO, Ésio Macedo. Pontuação circense. Poemas. Ilustrações de Almandrade. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000. 128 p. ilus. “ Ésio Macedo Ribeiro. “ Ex. bibl. Antonio Miranda
pontuação circense
Penso em colocar vírgulas em pontos interrogativos
e transformar o fim no meio da frase,
nem que coloque uma crase onde não case.
O círculo bonito do ponto final na agenda do santo mal,
que escorre por esta pestilenta exclamação: Oh!
E ponto-e-vírgula na brincadeira de roda que rodeia
a circense melancolia da melancia pendurada no pescoço do porco,
que estrebucha de peso e de medo diante da platéia mais do que atônita,
que foge e vai de encontro a uma barra
seguida por dois pontos e começando aí, duas lindas
e esguias aspas entre o que ocorre e o que já-foi,
fechando aí as aspas com duas ou três divisões
dos leões que já fugiram das jaulas,
que estavam entre parênteses
ao lado esquerdo do picadeiro.
as amigas
Na casa do avô,
no tempo das mangueiras pejadas,
Jacira e uma prima enlaçavam-se
num tambor cheio d'água.
No quintal,
líquidos desejos saciados.
Naquele tempo o roçar das coxas delas
nunca roçou nossos cérebros.
Enquanto elas gozavam,
a gente chupava bourbons perfumadas.
Às três da tarde sempre era "hora do lanche".
do sacrossanto
Um buraco negro fere a noite.
Hóstias e hostilidades são entregues
pelos sacrílegos profetas de Deus.
Sacolinhas correm de mão em mão,
menos óbolos são dados
e menos ósculos são deitados
nas faces pias.
As igrejas carregam o ouro e a solidão do mundo.
no limiar do fim
Viver hoje é angústia.
A intoxicação aumenta continuamente.
Febres, silêncios, dias sem-fim.
Consomem váliuns em noites férteis
homens de outras vertigens.
A igreja ainda peca na figura de seus papas.
Os monstros vêm dos esgotos
e dão na extensão do cotidiano.
Não mais se houve o balir das ovelhas
nem o ladrar dos cães.
A mosca insignificante
ainda pousa em nossa sopa monumental.
A angústia ociosa e melancólica
busca o nada absoluto, resoluta.
Ainda são postos ovos doentes
em ninhos nunca permitidos.
Filhos nascem a toda hora
e proliferam as águas salobras dos rios poluídos
até que não possam mais respirar.
os homens-caracóis
Os homens-caracóis
estão soltos pelas ruas do mundo.
Dos mundos terceiros.
Os homens-caracóis
carregam suas casas pelas avenidas.
Cobertores listrados.
Flatos, solstícios,
fogos de verdade são soltos,
nas nesgas do dia,
nas glebas da agonia.
Os homens-caracóis se enfeitam de caixotes, papelões
e os holofotes dos autos brilham suas escuridões.
Desassossego.
Sob as marquises,
sob as pontes,
sob o sub.
Os homens-caracóis
vivem nos centros,
nos dentros,
nos antros,
reis de todos os palácios modernos.
Os homens-caracóis contornam os ohs, os uis, os ais,
em silêncios fractais
fundamentais,
necrosando a noite dos doces mortais.
conteúdo
Minha poesia não contém corantes,
acidulantes, conservantes,
vitaminas, sais minerais,
proteínas ou qualquer outro produto químico ou natural.
Minha poesia não tem dobras,
curvas enigmáticas,
compostura, não anda atrás de ninguém.
Só é, só se mantém e o tempo faz vento
sobre as folhas de papel.
Minha poesia é meu choro longo,
largo, solto, amplo.
Minha poesia vive a vida das coisas obscuras.
Poemas extraídos de PONTUAÇÃO CIRCENSE. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2000.128 p.
Indicado por Ronaldo Cagiano, em maio 2007.
Leia mais sobre o autor:
RIBEIRO, Ésio Ribeiro. Estranhos próximos. Brasília: Edição do Autor, 2008. 136 p. 10x20 cm. Apresentação de Luiz Ruffato. Capa e projeto gráfico: Cecília Reifschneider. Foto da capa de Ésio Macedo Ribeiro. “Menção honrosa Prêmio Cidade de Juiz de Fora 2002” . “ Ésio Macedo Ribeiro. “ Ex. bibl. Antonio Miranda
CONDENADOS
Enfiam piercings nos precipícios das horas.
Ondulam clarões nos arrebóis.
Eles podem chegar a qualquer momento,
vestir nossas roupas,
pegar nosso dinheiro,
entrar em nossos computadores
e levar-nos presos.
Não há álibis para o depois.
No reino do agora:
castram nossos beijos,
os cães sujam nossas calçadas,
as mulheres sem dias para a fala,
os homens com suas malhas, seus anzóis.
Maneira para perguntar,
se estiver triste, não sabe,
O que chora, mente.
Seguir até o prumo da faca,
não há destino.
O sândalo tem o cheiro da morte.
quer uma vida sem nuvens,
não sabe do crime que há em suas mãos.
Seus olhos não viram
O gosto do sangue
De que fala a boca.
Este cheiro não é de gasolina.
(...)
RIBEIRO, Ésio Macedo. E Lúcifer dá o seu beijo. Prefácio de Oscar D´Ambrosio. São Paulo: Massao Ohno Editor, 1993. 70 p. 14x21 cm. “ Ésio Macedo Ribeiro” Ex. bibl. Antonio Miranda
FOME OU SERTÃO
Veja
o verde vasto, pasto morto.
Chore
o louco pouco resto.
Reto,
resta sol rol de mãos,
enquadrando espaços,
enchendo o chão de capim.
RIBEIRO, Ésio Macedo. Marés de amor ao mar. São Paulo: Arte Pau Brasil, 1998. s.p. (Col. ah! coleção poesia brasileira, vol. 7) Inclui uma ilustração / litografia de Renina Katz (colada em folha do miolo). Projeto gráfico: Alonso Alvarez. “ Ésio Macedo Ribeiro. “ Ex. bibl. Antonio Miranda
VI
Estirados corpos em cio,
entontecidos, não-imunes, inumanos,
besuntados,
chamando gaivotas e golfinhos
e a areia se partindo pelo riso dos pés.
Trilhos de brilhos,
águas abissais, colossais,
túmidas e tímidas,
acalentando corpos e calores.
Placidez vertical em luz.
40 ANOS
Edição comemorativa dos 40 anos do poeta,
40 exemplares numerados e autografados.
São Paulo: Giordanus, 2007.
II
As noites são o estrume semeado nas roseiras
de ontem.
Luz cega que o ventre verte pelas guelras.
Viagens reais e irreais.
Nem palafita nem palácio
¾ a minha vida.
Quantas vezes
entre a masmorra
e o precipício?
Quantas vezes terei
enxovalhado a precisão do ritmo?
Quantas vezes terei vestido
e despido
meus princípios e fantasias?
Quantas vezes se multiplicou em mim
o dilúvio das sensações?
Quanto tempo
quarenta anos de estrada
mede de vida?
De
RIBEIRO, Ésio Macedo. Drama em sol para o século XXI. Edição comemorativa 48 anos de vida, 20 anos de casado 18 anos de poesia. Apresentação de Donizete Gal vão. Brasília: Edição do Autor, 2011. Formato 15x20,7 cm. Impressa em papel couchê Fosco LD 115g;mw (miolo) e pepel couchê Fosto LD 350 g/m2 (capa), composta com tipo Benton Sans. Tiragem: 300 exs. numerados e assiandos pelo autor. As fotografias (em cores) são do poeta tomadas em cidades italianas, Vaticano entre 2004 e 2005. Projeto gráfico de Jairo Leite Bittencourt, composto e impresso na Athalaia Gráfica e Ediora. Exemplar nl 22. Col. A.M. (EE)
Lançamento durante a I BIENAL DO B - POESIA NA RUA, Brasiília, dia 27 de outubro de 2011.
CLAREIRAS ABDUCENTES
para Carlos Loria
Não há mais tempo para a forma.
Para que esta luz fique, não limpe.
Mescle-a às sombras.
Neste círculo concêntrico
deixe os seres subirem:
tragados pelo mistério universal.
A PORTA
Tem dias
que gente
É.
Noutros,
modorra.
Amanhã,
abelha em
flor de laranjeira.
A vida se recicla.
CANTO PARA UM AMIGO À MORTE
Para Raimundo Barbadinho Ne (em memória)
Quem disse que existe Deus?
As dores do meu amigo
tocam no infinito,
rejeitam substituto,
sonegam sonhos,
ficam como verme
em carniça.
Remédio? Não tem.
Volta? Não tem.
Seguir? Não convém.
Então o que dizer para meu amigo?
Reescreva as tábuas de tuas leis,
firme os pés no longe?
(A morte do meu amigo
celebrará o sol.
Providência que não vem.)
Ésio na I BIENAL DO B... POESIA NA RUA, Brasília, 26 a 28 de outubro de 2011. Foto: Juvenildo Barbosa Moreira.
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Antonio Miranda e Esio Macedo Ribeiro (Brasília 2007)
Foto: Robson Corrêia de Araújo
1ª. BIENAL DO B – A POESIA NA RUA. 26 a 28 de Setembro de 2012. Brasília: Açougue Cultural T-Bone, 2011. 154 p. ilus. col. 17x25 cm.
un anjo azul
passou por mim
e disse não
A juventude, magicamente, tocou meus olhos
e eu vi que isto era bom.
Eu ficava louco quando ela se punha de joelhos
fumando sobre a cama,
olhando fora da janela
os anjos de prata em eterna dança.
Vendo seu corpo nu
eu pude esquecer que o mundo
(ou alguém)
pudesse me fazer mal.
Cego, eu não percebi que o sol estava se apagando
para mim
quando, da última vez, eu acordei para ir embora.
Era tão cedo quando ela fechou sua porta.
Página ampliada em novembro de 2020
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TEXTOS EN ESPAÑOL
el niño vladimiro
Baja de la montaña
con sus piernas cortas,
con su frágil cuerpo,
con su poco tiempo.
Pero la voz suena en mi corazón,
baja por mi alma,
hace erizar mis pelos.
El niño lnka de Machu Picchu
nos despide,
en nombre de su país,
en nombre de Dios, de todo los dioses
y su grito de hambre y dolor,
y de fuerza rompe
todo,
flota por el aire,
como un condor de guardia,
bajando pronto,
junto al autobús,
que zigzaguea por la montaña.
El sonido de su voz
y su gesto tan decidido,
apasionado,
queda en mí:
GOOOOOOOOOOOOD BYEEEEEEEEEEEEE!!!!!!!!!!!
Out. 1998
La rueda de la locura
A Rubens Corrêa
Traducción de Leo Lobos
La “o” de locura,
Es un círculo
Que gira gira gira
La rueda de la locura,
Gira a la persona
Que gira gira gira
El dolor de la locura,
Duele en la persona
Que gira gira gira
La fe de la locura,
Cree en la persona
Que gira gira gira
Girar con la locura
Es gritar
Que gira gira gira
María
Traducción de Leo Lobos
Después de dar clases un día cualquiera
María volvió a casa,
como siempre,
Para dar almuerzo a los pequeños.
Pero aquel no era un día cualquiera.
Al entrar
vio a uno de sus hijos muerto sobre el fuego de la cocina.
No dijo nada.
Cubierta por una manta vaga por las calles.
Todos ríen de ella.
Gritan
La ofenden.
Ella les devuelve reverencias de reina
destronada.
En las tardes los niños en coro cantan su nombre.
Ella corre tras ellos, que corren
Hechizados e inocentes.
Lo estético lo concreto
A Oswald de Andrade
Traducción de Leo Lobos
Hay una mujer
sobre
el Viaducto del Té
que se contorsiona
sin pensar
ira ella a saltar sobre el Jardín suspendido
del Valle de Anhangá,
o saltara al cajón de autos que
rápidos van sobre los excrementos concretos
Riesgos
Traducción de Leo Lobos
Entro debajo de los autos en movimiento.
Salto de los viaductos.
Salto de las ventanas de los edificios.
Buceo en las cataratas del Iguazú.
Nado en el mar de Hawai.
Vuelo en alas delta.
Navego en balsa en un mar bravío.
Salto de paracaídas.
Son riesgos que quiero correr.
Ya no quiero estar aquí.
Enigma
Traducción de Leo Lobos
Hay un niño
Que llora por una cosa
Que ni nombre tiene
La gente mira al niño
La cosa.
Reímos,
pues sabemos que encima de las nubes
hay estrellas
en caos danzantes
El velador
Traducción de Leo Lobos
Ningún sonido
de bocina,
de agitación,
de locura.
El silencio sería sepulcral,
si no fuera por ese despierto,
que vela el sueño del mundo.
Espacios
Traducción de Leo Lobos
El día es soledad
el dolor es soledad
el amor es soledad
y yo estoy solo
solo eso.
Cartaz com trecho de poema de Ésio como material de divulgação da I BIENAL DO B... POESIA NA RUA, Brasilia, 26 a 28 de outubro de 2011, no T-Bone Cultural, na rua (entrequadra) da 312 norte.
II BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA DE BRASÍLIA – Poemário. Org. Menezes y Morais. Brasília: Biblioteca Nacional de Brasília, 2011. s.p. Ex. único.
Cabe ressaltar: a II BIP – Bienal Internacional de Poesia era para ter sido celebrada para comemorar o cinquentenário de Brasília, mas Governo do Distrito Federal impediu a sua realização. Mas decidimos divulgar os textos pela internet.
Fatura
Histórias querem ser contadas.
Seguem-me
desde quando a história
vem comigo.
São anônimas e comezinhas.
Umas entrelaçam-se
e duram anos.
Outras resistem em flashes.
São um não-livro de histórias.
Ao escrevê-las cessam de sê-lo.
Escrevê-las é
visitá-las,
revisá-las,
inscrevê-las.
Requestam um muito de atenção.
Há, nelas, revérbero
de saudade,
senso de desilusão
e uns afeites
para torná-las.
(Quando se escreve
uma história
sente-se vazio de sua
agonia.)
(Toda história vem
cheia de dentes.)
Macaco na cabeça
Ousam.
Causam ausências.
Nos becos recordam,
em círculos,
a fera que afugenta a mancha
do outro.
A que analisa o asfalto.
Quanto de nós é o que não somos?
Que coisa é esta que
assoma o animal em nós?
Seremos o que nestes corredores em transe,
errando letras,
soletrando ritmos ferrenhos
e hediondos?
Quem corrigirá a mão que nos aponta a morte?
Que bala é esta?
Que corpo merece estas moscas?
Diante dos olhares serenos,
entre aluviões,
a flor.
O passo do diabo
Ninguém.
Ninguém.
Ninguém.
Os dias,
três vozes
e um escudo.
Na cruz,
bebe o vinho
dos predestinados.
Tem também os eleitos,
os que dormem a vida inteira
e os que sangram.
RIBEIRO, Ésio Macedo. Presente. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2021. 104 p. ilus. fotos col. ISBN 978-65-5580-039-5 No. 10 230 “À memória de meu pai Edson Garcia Ribeiro.
Ex. bibl. Antonio Miranda
Foto de Edison Garcia Ribeiro, pai de Ésio Macedo Ribeiro:
01
Hoje, logo cedo, uma notícia alastrou-se
feito furacão, morte de 500
terremoto de 8 graus na escala Richter.
Notícia fora de hora.
Dura, intratável: o cacto de Bandeira:
Edison Garcia Ribeiro fechou suas datas
* 05/02/1941 — + 27/11/2015.
Atravessou mais de 8000 km
e, fora na arena, pulou sobre mim.
De longe, de tão longe, afoita
abraçou-me num golpe quase mortal.
Perdi os pés, a cabeça mareada.
George, numa cadeira de rodas
puxava-me para a terra, para si.
O fio ficou elástico, ioiô, gangorra...
Hoje, logo cedo, meu dia deu em escuro.
A boca, estúpida, deu um grito: Pai!
A dor, alguém pode desenhá-la?
Chicago, 27 nov. 2015.
02
A dor vem da memória
e desanda corpo afora
sem diagnóstico nem doutor que possa tratar.
Desalinha cabelos
avermelha olhos
dilacera fígado
dá nó no estômago.
De vez em quando
rodam filmes de tempos remotos
vem grito
vem choro
desmontando-me quando
a saudade destempera.
A memória é fruto da dor
do sentimento da desolação
tudo vai se apequenando
infiltrando-se nas veias em extremado alvoroço.
A memória é maior do que o corpo
sem ela nem lembrança de que o fim acontecera
a lembrança mata pouco a pouco a memória
da lembrança da alma daquele corpo.
O pai sem a anima
é o que mais me vem
à memória rebobinada
como até então não o fazia.
(Sucumbo no medo de ferí-lo com meu choro.)
E vejo — torrente de alegria —
a forma do meu próprio corpo
o corpo de que ele foi um dos criadores
sem dono sem sono
revelar o que não quero ver dormir
o que está acordado em mim
e o que não quer mais despertar.
—Acorda, pai, responde!
Onde foi que nos perdemos no bonde?
Por acaso foi no fim da estrada
em que já desenho novas pegadas?
Chicago, 28 nov. 2015
30
Alguém sopra no meu rosto.
Abro os olhos.
Estou vestido com a jardineirinha que mamãe
fez para mim
indo te encontrar no paiol.
Venta. Mas meus cabelos não voam.
Você, sentado sobre o monte de espigas
me chama para o seu lado.
Diz que estou bonito com a nova roupinha.
De cabeça baixa, digo: Mamãe está chamando.
Me dá sua mão
vem comigo para o banho de depois da lida
a comida está quase pronta.
Depois posso me deitar na sua cama?
Você me conta histórias?
(Preciso das suas histórias
sem elas não vejo longe
lá onde minha mente quer alcançar.)
Depois você deita sobre mim a coberta que a vovó fez
beija meu rosto e me segura a mão até eu dormir
até meu sonho se encontrar com o seu?
Chicago, 14 ago. 2016.
48
Meu pai me deu pés grandes para
que eu caminhasse longe e muito.
E olhos castanhos e claros para
que eu pudesse conquistar
a natureza, os pontos de luz
e a beleza do que ela transforma.
Mãos grandes, porém macias,
para não ferir a pena sobre
o papel.
O pensamento me deu livre.
ER eu voei e voo para
onde eu quis e quero.
Se ele não pode me ver mais
— e ainda assim —
eu, pobre vate
vejo-o em mim, carne e espelho
transfigurado em alegria
na vida que dele proveio.
Sintonizo na mais alta onda da minha vida
a dele
e continuo a navegar.
S/data.
*
Nildo Moreira, Ésio Macedo Ribeiro e
Antonio Miranda — reencontro no Terraço Shopping, DF,
29/10/2021.
POEMAS & POETAS I – Coordenação Editorial: Artur Rodrigues. Rio de Janeiro: Litteris Editora Ltda, 1989. 118 . 14 x 21 cm.
Ex. bibl. Antonio Miranda no.10 319
ESPERA
À Alice quando da espera de Gabriel.
Pelo teu corpo vejo uma fresta de luz
que te enobrece.
Surge na altura dos teus seios
a nudez da preparação.
Cadência de momentos fecundos
na barriga que se avoluma.
O mar pelo teu corpo tem cheiro de mato
castrando na natureza a essência do belo.
Depois esse silêncio de bicho afoito
que embriaga de lucidez
a náusea que não se pode causar.
Excedendo doses de amor fragmentado em paixão
querendo que a dor passe rápida
como a febre que não convém.
NANICO - agosto – homeopatia cultural – 1999. No. 20 São Paulo: Editora Oficina do Livro Rubens Borba do Amaral, setembro 1999. 64 p. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
O AMIGO E A BIBLIOTECA
A Waldemar Torres
Vai de mar da história modernista
Hóstia
sobre
a hipocrisia
anatômica da memória:
Torres de livros
sob portas,
nos cantos,
nos quartos,
nas salas,
t a n t o s.
Vai de mar de amigos,
de pesquisadores,
de curiosos, nas tardes apimentadas
das conversas,
No bamburrar diamantes entre pó e cupim,
nas conquistas conjuntas,
nos risos eufóricos, aflitos, o amigo.
Homem de aspecto raro, voz serena, terno,
em cidade inóspita,
em tempo abjeto.
Tomba o silêncio na Felipe Gadelha, 75.
A porta troca de porta.
Ancora no Porto, Alegre,
Novo norte.
Leva o brilho-abraço:
do Mário, Pagu, Flavio, Oswald,
Ivan, Rachel, Jorge de Lima
Guga, Leonel, Cecília, Rosa,
Lélia, Íris, J o ã o C a b r a l,
Fábio L u c a s, Aristóteles,
Lúcio, Ésio, Clarice, Augusto,
Emanoel, Drummond, Bandeira,
Medina, Gullar, Elza, José Luiz,
Marlene, Haroldo, Hilton, Bopp,
Paes, Philadelpho, Guerreiro,
Décio, Giordono, Maria Helena,
Manoel de Barros, Rui, Murilo,
Massi, Paixão, Sinésio, Ronald,
Florivaldo, Guilherme, Cleide,
e n ã o t e r m i n a ...
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Página ampliada em novembro de 2021
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