Foto extraída de http://algaravaria.blogspot.com
EDUARDO JORGE
Eduardo Jorge, poeta, nasceu em Fortaleza (CE), onde edita a revista literária Gazua.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
POEMA
ENGOLIR A PRESA VIVA: DUAS CONDIÇÕES
condição um -
(metade do corpo dentro
do outro)
o inverso do parto:
duplica a vida dentro de si,
antes do início da digestão.
arrepelar cada parte do corpo - com perfurações em linha:
- condição dois -
ver assustado a glote:
dar com a cabeça na laringe:
prever próximas perfurações
acalmar as patas - ar pela última vez: a serpente sepultura.
BABEL POÉTICA. Revista de Poesia. Ano 1, N. 4 – Agosto/Setembro 2011. ISSN1518-4005. Editor Ademir Demarchi. babelpoetica.wordpress.com
a partir de uma luz de tungstênio acesa durante um dia cinza-escuro
Não consigo encontrar Eduardo em casa Hélio Oiticica
o arrastado dos pés bambos, do som da preguiça
ao tacanho jogo de escadas dos anos vinte em
vários lances e outro aceno, até logo.
uma despedida de sempre, no novo jogo desvio:
a boca de dois leões amarelo embotado -
uma plântula desperta o pensamento
possível embrião e olhar sério de outro rumo,
que desce ao aroma de talco, vindo da
conversa com a senhora fotografada, antes:
hoje de um dia cinza-escuro,
balançando as qualidades do nulo e do passeio
em busca de ar, fluídos de água sobre
os passos rápidos de freira sem guarda-chuva
como continuar o pensamento do broto equilibrando
desequilibrando o corpo em direção à catedral,
cruzar o amontoado de pombos e indeciso
entre a direita e a esquerda, sempre.
um táxi rumo à festa na loteria, disse a senhora.
agora a situação de hazard - à espreita de
coincidências a vida e, de repente o passo acelera,
há uma firmeza áspera na resposta,
[momento entre as ligações dos carbonos do seu corpo e o traçado da hidra fêmea sobre o centauro, croqui depois do cinza-escuro espalhado em estrelas, setembro depois de 1978]
dobra a esquerda sagital. notícias tem deles por outros desvios.
PS: Diga ao Eduardo que eu escrevi para ele duas cartas
e ele não me respondeu ainda, [...].
.......................... Lygia Clark
MARQUES, Ana Martins; JORGE, Eduardo. Como se fosse a casa (uma correspondência). Belo Horizonte, MG: Relicário Edições, 2017.
48 p. 12,5 x 18,5 cm Ex. bibl. Antonio Miranda
ANA MARTINS MARQUES
1.
em pelos de bigode
negros brancos.
imita, em suíte.
o avesso do atlântico.
ele frequenta os extremos do dia.
desperta a língua materna
na ponta dos nervos:
esta viva.
ela se move com enganos.
e à noite, com olhos de museu,
observa observadores
e ama imagens com
cegueira sintática, com as mãos,
as unhas em flores,
habitando uma verdade de vidro
soluçou dentro do vestido,
em técnica água com açúcar,
o canto das vigas em cálculo e cálcio
é o ritmo do outro lado do mar,
a língua-lâmina vai e volta
sob os pelos do bigode:
uma noite a noite aparece
o vidro contra vapor, a hora do hálito,
houvesse ali ela morado e alô
com barulho de talheres
seria a leitora de bigode branco
postiço par irregular contradiz
o impar, se ela personne personae.
busca a porta em terceira pessoa.
uma ana neutra, protegida
em dicionário germânico,
traz uma fortaleza cifrada.
quem lê poemas expõe
o dorso à intimidade da casa.
por isso.
2.
moro na cidade explicada
em várias línguas,
muitas delas não-latinas:
não entendo a cidade
na qual vivo, todavia.
enquanto me banho
ou quando os vizinhos
têm sexo, as explicações
da cidade, palavra por palavra,
entram por um ouvido,
saem por outro.
o letreiro Roma 24 horas
anuncia falanges á dúzia:
Rômulo, Remo, por exemplo,
gritam: “leite de loba” ou
“hora da sopa”, desço
banhado, a colher de prata
no bolso do roupão bordado
Immer der Sonne entgen.
o bigode branco-preto reaparece,
a corcova está maior e o esforço
para ouvir o que ela lê em imagem
permanece: se poema, borra de café ou
as explicações da cidade onde moro.
EDUARDO JORGE
Ela às vezes se sente uma espiã
alguém que demorou demasiado a chegar
ou que chegou cedo demais
e no entanto a deixam entrar
como se a casa fosse sua
como se ela fosse a única visitante
de um pequeno museu
para um único amor
*
Em viagem na própria cidade ela procura sentir
a respiração da casa, se sono
animal entrecortado
por sirenes
*
Ela quase nunca se lembra dos seus sonhos
nunca sonhou com labirintos animais mitológicos
o espaço sideral
nunca sonhou
como Astíages
que uma videira crescia
do sexo de sua filha
nunca sonhou
como Maria des Vallées
que Cristo costurava
o céu à terra
seus sonhos são só isso: movimentos
em falso, pequenos acidentes
restos do dia que ela depois espana de si
como a poeira o tédio das viagens curtas
*
(...)
TEXTOS EN ESPAÑOL
POEMA
Publicado originalmente em http://www.letras.s5.com, e reproduzido com autorização do tradutor.
Traducción: Leo Lobos
DOS CONDICIONES PARA TRAGAR LA PRESA VIVA
-primera condición-
(solo la mitad del cuerpo dentro
del otro)
a la inversa del parto;
duplica la vida dentro de sí,
antes del inicio de la digestión
arrancar cada parte del cuerpo- con perforaciones en línea
-segunda condición -
ver asustada la glotis
dar con la cabeza en la laringe:
prever máximas perforaciones
calmar las patas- aire por la última vez: serpiente sepultura
Página publicada em janeiro de 2008, com material gentilmente cedido pelo poeta chileno Leo Lobos. |