Foto extraída de https://blogdocastorp.blogspot.com.br
DUDA MACHADO
Carlos Eduardo Lima Machado, Duda Machado, nasceu em Salvador, BA em 1944. poeta professor de literatura e tradutor.
Obra poética: Zil (1977); Poemas com histórias, bichos & mais companhia (poemas narrativos para crianças, 1997); Margem de uma onda (1997).
Poemas extraídos de PUENTES PONTES Antologia bilingüe – Poesía argentina y brasileña contemporânea – Poesia argentina e brasileira contemporânea. Selección y ensayo introductorio Jorge Monteleone – Seleção e ensaio introdutório de Heloisa Buarque de Hollanda. México Fondo de Cultura Económica, 2993,
Obra subsidiada por La Fundación Antorchas y de Vitae, Apoyo a Cultura, Educação e Promoção Social. Impreso en la Argentina.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
POEMS IN ENGLISH
MARGEM DE UMA ONDA
você entra no mar
mas é deserto
areia empedran-
do até os ossos
(ondas do mar de Vigo
como hei de estar contigo?)
mar que se diz deserto
mas onde água é ter nome
a uma onda extrema
quer te levar o poema
lá onde é tão difícil
estar — onde é sem nome
DENTRO DO ESPELHO
dentro do espelho
não mais nos vemos
a seu redor, cada objeto imprime
uma velocidade indefinível
já não importa a distância
a mesma nitidez alcança
o que está perto
e o que é remoto
assim persiste
até que uma fadiga
a cada coisa
desdobra e dissipa
qual um acorde
um desmentido
uma propulsão
um vácuo
rumo a um
nada extraordinário
MERIDIANO
tempestades sem céu
de noites em claro
em que o espírito
rasga a carne
e a memória se contrai
ante um mapa
de linhas equívocas
cujos pontos foram percorridos
ao vivo
entre gestos hipnoticamente acesos
ignorantes
inacessíveis estrelas:
viver também pode
ser longe
acordar é raro
breve
um cochilo, piscar de olhos
por onde irrompe
o entrevisto espanto
do que somos
acordar é um sonho
despertar es raro
breve
DURAÇÃO DA PAISAGEM
Esquece a música.
Antes sustentar a tensão
a ponto de contemplá-la
dentro ainda
de sua permanência.
A partir daí
— o mundo intacto —
vai-se abrindo um espaço,
paisagem no-preenchida,
habitada somente
por uma duração
para a qual acordamos
e, na qual, às vezes,
podemos existir.
MACHADO, Duda. Crescente (1977-1990). Desenho de Guto Lacaz. São Paulo: Duas Cidades; Secretaria de Estado da Cultura, 1990. 90 p. (Coleção Claro Enigma). 14x21 cm. ilus. ISBN 85-235-0013-8 “Da edição de 1500 exemplares, 25 foram impressos em papel Suzano Classic — com a rubrica F.C. (Fora de Comércio) – numerados e assinados pelo autor.” Col. A.M.
VITÓRIA
pêsames abraçam-se
irradia soberba
em sua solidão
nesse quase gesto
“de arte sutil composto”
amiga, outro dia
mais que um rosto
POEMA 1922
o maluco irrompeu
nu na igreja
tirou o santo do altar
se aninhou no nicho
e entrou em êxtase
foi um auê geral
mas uma das beatas
não notou nada
ATLAS Almak 88. São Paulo: 1988. 144 p. 31x43 cm. Ilus. col. Capa: Arnaldo Antunes, Zeto Borges, Zaba Mareau. Editores: Arnaldo Antunes, Beto Borges, G. Jorge Jorge, João Bandeira, Sérgio Alli, Walter Silveira, Zaba Moreau. Inclui poesia visual, arte visual e gráfica de poetas e artistas do período, entre eles Arnaldo Antunes, Duda Machado, Augusto de Cam,pos, Leon Ferrari, José Lino Grunewald, Décio Pignatari, Hélio Oiticica e muitos outros!!! Tiragem: 1500 exs. Capa dura.
Poemas: Duda Mendonça. Caligrafias: José Guilherme Rodrigues Ferreira.
VISÃO AO AVESSO
(1988)
Cartão-postal como parte da obra coletiva:
SÃO PAULO – 30 POSTAIS POÉTICOS. São Paulo: Núcleo de Projetos Literários, Centro Cultural de São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura, Prefeitura do Município de São Paulo, 1992. Seleção e organização: Leda Tenorio da Motta. Envelope com 30 cartões-postais. 13x18 cm. Capa: Augusto de Campos. Ex. bibl. Antonio Miranda
TEXTOS EN ESPAÑOL
Trad. De Sandra Almeida y Teresa Arijón
MARGEN DE UNA ONDA
entrás al mar
pero es desierto
arena convirtiendo en piedra
hasta los huesos
(olas del mar de Vigo
¿cómo he de estar contigo?)
Mar que se dice desierto
donde agua es tener nombre
hasta una ola extrema
quiere llevarte el poema
allá donde es tan difícil
estar — donde no hay nombre.
DENTRO DEL ESPEJO
dentro del espejo
ya no nos vemos
a su alrededor, cada objeto imprime
una velocidad indefinible
y ya no importa la distancia
la misma nitidez alcanza
lo que está cerca
lo que es remoto
así persiste
hasta que una fatiga
desdobla y disipa
cada cosa
como un acorde
un desmentido
una propulsión
un vacío
rumbo a una
nada extraordinaria
MERIDIANO
tempestades sin cielo
de noches sin sueño
en que el espíritu
rasga la carne
y la memoria se contrae
frente a un mapa
de líneas equívocas
cuyos puntos fueron recorridos
en vivo
entre gestos hipnóticamente en llamas
ignorantes
inaccesibles estrellas:
vivir también puede
ser lejos
despertar es raro
breve
un dormitar, un pestañeo
por donde irrumpe
el entrevisto espanto
de lo que somos
despertar es un sueño
DURACIÓN DEL PAISAJE
Olvida la música.
Antes sustentar la tensión
a punto de contemplarla
todavía dentro
de su permanencia.
A partir de ahí
—el mundo intacto—
se va abriendo un espacio,
paisaje no atestado,
solamente habitado
por una duración
a la que despertamos
y en la que, a veces,
podemos existir.
Correspondencia celeste. Nueva poesía brasileña (1960-2000). Introducción, traducción y notas de Adolfo Montejo Navas. Madrid: Árdora Ediciones, 2001 – Obra publicada com o apoio do Ministério da Cultura do Brasil. Ex. bibl. Antonio Miranda
Levar
abrir
1 livro
na beira do rio
o texto
o rio
palavrasparaosolhoscomoáguasobreacara
*
Líquidas, cascateantes
vogais desabam avalanches
enchentes inundando
o chão consoante
***
Llevar
abrir
1 libro
en la orilla del río
el texto
el río
palabrasparalosojoscomoaguasobrelacara
*
Líquidas, cascadeantes
vocales descargan avalanchas
crecidas inundando
el suelo consonante
De ZÉ /(1977)
*
FALA
no varal:
os trinta e três
o pão
que o diabo amassa às vezes
em salvas de prata
às vezes
não
-o qué?
uma queda autobiográfica
a essa altura do campeonato?
villon já passou por aí
e tantos outros
diga trinta e três
e daí?
eu sou mais eu
-ou melhor-
não existe
ninguém
que possa estar
em meu lugar
não é este
o limite
que quer
toda linguagem?
a vida é
sem medida
e isto
é rigor
*
HABLA
en la cuerda:
treinta y três
el pan
que el diablo amasa
algunas veces
en bandejas de plata
algunas veces
no
«¿el qué?
¿una caída autobiográfica
a esta altura del campeonato?
villon ya pasó por ahí
y tantos otros
diga treinta y tres»
¿y qué?
yo me las apaño
-o mejor-
no existe
nadie
que pueda estar
en mi lugar
¿no es este
el límite
que quiere
todo lenguaje?
la vida es
sin medida
y esto
es rigor
De Um outro (1989)
*
À NOITE NA ESTRADA
Amo, quando à noite,
na estrada, me domina
a sugestão vinda
de uma outra casa,
vista de longe, e depois recordada.
A calma conferida pela distância,
a clareza do recorte que se destaca
e é quase um movimento de subida,
a gratidão por esse instante
a prolongar-se em eco,
e a envolver tudo,
brisa
ainda há pouco formada,
a confluência
entre passagem e morada.
*
DE NOCHE EN LA CARRETERA
Amo, cuando de noche,
en la carretera, me domina
la sugestión recibida
de otra casa,
vista de lejos, y después recordada.
La calma comprobada por la distancia,
la claridad del recorte que se destaca
y es casi un movimiento de subida:
la gratitud por ese instante
prolongándose en eco
y envolviendo todo,
brisa
hace poco formada,
la confluencia
entre pasaje y morada.
De Margem de urna onda (1997)
*
FIM-DE-SEMANA
No Buraco do Sapo
com a polícia atrás.
No desespero a moto
decolou uns quinze metros.
Cinco pedaços de serra
dentro da calcinha
para o marido na cadeia.
Um tiro só na testa
ao sair do Palácio do Forró.
A Honda se espatifou
junto com o cara
em cima do telhado.
Dois filhos
mais de quatro meses de gravidez
presa ali mesmo na revista.
Já entraram no barraco fuzilando.
No balão de oito metros de largura
o nome dele estava escrito
com lanterna na rabeira.
Deixaram um corpo amarrado no poste
pra todo mundo ver.
A maior parte
é no fim-de-semana.
POEMS IN ENGLISH
DESCONTRÁRIOS – UNENCOUNTRARIES: 6 poetas brasileiros: 6 Brazilian poets. Nelson Ascher et al. Projeto e coordenação editorial Josely Viana Baptista, projeto gráfico e desenhos Francisco Faria, versões dos poemas para o inglês Regina Alfarano et al. Curitiba: Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Curitiba/ FCC; Associação Cultural Avelino Vieira / Bamerindus, 1995. 158 p. ilus. “ Josely Viana Baptista “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Iluminação
o sol bate
sobre a estante
sobre os livros
bate de tal modo
que não consigo mais
distingui-los
Illumination
the sun strikes
the shelf
the books
strikes them so
that I can no longer
distinghish them
Translated by Regina Alfarano
(revised by Dona Stevensd)
Imagem de um jardim
baque de pétalas
emudece o ar
jardim perfeito
onde se anula a tarde
jardim sem erro
jardim alheio
a qualquer idílio
ou atrocidade
The image of a a Garden
petals falling
silence the a
perfect garden
where afternoon cancels itself
garden without error
garden detached
from any idyll
or atrocity
Translated by Regina Alfarano
(revised by Dona Stevens)
Álbum
velocidade
de sóis
árvores
corpos
floração
abrupta
de agoras
tão êxtase
manhãs
atravessando
noites
na mesma
frase-brisa
grãos
arrebatados
ao sal do mar
dor dourada
atordoada alegria
poros
abertos
ao ideal
--------------------------------
canções
que me adolescem
e mentem
(Crescente, 1990)
Album
speed
of suns
trees
bodies
blossoming
of nows
abrupt
such ecstasy
mornings
crossing
nights
along the same
breeze-phrase
grains
grasped
from the salt of the sea
gilded sorrow
dazed gladness
pores
open
to the ideal
------------------------------------------
songs
that adolesce me
and lie
Translated by Regina Alfarano
(revised by Dona Stevens)
Acontecimento
para Augusto de Campos
qualquer,
algum ninguém
um outro
que
por sua vez
---------------------------------
miragem
de reflexos espelhados
ponto
de intersecção do real
foi
está escrito
(Crescente, 1990)
Happening
for Augusto de Campos
anybody,
some nobody
someone else
who
in turn
---------------------------------
mirage
of mirrored reflections
point
of intersection of the real
it was
it is written
Translated by Regina Alfarano
(revised by Dona Stevens)
Juntos
O horizonte é a luz
que em cor tão unânime
apaga as superfícies
de que vive
esta paisagem
é só o sopro
de um instante-abismo
que apenas há
ei-los depois
recém-nascidos:
já se respiram:
contemplador,
horizonte,
céu e mar.
(Crescente, 1990)
Together
The horizon is the light
which in such unanimous color
outshines the surfaces
from which it lives
this sight
is just the blow
of an abyss moment
that only exists
there they are now
newborn:
breathemselves:
seer,
horizon,
sea and sky.
Translated by Vinicius Rodrigues and Ricardo Carvalho
Viver
Nulla dies sine linea
dias
dias sem nenhuma linha
nenhuma linha
salvo o horizonte
dias de nenhuma linha
nenhuma
dias de dias de dias: o horizonte
dias sem nenhuma linha
dias sem mais nenhuma linha
dias sem mais nenhuma linha um
um sem mais nenhuma linha o horizonte
sem nenhuma linha
dias
sem mais nenhuma linha
nenhuma linha
nenhuma
(Crescente, 1990)
Living
Nulla dies sine linea
days
days without a single line
not a single line
but the skyline
days of not a single line
not a single one
days of days of days: the skyline
days without a single line
days without a single line anymore
one without a single line anymore the skyline
without a single line
days
one
without a single line anymore
not a single line
not a single one
Translated by Vinicius Rodrigues and Ricardo Carvalho
Imitação das coisas
Vamos, dedique-se por inteiro
às aparências, às coisas propriamente
ditas. Procure frequentá-las,
trazê-las para dentro de si mesmo,
incorporá-las dia a dia,
a cada instante,
por mais irrisório/absurdo que pareça.
Pode ser, no entanto, que você
não resista o tempo todo
e, de vez em quando, se afaste
da consistência das coisas
e se deixe levar
pelo hábito de transformá-las
em encantamento ou profundidade.
Não se perturbe. Ao persistir,
voltaremos mais uma vez a elas,
imperfeitos mas concentrados
— como no amor —, decididos
a alcançá-las, embora adivinhando
e já pouco importa que ainda
não estamos preparados.
(inédito, 1995)
The imitation of things
Let’s go, dedicate yourself wholly
to appearances, to things themselves.
Try to visit them,
to take them into yourself,
to incorporate them from day to day,
at every moment,
most derisive/absurd as it may seem.
Mayheyou can't
endure it all the time
and, now and then, you may withdraw
from the core of things,
and let yourself he taken
by the habit of changing them
into enchantment or deepness.
Don 't get disturbed. By persisting,
we’ll come back to them once more,
imperfect but concentrated
— as in love—, determined
to reach them, though guessing,
and it doesn 't matter anymore,
that we are not ready yet.
Translated by Ana Helena Souza
Página publicada em fevereiro de 2009. Ampliada em fevereiro de 2016. Ampliada em dez. 2018
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