Foto: http://www.loc.gov/pictures/resource/cph.3c12067/
(Library of Congress)
DORA VASCONCELLOS
Dora Alencar Vasconcellos (Rio de Janeiro, RJ -1911 - Trinidad e Tobago 1973)
Em minha última postagem, falei de Dora Vasconcellos, diplomata e poetisa, autora das letras das canções da obra "A Floresta do Amazonas", de Heitor Villa-Lobos. Dora foi, possivelmente, uma das pioneiras no serviço diplomático brasileiro, mas o que importa nesse curto texto é destacar sua atuação no campo das letras e da música, neste em duas ocasiões. Em sua primeira permanência nos Estados Unidos, em 1952, Dora iniciou uma estreita amizade com Villa-Lobos (1887-1959), realizando as parcerias com o compositor brasileiro na suíte sinfônica acima mencionada, de 1958. Villa-Lobos a ela dedicou a curta obra para piano "Feijoada sem perigo". Em seu segundo período em Nova York, agora como Cônsul-Geral, Dora foi uma das grandes incentivadoras da bossa nova nos Estados Unidos, tendo, inclusive, segundo o jornalista Ruy Castro, em fato narrado em sua obra "Chega de Saudade", atuado decisivamente em favor da apresentação de João Gilberto no célebre concerto do Carneggie Hall, em 1962, quando passou as calças do músico baiano, que se recusava a entrar no palco porque, justificava, suas calças estavam sem vinco.
Dora deixou três obras publicadas :" O grande caminho do Branco", " Palavra sem Eco" e Surdina do Contemplado". Fonte: http://umacriticaviva.blogspot.com.br/
TEXT IN ENGLISH
SEREI AINDA
Eu sei toda a constância
Para não ir adiante
Nem me deixar ficar
Distraída olhando para o lado
Pois se me deixo
Em sonhos descuidada
Pode mudar
O andar
O mundo tomar outra forma
E me deixar enleada
Ao senso puro de existir
Sem sentir o reflexo
Do que deixo
Pois é ao lado
Que desejo seguir
Tão confinada ao esmero
De não perder a atenção
Mergulhada na direção
Dos teus cuidados
Pois se assim vou
Ao lado
Mão na tua mão
Na aflição de medir passos
Sem saber como vamos
Chegar
Onde
Em que direção
Ao menos estou ao lado
Tua mão na minha mão
E sei que enquanto
Formos assim
Eu pálida
De não saber que dia
Que noite
Chegará até mim
Mas ao teu lado
Guardada de solidão
Serei ainda a que vai
A teu lado
Sem mais reação
Do que andar
Teus passos
Saber mais
Seria saber demais
E já que vou assim
Mão na tua mão
Serei ainda a que vai
A teu lado.
Do livro: O Grande Caminho do Branco.
PENÉLOPE
Vou tirar de todas as ruas
Uma rua
E levá-la para o canto
E a essa rua vou chamar
Surdina do contemplado
Vou laçar a estrela arredia
E chamá-la Senhora Dona Estrela
Do longe
Com muito boas maneiras
E prendê-la com um laço de fita
Sobre a rua
Feito balão cativo
Vou trazer árvores
De grandes folhas engomadas
E um rosário de glicínias
Preso ao tronco
E chamá-las
Sor Perpétua
Sor Beatitude
Sor Cristíanissima
Fuga pé-ante-pé
Com lápis preto nº 1
Vou calçar a rua
Com nomes esquecidos
E chamar às pedras
Maria
Maria
E Maria
E abandonar o monstro
De olhos verdes
Na esquina
Limitarei a rua
Com dois traços
E sobre um deles
Vou pintar uma janela
Para ver o sol de arrastão
Sobre a onda ensanguentada
Manchando o dia
Se minha rua carecer de cores
Eu pinto um céu
Com tinta azul
E chamo:
"Cezefredo
Cezefredo
Porque Voce saiu do intangível
Menino?"
(Cezefredo é o anjinho órfão
Que eu guardo)
Nessa rua hão de viver três cotovias
Que se alimentam de paisagem
Pousadas sobre fios de ouro
Da tapeçaria:
Belarmina a do fá
Belamor a do si
Belaflor a do sol
Três notas
Para começar a valsa
Casa na rua?
Não tem
Portão nenhum
Alguns números talvez
Mas tem espera
E ansiedade
O tempo é o que foi perdido
Tu já tens nome
E estás sempre chegando
Tua volta é imensa
A tapeçaria
Se desmancha
Revive
E se dilui
Na minha desmemoria
Os impossíveis
Não logram limitar
Distâncias
Dentro deles vai fugindo
O pensamento
Fugindo pé-ante-pé
Com lápis preto nº 1
( Surdina do Contemplado)
MÚSICA DE HEITOR VILLA LOBOS - LETRA DE DORA VASCONCELLOS Canta: Noemia Hime:
https://www.youtube.com/watch?v=QqjMj6d-aBA
TEXT IN ENGLISH
TRANSLATION BY ABGAR RENAULT
GUARDEI TEU RUMOR
Guardei teu rumor em mim
As palavras mortas nas cartas
Guardei a força das montanhas
Guardei a transparência do tempo
Deitei a violeta na calma
Dos meus olhos
Guardei a eternidade do apelo
A mágoa do refrão
Guardei a tarde na areia
Sobrevivi à palavra sangrenta
À narrativa sem tese
Ao conto sem imagens
Perdi tuas ausências
O hábito de olhar de longe
A vontade de ter
Perdi as curvas do crepúsculo
Perdi o outro lado da ponte
Os minutos pela água
Perdi a flexibilidade
Para o cotejo
Perdi a hora do vento
Ao te perder
Tornei a mim lentamente
Todas as memórias
São companheiras do tempo.
I HAVE TREASURED YOUR MURMUR
I have treasured your murmur in me
The dead words in the letters
I have treasured power of the mountains
I have treasured the transparency fo time
I have laid the violet on the quiet
Of my eyes
I have treasured the eternity of the plea
I grief of the refrain
I have treasured the evening in the sand
I have survived the groy word
The narrative without a plot
The tale without pictures
I have lost your absences
My habito of looking from afar
My own will to have
I have lost the curves of the twilight
I have lost the other end of the bridge
The minutes down the stream
I have lost the resilience
Of the fighter
I have lost the hour of the Wind
By loosing you
I have come slowly back to myself
All memories
Are companions of time.
Página publicada em agosto de 2016
|