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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte da foto: http://cestadepalavras.blogspot.com


DONNY CORREIA

 

 

Extraído de:
TODO COMEÇO É INVOLUNTÁRIO - a poesia brasileira no início do século 21.
 Org.  de Claudio  Daniel.  São Paulo: Lumme Editor, 2010.   328 p.   ISBN  978-85-624-44-129-4

 

 

KANÇER (UM SOLILÓQUIO)

 

 

I

 

Quando me convenci

de que eu era imortal

veio o Doutor e disse:

- É câncer...

 

Aquela coisa tagarela,

pulsante e, em certo

aspecto,

imunda

era um câncer.

Faminto roedor que,

forjado por células

mortas, tragou

a fumaça que eu pensava

expelir ao mundo

e cresceu viçoso e

Traiçoeiro.

 

Uma femme fatale

beijando-me lixo

amando-me sobras

trepando-me restos

 

II

 

Aquele ser

de vontade própria

fazia com prazer

a fotossíntese em

meus brônquios

como se o pulmão

tornado, agora,

vaso de um bonsai das Bestas,

fosse o pasto, a laringe

uma latrina,

a descarga, o coração

 

III


 

 

Às vezes cheguei a sentir

subirem a sopa e o suco cadavérico

à boca em arrotos

de azia.

Desciam de volta, ardidas no peito,

gota após gota como se, do câncer,

fossem lágrimas de alegria

pela fartura indigna:

Ainda que não o merecesse,

esse câncer me tinha.

 

IV

 

Este obscuro mascote

carrega em si muito

mais de mim

do que eu mesmo posso.

Este tufo de morte me

regala como

o pão por Cristo aos seus

discípulos.

Se assemelha a um alarme

e soa sempre tresloucado

quando sinto certo riso

despertar em minha arcada.

É o riso de quem se esquece

por um átimo, o ataque

virulento de tal

pólipo depravado.

Mas é Claro que o diabo

agarrado em meu pulmão

grita logo e muito alto

recordando que, de assalto,

Esse pulmão não é

mais meu.

 

V

 

Portanto

o alívio de um sorriso

é o mau hálito

de um morto falante.

E assim sou a casa

de uma peste

morada da morte

hospício dos vermes

refúgio de um beijo

adúltero.

Mas,

 

VI

 

Amigo,

imundo amigo,

a você proponho

um pacto de obediência

mútua:

Te alimento mais e mais

com a fumaça suja

com o tabaco sábio

e você

rói

mais doce, moderado

mais lento

minhas carnes de dentro

e me ajuda a enganar a

morte, a trapacear

os urubus.

 

VII

 

Prolongue minha vida

insípida

que eu prolongo seu

banquete último

provoque pouco estrago

a curto prazo

que, a longo,

comerá mais dê mim

 

entregue à sua gana torta

em bandeja necrotéria.

Rói

mais lento

minhas carnes de dentro

 

 

VIII

Eu serei seu alimento

e você, o meu motor

serei seu combustível

e você, meu velocímetro

serei seu servo

e você, meu amante

autoritário.

Algoz atento,

rói

mais lento

minhas carnes de dentro

 

IX

 

Riremos juntos

do tempo.

A você juro fidelidade:

Nem químio, nem rádio

terapia alguma,

nem Hidreia.

Sei que esse o executasse

se tentasse extrair de mim (que

de pouco eu mesmo tenho)

sua raiz primeira plantada

em meu adubado pulmão,

você voltaria, mais forte

mais sedento, mais insano

e insensível,

para cobrar a quebra de acordo.

Então juro fidelidade

como jamais fui fiel a algo

ou a alguém.

 

x

 

Siga:

Roendo

mais lento

minhas carnes de dentro

 

Já não me toco.
Não me sinto.

 

Estátua de pedra permeável

por cuspes e risos de hienas

obsessivas, sou.

 

Passe um ano ou passem

cem, amigo, imundo amigo meu,

rói

mais lento

as carnes sujas de dentro

Que as de fora, vou à forra,

E rôo eu.

 

 

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Donny Correia - Estudante de Letras na Unibero. Poeta e tradutor, viveu em Londres no início do século trabalhando no jornal Brazilian News, é produtor cultural da Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura.

Os poemas a seguir foram extraídos da obra ANTOLOGIA VACAMARELA : português, español, english. São Paulo: Edição dos autores, 2007. ISBN 978-85-905633-2-7, lançada em novembro de 2007 durante o Tordesilhas – Festival Iberoamericano de Poesia Contemporânea, realizado pelo Centro Cultural Caixa.

TEXTOS EM PORTUGUÊS  /  TEXTOS EN ESPAÑOL
 

VERNISSAGE

corpo,

cela

hermafrodita

jade negra

hemácias coaguladas

em veias lombrigas

delgada sonata

sem tom

sem

som

 

cegueira marrom

tato empalado

gesso de seda

camadas de giz

pernas

decepadas

 

joelhos

exibem

cenas floridas

 

(repousadas:

 

vaso de musgos

água negra)

 

esquecidas

 

 

CREPÚSCULO

 

E com a seda da navalha risonha

Alice acaricia o pulso

A vida lhe escapa de um soluço

E o sangue ralo beija a fronha

 

 

CORREIA, Donny.  Corpocárcere.  São Paulo, SP: Editora Patuá, 2013.   14x18 cm.   124 p+ 32 p.  Tiragem: 100 exs.   Capa: Angela Kina.  Editores: Alice Rocha e Eduardo Lacerda.  Ao final um “Apêndice crítica” com textos de Cláudio Daniel, Efraín Rodriguez Santana, Flávio Ricardo Vassoler. “Orelha” do livro por Maarcelo Tápia.  ISBN 978-85-64308-64-0    “Donny Correia”  Ex. na bibl. Antonio Miranda

 

DESENVOLVERMES

          If I don´t go crazy
          I´ll lose my mind
          Scorpio Rising,

          Death in Vegas

Implodir
essa balbúrdia,
devolver
vermes
de assombro e
ira
nas fezes inumanas:
/devolvermes/

Masturbar-
se
ao som de
chopin
ejacular flores
cobertas
regadas com chuva
dev
ácida

implodir
do pulso
ao pasmo
diafragma
(não sei mais
se fumo o cigarro
ou se o
fumo sou eu
ex tragado
a cada grito
de pedra
e silício
)

/não sei/ se
me irritam
ou se
a raiva
sou eu
habitado por
inconveniente
humanoide de
gema, gesso
e germes

Implodir
tudo
do ouro
ao adubo
da estirpe
ao esterco

 

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TEXTOS EN ESPAÑOL

Traducción:

Fábio Aristimunho

 

VERNISSAGE

cuerpo,

celda

hermafrodita

jade negra

hematíes coagulados

en venas lombrices

delgada sonata

sin ton

sin

son

 

ceguera marrón

tacto empalado

yeso de seda

capa de tiza

piernas

recortadas

 

rodillas

exhiben

escenas floridas

 

(reposadas

 

jarro de musgos

agua negra)

 

olvidadas

 

 

Página publicada em novembro de 2007



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