CLAUDIO DANIEL
Claudio Daniel, pseudônimo de Claudio Alexandre de Barros Teixeira, poeta, tradutor e ensaísta, nasceu em São Paulo (SP), em 1962. Publicou os livros de poesia Sutra (edição do autor, 1992), Yumê (Ciência do Acidente, 1999), A sombra do leopardo (Azougue Editorial, 2001, prêmio Redescoberta da Literatura Brasileira, oferecido pela revista CULT) e Figuras Metálicas (Perspectiva, coleção Signos, 2005). Em 2004, lançou o Romanceiro de Dona Virgo, volume de contos (Lamparina Editora). O autor publicou também a antologia Na Virada do Século, Poesia de Invenção no Brasil (Landy, 2002), organizada em parceria com Frederico Barbosa. Como tradutor, publicou a antologia Jardim de Camaleões, A Poesia Neobarroca na América Latina (Iluminuras, 2005), além de volumes com traduções de José Kozer, Eduardo Milán, León Felix Batista, Reynaldo Jiménez e Víctor Sosa. Em 2004, foi um dos curadores do evento Encontros de Interrogação, promovido pelo Instituto Itaú Cultural, e em 2006 organizou a Galáxia Barroca, Encontro de Poetas Latino-Americanos.
No exterior, participou das antologias New Brazilian & American Poetry (revista Rattapallax n. 9, New York, 2003), organizada por Flávia Rocha e Edwin Torres, Pindorama, 30 Poetas de Brasil (revista Tsé Tsé n. 7/8, Buenos Aires, 2001), com seleção e tradução de Reynaldo Jiménez, e Cetrería, Once Poetas Brasileños (Casa de Letras, Havana, 2003), organizada e traduzida por Ricardo Alberto Pérez. Claudio Daniel reside em São Paulo, onde atua na área editorial e jornalística.
É editor da revista eletrônica de poesia e debates Zunái: http://www.revistazunai.com.br/zunai/ , junto com Rodrigo de Souza Leão. Seu blog na Internet é http://cantarapeledelontra.zip.net
Veja também: POESIA VISUAL
Os cânones da dor
unhas nos sulcos
da pele, em todos
os poros da dor:
a dor que é pedra
no limiar da fala
que verte em suor.
o som do inaudível
uivo — uivo ósseo,
uivo epidérmico —
instila, inflama
todas as suturas
e corre, abissal
em verdes glóbulos
de sonora náusea
e dolorosa repulsa.
De Sutra, 1992
Liber Aquae
A Luiz Roberto Guedes
Um
livro da água;
espiraladas páginas
de jade em tumulto;
côncavo espelho desolado
em que o tempo lento flui;
quem teceu — em musselina —
a tormentosa tapeçaria
de sua secreta escritura?
A esfíngica branca lua abissal
e o temerário dragão-de-nébula
são líquidas ficções alucinadas
de suas vagas de chrysoprasu?
Heráclito leu em seus enigmas aquosos
aquilo que Lao-Tsé pensou em Cathay,
alfombra de arqueiros e calígrafos?
O mar — floresta sinfônica, seminal —
verde lume — seda enlouquecida
em arabescos — metáfora insidiosa
da eternidade — num círculo de águas.
(1999)
Liber Aquae
A Luiz Roberto Guedes
Um
livro da água;
espiraladas páginas
de jade em tumulto;
côncavo espelho desolado
em que o tempo lento flui;
quem teceu — em musselina —
a tormentosa tapeçaria
de sua secreta escritura?
A esfíngica branca lua abissal
e o temerário dragão-de-nébula
são líquidas ficções alucinadas
de suas vagas de chrysoprasu?
Heráclito leu em seus enigmas aquosos
aquilo que Lao-Tsé pensou em Cathay,
alfombra de arqueiros e calígrafos?
O mar — floresta sinfônica, seminal —
verde lume — seda enlouquecida
em arabescos — metáfora insidiosa
da eternidade — num círculo de águas.
1993
Zauberbuch
A Jorge Luis Borges
Todos
os livros
— os Sutras, o Corão
os Vedas, o Zohar —
são enigmas: jardins verticais
rios insubmissos
listras de mármore possesso;
todas as páginas
— em lâminas de argila, pele de carneiro
folhas de papyro ou rubro ouro esculpido —
são impossíveis, viscerais
areia alucinada.
Os livros, Borges, inventam os leitores
e os nomes de vales, savanas, estepes
e de amplas avenidas que ignoramos;
vivemos essa efêmera realidade
para lermos suas secretas linhas,
e nossos filhos e netos.
Um dia, porém, os livros
— últimos demiurgos — desaparecerão,
como o grifo e o licorne
e ler será apenas lenda.
1993
Noite-flor
amareladamente
a lua irrompe
na teia
azul-da-prússia
qual peônia
ouro rútilo
favo de mel
e se vai
(fio d'água-luz
em água-água
desatado)
sem dizer
ah deus
1998
Noite-oceano
ondulosamente
a noite
azul-turquesa
oceânica
perpassa
em tuas
pupilas
— seda
azeviche
jaspe
negro
pele de
jaguar:
a comum
cegueira
1998
Noite-seios
luazulada
alvíssima
deslinda-
se no céu
finíssima
auréola:
pó de luz
que cintila
nos róseos
mamilos
desnudados
— lua
em luas
refletida,
prata
em prata
lucilada
1998
Tabi
o vento
açoita
bambus:
dançam
sombras.
no caule
da vagem,
o orvalho
resvala
na lua.
o gato
imita
o tigre:
rumor
de aves.
brancas
geleiras
lácteas:
o colo
do cisne.
o fuji
apunhala
a névoa:
fiapos
de branco.
no sonho,
o monge
em viagem:
tudo
é miragem.
De Yumê, 1990
Silêncio
para Duda Machado
A pedra;
o que não diz
em sua epiderme,
sua opaca tessitura
de areia e indiviso
tempo; a pedra —
(digo) (a não voz)
o silêncio em tuas
pupilas de pálida
lua, como chama
que se adensa
(mudez de sombra,
solilóquio de água
imóvel, em cisterna
ressecada); e então,
as palavras.
De A sombra de leopardo, 2001
Traça
(Entre fólios de ciência antiga e espectros de monjas nuas desencarnadas.)
(Olhos opiados afundam em partituras da Outra Margem.)
(Ruge um leão hipnótico.)
(Letras sangradas na pele de carneiro. Figuras metálicas em expansão.)
(Palavras criam realidades.)
(Traças cavam sendas no papel.)
(Toda leitura é uma cicatriz.)
De Figuras metálicas
DESVIO
Farto já de tanta ambigüidade, flor excessiva,
alfabeto cego que se desdobra em vogais.
Peixe branco, gris ou amarelo desgarrado
de sua guelra, no desvio das águas,
entre suposições, eufórico, justaposto
à inevitável precariedade. À meia-noite,
desmanchar esqueletos de anões,
é sempre a mesma música proliferante,
pautada nas ranhuras da cervical.
Até dilatar os debruns coaxiais da caixa
craniana; sublime é a arte do esquecimento.
De Fera bifronte (inédito)
NOITE-MIM
anoiteci
fiz-me
sombra
avesso
de mim
sombra
de mim
avesso
da
sombra
noite
de
mim
avesso
da
noite
sombra
de
mim
DANIEL, Cláudio. Figuras metálicas. Travessia poética (1983-2003). São Paulo Perspectiva, 2005. 234 p. (Signos; 40 / dirigida por Augusto de Campos) 15x20,5 cm. ISBN 85-273-0718-9
sêneca
Dor é algo
atroz (fungos
violeta). Água
sonora, vai
de uma a outra
concha, ama-
relece (folha
de trevo) e
cai. Diz então,
em que ilha-
olho-de-chama
— Itaca, talvez —
vesti-me de pele
desolada,
e padeci, fera
entre feras?
Por que, brutal,
me arrasto
nesta terra?
Para a glória
do Sublime?
Por meus débitos,
hora de decepar
vogais? Cala Sibila,
calam Córdova
e Roma, sou todo
farelo, e se fecha
a porta do canto.
Que direi a mim,
após celebrar
o rito da memória?
— Bebe o teu vinho
e aceita o universo,
eis o caminho
da iniciação.
TEXTOS EM ESPAÑOL
Traducciones: Jesús Barquet y Reynaldo Jiménez
SILENCIO
para Duda Machado
La piedra;
lo que no dice
en su epidermis,
su opaca tesitura
de arena y tiempo
indiviso; la piedra -
(digo) (la no voz)
el silencio en tus
pupilas de luna
pálida, como llama
que se adensa
(mudez de sombra,
soliloquio de agua
inmóvil, en reseca
cisterna); y entonces,
las palabras.
1999
(Poemas de A Sombra do Leopardo. Traducciones: Jesús Barquet.)
LI T'AI PO
en el
jardín
verde-jade
flores líquidas
fluyen, en el estanque:
- aquí es más allá
de Cualquierparte
1994
LAMENTO DEL CAMELLO DEL EMPERADOR
en el
jardín
de laca
sin ga-
viotas
o nenú-
fares,
sin flau-
tas, só-
lo silen-
cio en-
tre re-
jas
1994
PEQUEÑO SERMON A LOS PECES
a José Kozer
el
agua
es luz, el agua
es semen, plata, mercurio
espejo esférico de imágenes trémulas
que brotan, fluctúan y cesan
¡oh espléndidas carpas!
entre rajados cardúmenes, coronas de blanca espuma
y radiantes medusas
-láminas prismáticas de una vasta geografía-
vi la rama curva del cerezo
una nube, mi rostro
y la rana
1993
LIBER AQUAE
a Luiz Roberto Guedes
Un
libro de agua:
espiraladas páginas
de jade en tumulto;
cóncavo espejo desolado
en que el tiempo lento fluye;
¿quién tejió - en muselina -
la tormentosa tapicería
de tu secreta escritura?
La esfíngica blanca luna abisal
y el temerario dragón de niebla
¿son líquidas ficciones alucinadas
de tus olas de chrysoprasu?
¿Heráclito leyó en tus enigmas acuosos
aquello que Lao Tzu pensó en Cathay,
alfombra de arqueros y calígrafos?
El mar - floresta sinfónica, seminal -
verde lumbre - seda enloquecida
en arabescos - metáfora insidiosa
de la eternidad, en un círculo de aguas.
1993
(Poemas de Yumê. Traducciones: Reynaldo Jiménez.)
NOCHE-DE-MÍ
Traducción de Leslie Bary
anochecí
me hice
sombra
reverso
de mí
me hice
reverso
sombra
de mí
Reverso
de
sombra
noche
de
mí
Reverso
de la
noche
sombra
de
mí
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TEXT IN ENGLISH
NIGHSELF
Translation of Leslie Bary
night fell in me
I became
a shadow
the seamy side
of me
i became
the seamy side
a shadow
of me
the seamy side
of
the shadow
the seamy side
of
the shadow
night
of
myself
the seamy side
of
night
shadow
of
me
From: HELICOPTERO, V.3-4, 2000, Eugene, Oregon, EE.UU. (The newspapers directors are professors of the Romance Dept. Languages, University of Oregon.)
DIMENSÃO. Revista Internacional de Poesia. Ano XVIII No. 27. 1998. Editor: Guido Bilharinho. Uberaba, MG: 1998. 192 p.
Ex. biblioteca de Antonio Miranda
*
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Página publicada em maio de 2024
Página ampliada e republicada em novembro de 2008 |