BERREDO DE MENEZES
(1929-2015)
Ferdinand Berredo de Menezes nasceu em Caxias, no Maranhão, em 1929, estando radicado no Espírito Santo há mais de quatro décadas. Advogado e professor universitário. Detentor de vários prêmios literários. A melhor apresentação que se pode (e deve) fazer dele é dando ao público a oportunidade de ler seus versos iluminados, clarividentes, transparentes.
“Há naturezas que têm a vocação do caos, como Neruda. Ou se alimentam dos ruídos das cidades como Charles Baudelaire. OU se entretecem de um sibilante profetismo como Blake, entre anjos e tigres, que fogem da escala dos animais para a dos entes e mitos. Mas há vocações que se nutrem, deleitosamente, da luz, como Berredo de Menezes que se impõe como importante e nova voz da poesia contemporânea”. Carlos Nejar, da Acaemia Brasileira de Letras.
“... el poeta, utiliza en su idioma un lenguaje de ambivalências lexicales y de múltiples connotaciones que al ser cambiadas, traducidas, si no se pierden a veces totalmente, por lo menos crean una atmosfera poética un tanto diferente. (...) Berredo de Menezes es, pues, un poeta com futuro. Porque su idioma es joven para la poesia, pero también porque él, como poeta, ha sabido usarlo, hacerlo arte y expresarse con un tono universal, más Allá de regionalismos o nacionalismos que van quedando estrechos al mundo intercomunicado que habitamos. Él es un poeta contemporâneo, si, pero que dialogo con el tiempo. Por eso es un hecho feliz que extienda sus brazos poéticos al español.” Virgilio López Lemus
“Há tercetos que abstraídos do corpo do poema poderiam ser facilmente tomados por haicais, não fora a composição decasssilábica dos versos, como, por exemplo, o terceto II de O MAR REDESCOBERTO: “De voolta ao Mara em pesca de silêncio,/ sinto a tarde mais triste do que a brisa/ ouvindo o pôr-do-sol como epitáfio”.” Miguel Depes Tallon, sobre o livro Usina de Silêncios.
UM DUENDE SEM OUTRORAS*
Poema de Berredo de Menezes
dedicado a Antonio\Miranda
Nessa angústia de ser coisa nenhuma,
onde o silêncio é canto e luz na alma,
vivo de ouvir o ocaso dos meus ontens.
E se a tarde envelhece entre meus lírios,
como quem busca asilo no sol poente,
logo as tristezas vegetais me afloram.
Como não sei o que fazer ao luar,
quando as estrelas perdem lume onírica,
também me sinto lagrima do escuro.
E é nessa oligofrênica ansiedade
que me descubro um velho sonho anódino,
incapaz de sofrer mágoas de outroras.
Nem desconfio que essa nova ausência
é que perfuma a luz de antigamentes
como um silêncio acústico do Nunca.
E porque não me sinto mais ninguém,
mesmo entre os poentes mais iterativos,
chega a me acreditar eco do Nada.
A sensação de voar em ventos surdos,
me acende uma quimera inusitada:
ser um silêncio em coração alheio.
Nessa alquimia mística do ocaso,
creio ter sido uma saudade alípede
que se perdeu num sonho peregrino.
Mas, de repente, o luar volta no longe,
e cresce em lume edênico nos olhos,
liquefeito na dor dos meus antanhos.
E essa tristeza acorda, na lembrança,
o azul de um mar onde esqueci as velas
jangadeando as ilusões de criança.
Parque das Hortênsias,
Carnaval de 2008.
TEXTOS EN ESPAÑOL / TEXTOS EM PORTUGUÊS
POEMA INÉDITO
Berredo de Menezes anda em estado de poesia, à flor da pele, na inquietude plena de sua vocação criadora, exercitando aquela tese de Edgar Morin segundo a qual a poesia se alimenta de sua tradição, traduzindo os novos tempos. Diante do mar, o poeta percebe que, a exemplo do navio, o poema requer um lastro para flutuar, que está entre a “inspiração” (palavra hoje execrada, mas nem por isso extinta...) e uma erudição que funciona como um filtro entre a realidade e a interpretação do poeta, exigindo-lhe aquele distanciamento brechtiano que concilia a (falsa) antítese entre o verso espontâneo e a sua arquitextura. Berredo de Menezes está na plenitude de sua capacidade criadora. A.M.
CAMINHO DO NÃO SER*
Nesta noite tão grávida de ausências,
sou a raiz antiga dos pesares,
no caminho sem volta da indolência.
Devaneio de esperas vespertinas,
já desnudo das cores da mentira,
sofro a imortalidade pela ausência.
Entre o vazio dos meus próprios sonhos,
vivo de pertencer à fantasia
de me sentir segredo em olhos cegos.
Na recôndita luz de uma mudança,
e ébrio de minhas dúvidas piedosas,
a vida não deixou-me ser ninguém.
Existo sob o ocaso inverossímil
em que as saudades tecem meu escuro,
em andeja aparência de esperanças.
Talvez por isso, sinto o irreversível
na ébria convivência das lembranças
que ainda solfejam lágrimas sem eco.
No instante sucessivo dessa mágoa,
ouço harmonia oceânica dos sonhos
num campo onde o impossível não se esgota.
E entre um ser imutável que não vinga,
e a vida fugitiva dos disfarces,
escolhi o caminho do não ser.
Quis ser das flores um aroma anímico,
num jardim de crepúsculos sem lumes,
entre ilusões e dúvidas crescentes.
Mas despido de pálpebras edênicas
hoje sou um silêncio em dor de pétalas,
onde as lágrimas fulgem sem perfume.
Praia-Mar de Itaparica,
entre 07 e 07/02/2008
*inspirado no “Cemitério Marinho de Paul Valéry.
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De CLARIVIDÊNCIAS DO NUNCA
Porto Alegre: Sul-Americana,1993
INTERVALO
Entre os silêncios
do jardim
e o pôr-do-sol
das rosas,
minha saudade é apenas um intervalo
da solidão.
O SONHO DE VOAR
Os pássaros reacendem
o sonho de voar,
num arco-íris,
para sentir a solidão de Deus
e chorarmos juntos.
ARQUITETO DA SOMBRA
Onde não chega o vento,
a esperança
é apenas um perfume
da solidão.
E entre os escombros,
da luz,
o sol das sombras.
TARDE LEVE
Carrego,
entre as flores do dia,
e o vento,
o silêncio invertebrado
da solidão.
MONTANTE
A maré vazava
como o tempo,
entre os escuros.
num grito surdo
UM PONTO
Sou o olho cego dos ventos.
E um ponto do ar
que osquestra a luz
do nunca.
De USINA DE SILÊNCIOS
Prêmio Concurso Nacional de Poesia Helena Kolody
Curitiba: Secretaria de Estado de Cultura, 1998
SINOS DE SILÊNCIO
Para Renato Pacheco
I
O dia envelhecia ao som dos sinos:
era a hora de ouvir a voz do vento
na flauta de silêncios do crepúsculo.
II
Passando só, sob um lençol de estrelas,
a lua era mais lerda que o silêncio
vagando a solidão que as nuvens tecem.
III
Tecendo sombras num jardim de hortênsias,
o luar parece bêbado de orvalho
ouvindo o sono surdo do silêncio.
IV
Nesse luar em que o jardim se esconde,
as sombras que florescem sob as rosas
parecem perfumadas de silêncio.
V
Bebendo o orvalho que perfuma o luar,
a madrugada esquece o sono e voa
nas asas de silêncio de uma rosa.
VI
Quando a rosa padece os seus extremos,
a lágrima de Deus desce o luar
na dor mais solitária do silêncio.
VII
Na saga de sofrer a dor de ouvir
o silêncio dormindo em luz de orvalho,
o luar se sente o eco de uma lágrima.
VIII
Pela exaustão do luar no eco das folhas,
o silêncio tem asas de quem ouve
os primeiros clarões do amanhecer.
IX
Na orquestração litúrgica do orvalho,
o luar perde o equilíbrio do silêncio
e cai para semear a luz do dia.
X
De ouvir a dor do chão pelo silêncio,
a lua herdou do orvalho esse olhar triste
de quem fatia a solidão do mundo.
XI
Vista de longe a aurora é como um sino
acordando o silêncio da manhã
pelo toque de incêndio do arrebol.
Parque das Hortênsias
entre 20 e 22/12/96
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De CLARIVIDENCIAS DEL NUNCA
La Habana: Editorial Arte y Literatura, 1997
Traducción de Virgilio López Lemus
INTERVALO
Entre los silêncios
del jardín
y el ocaso
de las rosas,
mi nostalgia es apenas intervalo
de soledad.
EL SUEÑO DE VOLAR
Los pájaros reaninan
el sueño de volar
en un arco iris,
para sentir la soledad de Dios
y llorar juntos.
ARQUITECTO DE LA SOMBRA
Donde no llega el viento,
la esperanza
es apenas un perfume
de la soledad.
Y entre los escombros
de la luz,
el sol de las sombras.
TARDE LEVE
Cargo,
entre las flores del día
y el viento,
el silencio invertebrado
de la soledad.
MONTANTE
La marea fluía
como el tiempo,
entre las sombras.
Es un grito sordo.
UN PUNTO
Soy el ojo ciego de los vientos.
Y un punto del aire
que orquesta la luz
del nunca.
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¨*COMENTÁRIO AO POEMA INÉDITO " UM DUENDE SEM OUTRORAS"
Estou lendo seu poema e nas primeiras impressões sinto a mesma tristeza e melancolia que envolve a atmosfera dos três livros que me enviou. Há um halo de romantismo e desencanto flutuando nas intimistas variações dos seus versos. Mostra um atormentado e ao mesmo tempo assumido espírito diante da percepção da fatalidade da vida, de suas divagações entre a luz e a sombra; algo do simbolismo com a persistente liturgia de vocábulos que vão da dor, do silêncio ao nada. Certo irreprimível e doloroso sentimento de identidade com os espaços do infinito da alma e do cosmos que, em seu estado de vácuo, parecem sintetizar seu encontro com os planos cósmico e terrestre. Esse seu divagar entre tercetos pela escuridão: luar através de certo constante sonho de redenção e rendição aos embates da existência, suas associações desconcertantes, nos mostram sua percepção do mundo. Suas divergências líricas unidas à sua noção do tempo e do espaço, nos revelam o poeta que se debate no absurdo do ser e do nada, entre a grandeza de suas decepções e revelações. A irradiação da lua, com seus significados de ressurreição e de morte, está presente na sua poesia como símbolo de liberdade e de silêncio, quase como de exorcismo, contra a dor da solidão. Nisso se irmana com Valéry, o poeta, e com Sartre, o filósofo.
Através da minha incursão do poema "Um luar do nada", belíssimo por certo, entro no seu campo magnético e me sinto convidada para ler toda sua obra. Espero não parar de escrever, como sempre fiz quando algo que prende, finalmente, minha atenção. ELGA PÉR3EZ-LABORDE, Brasília, mar. 2008
Página ampliada e republicada em março 2008
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