Andityas Soares de Moura, mineiro de Barbacena, é poeta, tradutor, ensaísta e professor universitário, além de mestre em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Instituição onde atualmente cursa o Doutorado. No campo da filosofia jurídica o autor lançou recentemente o estudo Filosofia do direito e justiça na obra de Hans Kelsen (Belo Horizonte, Del Rey, 2005) e Direitos: perguntas e respostas. Questões teóricas, acadêmicas e ético-profissionais (Belo Horizonte, Del Rey, 2007).
Publicou os seguintes poemários: Ofuscações (Barbacena, edição do autor, 1997), Lentus in umbra (Barbacena, edição do autor, 2001), OS enCANTOS (Belo Horizonte, in vento, 2003) e FOMEFORTE (Belo Horizonte, in vento, 2005). Lentus in umbra foi traduzido para o castelhano pelo poeta e professor Francisco Álvarez Velasco e lançado na Espanha (Gijón, Trea, 2002).
Selecionou, introduziu, traduziu e anotou os poemas da escritora galega Rosalía de Castro reunidos em A rosa dos claustros (Belo Horizonte, Crisálida, 2004). Traduziu três livros do poeta argentino Juan Gelman, dentre os quais, em parceria com o poeta e tradutor Leonardo Gonçalves, Isso (Brasília, UnB, 2004). Tem traduções inéditas do catalão Joan Brossa, do galego Manuel Antonio e de poemas eróticos do renascimento francês. Organizou uma edição da Lírica de Luís de Camões (Belo Horizonte, Crisálida, 2004).
Participou de várias antologias poéticas como, por exemplo, Homenaxe poética ao trobador Xohán de Requeixo (Barcelona, Frouseira, 2003). No campo da crítica literária tem editado em Portugal o estudo A letra e o ar: palavra-liberdade na poesia de Xosé Lois García (Lisboa, Universitária, 2004).
Há poemas, traduções e ensaios de Andityas Soares de Moura em diversos periódicos nacionais e estrangeiros tais como Poesia Sempre, Suplemento Literário de Minas Gerais, Rascunho, Babel, Poiésis, A Cigarra, Literatura, Estilingue, Jalons (França), Il Convivio (Itália), Palavra em Mutação (Portugal), Saudade (Portugal), Entreletras: livros e escritores (Portugal), Oficina de poesia: revista da palavra e da imagem (Portugal), Arquitrave (Colômbia), Arte Almänte (Colômbia) e Fronteras (Costa Rica). |
TEXTOS EM PORTUGUÊS - TEXTOS EN ESPAÑOL
MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. Deus está dirigindo bêbado e nós estamos presos no porta-malas. Bragança Paulista, SP: Editora Urutau, 2019. 102 p. 15 x 19,5 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
Khayyãm
Para que foi feito o vinho,
senão para embebedar-nos?
Maldito seja o ulemá
que me proíbe de bebê-lo.
Eu não sigo suas ordens
nem temo suas ameaças.
Quando me embriago
visitam-me as húris
de grandes olhos e
peitos alvíssimos.
Então já não preciso
do Paraíso nem
do temor a Deus.
Ô vinho místico,
dai-me a paz que não está
nos corpos, dai-me a dispersão
e o esquecimento, pois amanhã
serei uma jarra de barro quebrada,
um leão caçando suas leoas,
uma estrela que morre na noite.
Serei estas e muitas outras coisas
— serei peixe mudo cintilante
menino arbusto menina —
mas não me esqueço das
canções alegres nas tabernas,
dos doces sorrisos sem véus,
dos olhos desenhados à carvão,
das prostitutas que amei
e que por piedade me amaram.
Não me esquecerei de estar agora
completamente bêbado e por isso
saber da Unidade de Todas as Coisas.
Uma grande inquisição
Quero viver esta manhã ciborgue
}de mil delicadezas
e te aspirar silício, te fazer meu cilício
de pele de cobra na tela do computador.
Confessando meus pecados
na carne devoluta, castrada até o infinito,
que só se torna verdade quando cão
galinha peixe cintilante.
Os suspiros elétricos te apavoram,
te destroem naquele ritmo tênue
que lembra a infância,
te dizem coisas ao pé do ouvido,
te prometem a bem-aventurança.
Mas então desistes
— cabra auréola palavra circundante —
e o mundo deveria saber que não há nada errado nisso.
Ou de certo.
MOURA, Andityas Soares de. Os enCANTOS. Ciclo galaico-porvençal seguido de quatro poemas-cobra. Belo Horizonte: edições in vento, 2003. 80 p. 10,5x15 cm. Sobrecapa por Xosé Lois García. Projeto gráfico de Leo Gonçalves. Col. A.M. (EA)
LEVAD'AMIGO, QUE DORMIDES
AS MANHANAS FRIAS
ESTREMECI per te ver,
domna esquiva
cotovia nos beirais
berrava
estremeci per te tocar,
unha tenso
es mi'a
prima
galhardia
estremeci per
te louvar
o bom parecer,
a cara-creança
no me fazes dano
teu recordo
florezitas
de Mayo,
aventurança
fazed comigo
- cantiga - ,
estremeci per te
e estremeço
— extremunção —
mais vez
ainda
estremeci per t
lembrar
te lembrar
no me fazes dano
teu recordo
domna esquiva
De
Andityas Soares de Moura
Auroras consurgem
Rio de Janeiro: 7Letras, 2010. 67 p.
A carne triste
Basta.
Já ouvi as queixas do tempo.
O rumor de tudo aquilo
que foi nosso.
As coisas não têm culpa.
A derrota iminente sempre se insinuou.
Em teu sangue.
Em meu esperma.
A palavra
Sonho a palavra certa. Amor.
Agora que tudo acabou,
que tudo secou e se fez silêncio,
sonho a palavra certa para te dizer.
Para evitar minhas visitas aos bordéis.
Para acabar o poema.
Para continuar a te querer muito.
Ela existe, está por aí.
Não duvides.
Não foi trocada nem vendida.
Anda pelas ruas molhadas,
cheia de chuva e de blasfêmia.
Só a palavra certa, Amor,
só a palavra certa pode nos salvar.
MOURA, Andityas Soares de. Fomeforte. Belo Horizonte, MG: in vento, 2005. 136 p. 14x21 cm. ISBN 85-87961-14-4 “ Andityas Soares de Moura “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Andityas Soares de Moura, um atípico goliardo hodierno, debate-se entre a medievalidade e a modernidade, recolhendo os cacos de filosofia, pintura ou música entre as pedras do caminho barroco desbarrancado. Este feixe de
versos não costura: descose o discurso arquivado na estante estática. Quando estamos diante do molde tradicional, como o dos trovadores, glosadores e sonetistas, temos parâmetros cómodos de aquilatação da pedra lapidada, mas quando a pepita é bruta ou esfarelada, só nos resta peneirar conceitos, coisa que a multifacetada poesia de Andityas nos incita a fazer. Aqui há muita informação pulverizada, mas a leitura recupera um pó de estrada levantado pelo vento da inventividade: pot-pourri de alaúde e bandolim. Como diz o próprio poeta, em Tiradentes não se procuram bundas. Num poeta, se as acham. Bundas intelectuais, entenda-se, cuja
ventosidade varre os derradeiros ciscos de preciosismo empedrado. As cantigas de Andityas são galático-amaneiradas, digo, amineiradas.
GLAUCO MATTOSO
GEOGRAFIA
cargas de luas
ares
sob
o
creme
pacífico
fim de tarde
em julho
rodopiam mosquitões
cheiro abafado, corrosivo,
de mato
fechado
umas alturas
salpicam
no horizonte
é
como
se te
falassem:
dorme
chumbo
vermelho
o mal-estar enorme das montanhas de Minas
dorme
TALENTOS
Basta cercear sombra?
Lamber equívoco
até enxugar sagrada
fuligem que s'escapa
dos pés — ambos calmos,
taciturnos?
Sentir cores ao abraçar lembrança?
Me emocionar?
Invadir o insubmergível
reduto dos ratos?
Domar suplício
com seda e acorde
grave grave grave
mais fundo que
esta noite inteira?
Força se mede no aceno
da mão em despedida.
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