RAUL GONZALEZ TUÑON
Raúl González Tuñón foi um poeta e escritor argentino de Buenos Aires. Ele também trabalhou como jornalista, principalmente para a revista Crítica, e era conhecido por seu ativismo social e suas crenças socialistas. Ele era um grande amigo do poeta chileno e do Prêmio Nobel Pablo Neruda.
Nascimento: 29 de março de 1905, Buenos Aires, Argentina
Falecimento: 14 de agosto de 1974, Buenos Aires, Argentina
MÚSICA DOS PORTOS
Música dos portos sempre igual
e diferente.
Bandeiras com cores iguais
para todos os olhos
iguais e diferentes.
Proa da esperança. Seiva de nostalgia.
Apaixonada de todos os caminhos.
Mulher. Entregadiça e sábia.
Tu te estendes ao longo dos cais
ou entras no recôndito das almas.
Debruças teu cansaço nas tabernas
ou te dependuras das janelas
órfãs de pedaços de céus
na desesperança.
Música dos portos sempre igual
e diferente. Poliglota. Tuas velas
içaram-se aos ventos mais estranhos.
Pátio sonoro, evocador e bom
para os homens que não conhecem pátios.
Tu não tens cabelos nem tens mãos.
És som, nada mais.
Entras devagar, convincente.
Avivas o fogo de um cachimbo
e desanuvias uma fronte.
Música dos portos.
Muitas e uma.
Pirata que sequestras os espíritos
e os leva de um cais a outro cais.
Invisível farol e guiador de ouvidos.
Rompes o ímpeto ou conténs a faca,
ou transformas blasfémia em padre-nosso.
Seja quando vens tormentosa e lúgubre
ou quando perdes o teu tom sinistro.
Tradução: SOLON BORGES DOS REIS
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MELLO, Thiago de. Poetas da América de canto castellano. Seleção, tradução e notas de Thiago de Mallo. São Paulo: Global, 2011. 495 p. N. 02 811
A LIBERTÁRIA
À memória de Ainda Lafuente
(Morta na gruta mineira dee Astúrias, 1935
Estava toda manchada de sangue
Estava toda matando os guardas
Estava toda manchada de barro
Estava toda manchada de céu
Estava toda manchada de Espanha.
Vem, catalão obreiro a seu enterro,
camponês andaluz a seu enterro,
boiadeiro estremenho a seu enterro,
a seu enterro, pescador galego,
vem lenhador vizcaiano, a seu enterro,
lavrador Castellano, a seu enterro, não,
não deixeis só ao mineiro asturiano.
Vem, porque estava manchada de Espanha
vem, porque ela era noiva de outubro,
vem, porque ela era rosa de outubro,
vem, porque ela era noiva de Espanha.
Não deixeis só sua tumba no campo
onde o carvão e o sangue se misturam,
que do seu sangue a flor sempre floresce
sobre a veste vermelha do seu corpo
sozinha não deixeis sua tumba no ar.
Quando desfilam os guardas de assalto,
quando passa em revista o bispo as tropas,
quando o verdugo tortura o mineiro,
ela agitando a túnica vermelha
do sepulcro de vento quer sair
quer sair para vos chamar de irmãos,
de esperança e valor vos renovar
e vos lembrar essa data de outubro.
quando se despencavam frutas de aço
e estava toda manchada de Espanha
e estava toda a noiva desse outubro
e estava toda a rosa desse outubro
e estava toda a mão da sua Espanha.
(De La Rosa Blindada, 1936)
A MORTE DERRAMADA
Ay, venga luz del día
ay, venga la luz del alba
(Romance de origen galega)
Ai, que venha a luz do día,
Ai, que venha a luz da alvorada!
Ai, que se vejam os mortos
Das montanhas asturianas.
Ai, que se vejam as crianças
Ai, manejando os fuzis,
Ai, dos pais, os que tombaram,
Ai, nos vales asturianos.
Pelo vale florescido
De sangue montanha vasta
Por cujos rio sonoros
A esperança se despenha
Por cujos poços profundos
O sangue, fervente lava,
Arrasa escuras cidades
De solidão enterrada.
Ai, do socavão mineiro,
Ai, a paloma lilás,
Ai, as camisas dos mortos
As blusas esburacadas.
Ai, dos filhos dos caídos
E da morte derramada
Entre os pinheiros abertos
Onde se calou a cigarra,
Por entre as águas espesas
Que ouro e carvão arrastavam
E agora entre sangue e cinza
Arrastam ouro e carvão.
Já vem a aurora do porto,
Ai, já desce da montanha.
E lá na boca das minas
Milhares aguardam, mortos,
Milhares mortos no mundo,
Milhares mortos de Espanha.
Ai, que venha a luz do dia,
Ai, venha a luza da alvorada.
(De La Rosa Blindada, 1936.
A LENDA NEGRA ENTERRADA
SOB O VIADUTO MORTO
(fragmento)
A Federico García Lorca
Funeral de madeiras carcomidas
Lua, municipal paz solitária,
E vasos de esquecidos não-me-esqueças,
E estátua florescida e palavrão.
Molesta, anão, criança e caveira
Santería, final, violento céu,
Dores de pedras, pranto de bonecas
E degolado sexo e podridão,
Gárgulas e tracoma e lodaçais
E intrusa luz fendida, luz madrasta.
Tudo que ver e que viver e tudo
Morto e vivo, já sangraram os espelhos
E rugem as colunas malferidas
Já uivam marquesinhas e veludos
E chegam as infantas enterradas
E abandonam seus óleos os senhores
Vagarosos mordomos sem cabeça
Iluminam relevos, corredores.
Um pó que arde de aranhas e ratões,
E despertos os círios e apagados,
E rios de silêncio, dos que rompem
Diques de solidão e tão calados.
E dentro uma merenda de fantasmas
Lá fora um mulher levando um peixe
E um menino empinando um papagaio.
E a aurora de açucena, e fuzilado.
(De La Rosa Blindada, 1936.
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Página ampliada e republicada em março de 2025.
Página publicada em dezembro de 2019
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