Fonte: www.germinaliteratura.com.br
PAULO FRANCHETTI
Paulo Franchetti é professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Publicou, entre outros livros, os ensaios Alguns Aspectos da Teoria da Poesia Concreta (Campinas, 1989) e Nostalgia, Exilio e Melancolia - Leituras de Camilo Pessanha (São Paulo, 2001); a edição crítica da Clepsydra, de Camilo Pessanha (Lisboa, 1995); as antologias Haikai (Campinas, 1990) e As Aves que Aqui Gorjeiam - A Poesia do Romantismo ao Simbolismo (Lisboa, 2005); e a novela 0 Sangue dos Dias Transparentes (Cotia, 2003).
De
OESTE
Trad. para o japonês H. Masuda Goga
São Paulo: Ateliê Editorial, 2007. 157 p
ISBN 978-85-7480-389-0
“Quanto a mim, nem sempre reconheço, num terceto, rimado ou não, espirituoso ou plano, que se apresente como haicai, o direito de usar o nome. Sinto que estou perante um texto de haicai apenas quando reconheço nesse texto uma dada disposição de espírito, uma atitude frente ao mundo e à linguagem que conota uma estratégia específica de composição e de recepção do poema.” (...) “E a novidade que o haicai oferece a um ocidental, de meu ponto de vista, é o fato de ele ter por objetivo não a beleza da imagem ou da combinação dos sons, mas o registro ou o despertar de uma percepção muito ampla ou intensa nascida de uma sensação. Esse me parece o núcleo da forma do haicai.”
“Por isso tudo, o bom texto de haicai, o mais interessante, em minha opinião, é aquele que consegue, com o mínimo, obter apenas o suficiente. Fazendo da modéstia e do despojamento valores centrais, o haicai que se aprende com a leitura dos mestres japoneses não se satisfaz na exibição de virtuosidade técnica ou capacidade de associação brilhante. Pelo contrário, é um texto que se limita voluntariamente a apenas situar uma dada percepção sensória, objetiva, num campo maior de referências (objetivas ou subjetivas) onde ela ganhe sentido e componha um quadro único; um texto que traz para o leitor
a presentificação de um instante como algo inacabado, aberto, um esboço ou um diagrama do choque entre a sensação fugaz e irrepetível e seu longo ou profundo ecoar nas diversas cordas da sensibilidade e da memória.” PAULO FRANCHETTI
Conhecia Paulo Francheitti de leituras de sua obra sobre o concretismo, lançado por ocasião do cinqüentenário do movimento. Agora me surpreendo com este livro de haikais, em que se posiciona numa postura estética esclarecida, que vale a pena ser analisada e compreendida.” ANTONIO MIRANDA
PRIMAVERA (HARU)
Na tarde abafada,
Só a voz de uma galinha
Que botou um ovo.
VERÃO (NATSU)
Com que certeza
Voam todas para oeste,
Garças desta manhã.
***
Tarde de verão -
Uma nuvem solitária
Chovendo no vale.
OUTONO (AKI)
O outono chegou —
Mais distantes e azuladas
As mesmas montanhas.
INVERNO (FUYU)
Manhã de frio.
Se fosse menino escrevia
Meu nome no vidro>
***
Sob a névoa fria,
O cemitério da vila
Cercado de ciprestes.
NO CAMPO, NO ANAO NOVO
(Shin nen o den em nite)
Quando me canso da paisagem
Do leste, viro a cadeira
Para oeste.
De
Paulo Frnachetti
Memória futura
Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2010. 57 p
No LIMITE da vida.
Na beirada.
O mar transborda de peixes.
O céu se curva com o peso das estrelas.
O canário canta.
Dentro, a água borbulha,
O chá cresce na xícara.
Movem-se na noite
Antenas, intestinos.
O pulso sobe.
O eco nos ouvidos.
As ondas turvas
Esbarram na soleira,
Rodeiam a pedra recortada e limpa.
O coração palpita.
Quem diria o esforço
Contra o dia do juízo?
Quem recusaria a prece,
Ainda que certa
A condenação?
COM CINQUENTA anos, um homem
Começa a se esquecer.
Crê que se recorda, busca
Imagens do passado.
Elas comparecem tímidas,
Depois, como parentes,
Habitam a casa.
Lembranças de lembranças, truques.
' Nem mesmo o álbum de fotografias.
A tv espalha seu reflexo.
O sofá muda de cor.
Os documentários:
A guerra, a vida animal.
Blocos soltos de luz,
Os dias separam as noites.
Cinquenta anos: uma assombração
Entre fantasmas.
EXTRAÍDO DE
POESIA SEMPRE. Número 28. Ano 15 / 2008. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2008. 246 p. Editor Marco Lucchesi. Ex. bibl. Antonio Miranda.
Três poemas sobre a luz
1
Na estrada cheia,
O barulho dos pneus
Contra o asfalto.
Em breve, cada um de nós acenderá as luzes —
Centenas de estrelas em fila,
Retas constelações moventes,
Cercando a nebulosa da cidade
Sob um céu de chuva.
2
Sobre a neblina, o sol
Espalha seu calor inútil.
Uma lata de leite, virada com o pé,
Mostra a parte de dentro.
Ela quase brilha,
Atingida pela luz difusa.
3
Pela janela,
As colinas cobertas de casas.
Na casa do avô,
A noite descia uma tampa,
Apagando as frutas e os cães que vagavam
No meio do pomar.
A luz aqui vem do chão, quando anoitece,
E lança a sombra dos prédios
Para dentro do céu cinza.
Página publicada em janeiro de 2010; ampliada em setembro de 2018.
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