VISÃO  E (RE)VISÃO DE OLAVO BILAC 
                    
                  Por Antonio  Miranda 
                    (professor emérito da Universidade de Brasília) 
                    
                  Texto originalmente como prefácio do livro: 
                  
                  BILAC, Olavo.   Seleção de poesias. Desenhos de Antonio  Peticov.  Brasília, DF: Confraria dos  Bibliófilos do Brasil, 2018.  79 folhas  (centrais com os poemas e ilustrações). Tiragem regular 351 exs.  Ilus. em serigrafia manual.  pb. Capa dura encadernação especial. Inclui o  prefácio “Visão e (re)visão de Olavo Bilac”, por Antonio Miranda. No colofão,  as assinatura do ilustrador e do editor.   N. 09 630. Obs. O exemplar na biblioteca de Antonio Miranda,  como “Exemplar Especial não Numerado”.  
                    
                           Figura  exponencial da literatura brasileira, Olavo Bilac (1863-1918), foi admirado,  invejado e até repudiado por seus contemporâneos por sua evidência  extraordinária no período final do Império e depois da Proclamação da República  (1889), por seu vigor e rigor criativo e pela diversidade estética e  estilística que ajudou a consolidar. Chegou a ser coroado como Príncipe dos  Poetas Brasileiros, em 1907, pela revista Fon-Fon! Época em que surgiram e se firmaram os jornais diários no Rio de Janeiro e  por todo o Brasil, sendo Bilac um dos colaboradores mais frequentes. Publicou  sonetos e poemas para jovens e adultos, crônicas e artigos, além de versos  satíricos sobre fatos políticos e sociais, com uma enorme repercussão positiva  e também negativa, n´A Notícia, Gazeta de Notícias, nas revistas A Cigarra, A Bruxa e na Kosmos, e como correspondente dos  jornais paulistas O Estado de S. Paulo e Correio Paulistano. 
                   
                           Considerado  um dos responsáveis pela profissionalização do intelectual no Brasil, que ele  considerava um culto ou mesmo um sacerdócio, mas que garantia sua sustentação e  seu padrão de vida, superando a sua atividade de boêmio e indisciplinado,  saindo de uma elite de criadores artísticos para o trabalho ordinário e  ordeiro. Ou seja, como ele mesmo reconheceu, para serem “homens de letras, não  deixamos de ser humanos”!(1) 
                   
                  Ativista polêmico, defendeu os ideais  da abolição da escravatura no fim do período monárquico e participou da Liga de  Defesa Nacional, promovendo o serviço militar obrigatório, defendo a  oportunidade aos recrutas de serem alfabetizados e de terem a chance de uma  formação física, moral e cívica, além das práticas de higiene, atraindo a  simpatia de conservadores(1), sobretudo pelo tom ufanista e patriótico de seus  textos e conferências; uma delas proferida na Faculdade de Direito de São Paulo  em 1915, o que deve ter suscitado estranhamento tanto de políticos quanto de  críticos literários. Sobretudo dos “futuristas” participantes da Semana de Arte  Moderna de 1922, em São Paulo. Não podemos esquecer a oposição às formas  clássicas do Simbolismo e do Parnasianismo, ridiculizadas por Menotti del  Picchia por supostamente “propagarem” o sonetococcus...  Mas com uma reversão mais recente contra os extremismos dos novos “ismos” posteriores  no século XX, como ressaltou Luis Alberto Fischer em sua obra Parnasianismo brasileiro — Entre ressonância  e dissonância” (2003). Mas é justo reconhecer o viés progressista de Bilac  que, como já frisamos, seguiu o partido dos abolicionistas de José do  Patrocínio, no espaço aberto pelo positivismo em voga na esfera intelectual de  seu tempo, compartilhado pelos ideais libertários do (então) jovem poeta.           Seu  fervor político acabou levando-o ao autoexílio em Ouro Preto (MG, 1893) na  época autoritária de Floriano Peixoto. Chegou até a ser preso quando de seu  regresso ao Rio de Janeiro, em 1894, sofrimento que registrou  em um célebre soneto — “Em custódia”, em que  ressalta “Quatro prisões, quatro interrogatórios”, queixando-se das “Pulgas,  baratas, percevejos, ratos...” e das “Caras sinistras de espiões notórios”,  considerando-se uma “lata ao rabo de um cachorro”.(2) 
                   
                    Em  várias ocasiões se valeu do pseudônimo Fantasio para dissociar a própria imagem  difundida pelos versos satíricos ou, como Fernando Pessoa, assumindo outra  personalidade  à moda de um verdadeiro  heterônimo... Chegou até a escrever versos a serviço da propaganda de produtos  comerciais, além de traduções literárias, incluindo uma surpreendente produção  de “quintilhas” lançadas na reinauguração da famosa Casa Colombo, que fora  destruída por um incêndio.  
                   
                    Em  fases posteriores, publicou livros didáticos e paradidáticos, independentemente  ou com parceiros como Coelho Neto e com o pedagogo Manuel Bonfim, na sua fase  de educador profissional, quando chegou a ser nomeado diretor de Instrução  Pública do Rio de Janeiro, e até mesmo como inspetor escolar, aliás, o único  salário permanente em toda a sua vida. Recusou posições mais elevadas na  carreira pedagógica, para dedicar mais tempo às lides literárias, chegando a  publicar um Tratado de versificação para auxiliar os vates em formação.(3)   
                           E  chegou à Academia Brasileira de Letras já à época de sua fundação em 1897. Já  em 1902, revela-se o autor definitivo com a edição de suas Poesias, ampliando-se com os títulos seguintes: Alma inquieta, As Viagens (incluindo a obra Sagres)  e a famosa O Caçador de esmeraldas,  superando sua produção até então mais escassa e considerada por muitos “sem  intensidade de comoção correspondente ao brilho da forma”, como expressara José  Veríssimo”(4), mesmo reconhecendo a sua virtuosidade. Superando sua disposição  de agradar o grande público com o seu discurso poético, valendo-se de uma  “sensualidade mais refinada, uma expressão mais intelectual ” (5), que partiram  do reconhecimento de poemas como “Via Láctea”, “Delenda Cartago” e “Sesta de  Nero”, já no início do século XX. Paradoxalmente, Veríssimo ao mesmo tempo  acentuava o beletrismo e descritivismo dos poemas de Bilac, embora reconhecesse  o talento do poeta como sendo “o mais brilhante dos nossos poetas”.         Já famoso e cultuado pelas elites em festas,  banquetes e saraus. Bilac acompanhou o presidente Campos Salles em viagem a  Buenos Aires, na condição exitosa e muito concorrida de orador oficial da  missão diplomática. Além de uma participação relevante nas cerimônias da  grandiosa Exposição Nacional de 1908. 
                   
                    A  popularidade de Bilac tornava-o centro das atenções na vida carioca de seu  tempo, um verdadeiro pop star,  aclamado pelo público quando passeava pela rua do Ouvidor, cultuado em cartões  postais vendidos nas livrarias. Foi até a Europa em 1908-1909, onde esteve com  seu amigo Afonso Arinos, e escrevia de forma incompreensível pelo leitor médio,  comum, não apenas pelos intelectuais mais contemporâneos. Considerando o embate  entre os parnasianos e os simbolistas — Bilac na fronteira —, fazia concessões  aos lugares-comuns, mas com a habilidade de um virtuose. 
                    Voltou  à Argentina em 1910 numa viagem oficial, e a Nova York em 1911. Outra viagem à  Europa, em 1916, sendo eleito sócio-correspondente da Academia de Ciências de  Lisboa. 
                   
                    Seus  últimos versos foram cinco sonetos publicados na Revista do Brasil, em 1918, pouco antes de seu falecimento vitimado  por problemas cardíacos, nos rins e um edema pulmonar.  
                    Nos  últimos tempos vem sendo idealizado, demonizado e até endeusado em estudos  acadêmicos. Sérgio Milliet (6) chegou a acusa-lo de praticar o “bovarismo”,  espécie de alteração do sentido da realidade, com uma autoimagem deturpada...  Disseram que “bebia muito e por muito tempo”(7) e que praticava amores  degenerativos.(8) 
                    Quem  defendeu Bilac dessas críticas, entre outros, foi o português José Fernandes  Costa, que negava sua filiação ao parnasianismo “por ter utilizado rimas  fáceis”, com gerúndios e criado uma poesia “pessoal e subjetiva”. (9) Na mesma  linha, Ronald de Carvalho em sua Pequena historia  da literatura brasileira (RJ: Briquiet, 1953, p. 306), ressaltou a  “singeleza e a limpidez do estilo” do poeta. 
                   
                    Como  afirmou Amoroso Lima sobre a sua obra póstuma — Tarde, publicada em 1919, Bilac era “escravo dos sentidos”, “um  sensualista profundo”, mas limitado por sua “sensibilidade simples”. E conclui  “Seu último livro é quase uma vitória da razão sobre os sentidos. Não que o  poeta se transforme de sensualista em pensador. Bilac desconheceu a tortura do  pensamento ou, pelo menos, nunca a revelou.” (10) 
                   
                    Ou  seja, o poeta espiritualizou-se, garantindo a espontaneidade, confundida como a  facilidade ou superficialidade, que garantiu a sua popularidade até os dias  atuais. Como, por certo, afirma Humberto de Campos: “Pautado nos clássicos, ele  foi [Olavo Bilac] na beleza do conceito, na pureza da língua, na discrição da  imagem, um clássico da ideia e da linguagem (...) A medida que lhe regulava os  gestos da vida, disciplinava-lhe exata, o voo do pensamento.” (11) 
                   
                    Concluímos  valendo-nos da aclamação feita sobre a genialidade de Olavo Bilac por Jackson  de Figueiredo em seu texto laudatório “Traços para uma apologia de Bilac” (in COUTINHO,  A., org. Caminhos do pensamento crítico.  Rio de Janeiro: INL, Pallas, 1980, p. 893): 
                   
                    “Uma  das provas que se refletia na alma de Olavo Bilac a alma brasileira é a  melancolia que, sobre a sua obra, está, dos versos mais sensuais e brilhantes  às inquietações do seu vespertino crepúsculo intelectual — cortado de tão  íntimas aflições — como a figura angélica, misteriosa, que a protegeu sempre da  sujeira realista e, emprestando-lhe as asas de um tênue intelectualismo, pôde  conservá-la, até o fim, entre os límpidos raios de uma estesia, se bem que  sensual, jamais de sensualidade grosseira.”  
                   
                  (1)/ (2)  BILAC, O. Últimas conferências e discursos.  Rio de Janeiro: Alves, 1929. 
                    (3) E  publicou depois, em 1913, a 2ª. edição revista e ampliada do Dicionário de Rimas, de Cícero de  Guimarães Passos. 
                      (4) citado por Álvaro Santos Simões Júnior em “A Sátira do Parnaso”, SP, Editora  UNESP, 2007, p. 81. 
                      (5) Ibidem, p. 63 
                      (6) MILLIET, Sérgio. Diário crítico de  Sérgio Milliet. 2ª. ed. São Paulo, Martim Ed., 1944, citado por SIMÕES  Júnior, A. S., op. cit., p. 75 
                      (7) TORRES, A. Pasquinadas cariocas.  Rio de Janeiro: A. J. Castilho, 1921, p. 92. 
                      (8) CAMPOS, Humberto.  Diário secreto. Rio de Janeiro: O  Cruzeiro, 1954, citado por SIMÕES Júnior, A. S.. opus. cit. 
                      (9) COSTA, J. F. Elogio de Olavo Bilac. Lisboa:  Aillaud e Bertrand, 1919. 
                      (10) LIMA, A. A.  Primeiros estudos. Rio de Janeiro: Agir, 1948, p. 82. 
                      (11) citado por SIMÕES Júnior, A. S.. opus. cit., p. 81. 
                     
                   
                      
                     
                   
                     
                   
                   
                   
                
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