VERBIVOCOVISUALIDADE DAS REVISTAS NO SÉCULO XXI
por Antonio MIRANDA
Diretor da Biblioteca Nacional de Brasília
Professor da Universidade de Brasília
Prefácio da obra:
Ferreira, Sueli Mara Soares Pinto / Targino, Maria das Graças. organzizadoras.
Acessibilidade e visibilidade de revistas científicas eletrônicas.
São Paulo: Editora Senac São Paulo / Cengage Learning, 2009.
A revista científica é uma instituição em crise. Crise não é necessariamente um mal, mas também uma oportunidade.
Desde sua origem, as revistas científicas vêm passando por transformações que acompanham os avanços tecnológicos e as mudanças de paradigmas da ciência, conforme a institucionalização da atividade científica. Houve incremento espetacular da produção científica desde a Segunda Guerra Mundial. É a fase de abertura de universidades e de centros de pesquisa em escala planetária, em muitas línguas e culturas, exigindo controle bibliográfico da literatura científica e montagem de sistemas de intercâmbio entre instituições acadêmicas e bibliotecas em todo o mundo, além de promover bancos de dados, mecanismos de reprodução, das separatas e xerografias à digitalização e ao acesso em linha, marca dos tempos atuais.
O artigo científico converteu-se no fundamento da avaliação do pesquisador, dos programas de pesquisa e pós-graduação e do reconhecimento da excelência de produtividade e criatividade de indivíduos, grupos e redes de criação e inovação do conhecimento. Isto tudo até alcançar o paradoxo de suplantar as comunicações em congressos e outros eventos acadêmicos e demais modalidades de registro científico. Mas tudo indica que se trata de status provisório.
Os esforços por consolidar regras, normas e padrões de editoração de revistas científicas é um esforço das organizações em escala mundial, visando à sua uniformização e intercomunicabilidade, tanto por parte de agências de fomento quanto de organizações profissionais. No caso do Brasil, registram-se as iniciativas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), desde a criação desses órgãos a partir da segunda metade do século XX. São reuniões, seminários, normas técnicas, programas de fomento, além dos esforços de montagem de infra-estrutura adequada nas instituições.
A migração das revistas impressas para a dimensão digital vem impondo transformações. Inicialmente, conviviam edições impressas e eletrônicas, as últimas pautando-se nos formatos das primeiras, quando não eram apenas reproduções daquelas. Falou-se até de uma paperless society, prognosticada por Lancaster nos anos 50, questão descartada na medida em que se constata que as mídias são complementárias e não apenas competitivas.
No entanto, as revistas digitais acompanham os avanços (para não falar de progressos) das tecnologias relacionadas com a comunicação extensiva de nossos tempos, migrando de uma leitura intensiva para uma leitura extensiva, ampliada, intertextual e hipertextual. Conseqüentemente, a estrutura das revistas acompanha tais demandas, incorporando instrumentos de mediação e interatividade desde os estágios da convocatória e avaliação de textos em linha até a montagem de esquemas de discussão de seus conteúdos, incluindo comentários de internautas e, em casos extremos, mas cada vez mais freqüentes, fóruns e discussões em tempo real.
Outro aspecto importante a ser considerado é o da periodicidade, antes atrelada à impressão e distribuição (física) dos fascículos pelo correio regular e, posteriormente, à sua disponibilização em linha. O costume de organizar os volumes por ano e números, impondo uma periodicidade na condição de edições fechadas e datadas, com limites para recepção de textos, é substituído, agora, por revistas “abertas”. Isto é, alguns títulos permanecem à espera de colaborações, que vão sendo inseridas à medida que são recebidas, avaliadas e aprovadas, permitindo que versões revisadas dos textos substituam as anteriores. Rompem-se as barreiras entre o preprint e a edição definitiva, com a possibilidade de flexibilizar aos leitores o acesso apenas às seções de seu interesse, à medida que os novos textos são incorporados, assimilando, assim, os antigos mecanismos de disseminação seletiva da informação no processo editorial.
E a verbivocovisualidade? Idéia pregada pelos poetas concretistas na década de 50 do século passado, mediante a integração das artes e da hibridização dos recursos de criação literária, exigia a combinação de texto, voz e imagens numa mesma edição. A atual convergência tecnológica tornou isso banal e/ou mandatório. Revistas que se apóiam em programas avançados de hipermidiação (a exemplo da linguagem Hypertext preprocessor ouPHP), que geram bancos de dados e buscadores, permitem a associação obrigatória de textos, de som e de uma infinidade de imagens estáticas e em movimento, fundamentais para o registro do conhecimento de áreas, como física, matemática, artes, sobretudo, música e artes plásticas. Enfim, todos os campos da pesquisa científica dos tempos atuais, no que agora convencionaremos intitular era hipermoderna, no lugar da pós-modernidade.
É certo que os formatos disponíveis para a montagem de revistas científicas (que se incorporam aos repositórios nacionais e internacionais) nem sempre permitem (ainda) tais recursos, mas já estão disponíveis para outros tipos de edição de periódicos na web.
Muitos outros aspectos são relevantes, incluindo a questão do Acesso Aberto, a flexibilização dos direitos autorais, a multivocalidade na produção científica, hoje, possível, mediante cooperação entre autores distantes uns dos outros, em esforços de pesquisa em escala mundial e interdisciplinar. A oportunidade de tradução simultânea de textos a muitas línguas (por exemplo, usando o Unicode, em forma websemântica e não apenas gramatical) e a incorporação de mecanismos de jornalismo científico para transformar e levar os textos a públicos mais amplos são temas que certamente ocuparão os pesquisadores das ciências da comunicação e da ciência da informação nos próximos anos.
O livro Acessibilidade e visibilidade de revistas científicas eletrônicas levanta estas questões, não apenas de forma especulativa e teórica, mas a partir do acompanhamento da prática que orienta tal experiência de editoração de revistas científicas, no Brasil e em outras nações. As pesquisadoras e organizadoras Sueli Mara Soares Pinto Ferreira e Maria das Graças Targino têm vasta e longa trajetória com as revistas científicas do País, em escala nacional e internacional, desde a perspectiva da ciência da informação. Das questões da webometria ao questionamento dos indicadores, de recursos de disseminação como o Really Simple Syndication (RSS) até as implicações da acessibilidade documentária, além dos estudos de impacto dos conteúdos são temas exaustivamente discutidos ao longo da coletânea por autores nacionais e internacionais. |